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A greve dos servidores do Judiciário paulista justifica a decretação de intervenção Federal?

As recentes declarações do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Édson Vidigal, causaram polêmica nos meios políticos e constitucionais do País.

terça-feira, 28 de setembro de 2004

Atualizado em 27 de setembro de 2004 08:46


A greve dos servidores do Judiciário paulista justifica a decretação de intervenção Federal?

Renato Bernardi*

As recentes declarações do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Édson Vidigal, causaram polêmica nos meios políticos e constitucionais do País. De acordo com ele, o movimento grevista deflagrado pelos servidores dos quadros do Poder Judiciário do Estado de São Paulo seria fato suficiente para a decretação de intervenção federal no Estado de São Paulo, haja vista que o Poder Judiciário estaria impossibilitado de exercer suas funções constitucionais (Folhaonline - 20/9/2004 - 20h19min). Sem que se entre na questão da justiça ou da legalidade do movimento paredista em curso, temas que escapam do objeto do presente trabalho, há que se verificar se a intervenção pode ser originada pela ocorrência de greve de servidores públicos.

De acordo com a Doutrina constitucional, o Estado Federal é caracterizado pela presença de, entre outros, dois elementos básicos: a existência de governo próprio e a repartição constitucional de competência a cada um dos membros da Federação. A conferência, pela Constituição Federal, de competência própria aos entes da Federação, gera a autonomia de cada um deles, o que importa na possibilidade de cada um dos membros da Federação poder praticar os atos de governo que a Constituição Federal lhe possibilita, sem interferência, seja da ordem jurídica central, seja de outro membro componente da Federação. Apesar de autônomas, essas entidades devem obedecer a certos princípios, com o fim de manter o equilíbrio federativo, sob pena de sofrerem a supressão temporária da respectiva autonomia, sendo obrigadas a suportar a ingerência da União Federal em seus negócios governamentais.

Tal supressão temporária da autonomia é, exatamente naquilo que pertine ao tema objeto de estudo, a chamada Intervenção Federal, ato eminentemente político carregado de forte excepcionalidade, já que no Estado Federal a regra é a posse de competências exclusivas conferidas às partes componentes do pacto federativo; o princípio constitucional é o da não intervenção, o que se extrai da redação do "caput" do art 34 da Constituição Federal: A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:.(destacado). Lembre-se, contudo, que a possibilidade de intervenção não importa na existência de hierarquia entre os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), já que, como explicitado, esses são autônomos, pois detentores de poderes próprios previstos na Constituição Federal.

As ocorrências fáticas que podem autorizar a decretação de intervenção federal estão catalogadas taxativamente no art. 34 da Constituição Federal. Sendo assim, a intervenção federal somente pode ser decretada para:

I - manter a integridade nacional;

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

Nos termos da declaração do Excelentíssimo Ministro, a intervenção deveria ser decretada no Estado de São Paulo nos termos da disposição tipificada no inciso IV do art. 34 da Constituição Federal, haja vista que o Poder Judiciário estaria impossibilitado de exercer seu mister constitucional. Fundamentada em tal dispositivo constitucional, a intervenção poderia ser decretada pelo Presidente da República, desde que provocado por requisição expedida pelo Poder Judiciário. Resta, então, analisar se a greve dos servidores do Judiciário paulista impede que referido Poder exerça sua função típica de distribuir Justiça, e a resposta parece apontar para a insuficiência do movimento paredista como causa da supressão temporária da autonomia do Estado de São Paulo.

Por primeiro, constata-se que o Poder Judiciário no Estado de São Paulo não está impedido de exercer suas funções constitucionais. Há comarcas onde inexistem servidores em greve, outras em que a paralisação é parcial e, na grande maioria delas, inclusive naquelas onde a greve foi deflagrada por servidores locais, os processos cuja tramitação reclama urgência continuam sendo movidos, como os casos de réus presos, as ações em que seja necessária cognição sumária e as ações nas quais se postulam alimentos. Mandados de prisão e alvarás de soltura continuam sendo expedidos e os atos da justiça eleitoral, muitos deles praticados por servidores do Judiciário estadual, permanecem sendo praticados.

Certo é que a grande maioria dos processos não está tramitando, mas isso não é indicativo de existência de coerção ao Poder Judiciário capaz de impedi-lo de entregar a jurisdição. Por outro lado, poder-se-ia considerar a possibilidade da decretação da supressão temporária da autonomia do Estado de São Paulo, pela ocorrência da greve dos servidores do Judiciário, como autorizada pelas hipóteses previstas nas alíneas "a" e "b", do inciso VII, do art. 34 da Constituição Federal. Nesses casos (desobediência aos princípios constitucionais sensíveis), a decretação de intervenção pelo Presidente da República depende do provimento de Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva proposta pelo Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal (art. 34, inciso VII, da Constituição Federal). Ainda assim, não se verificam presentes as hipóteses previstas, já que a forma republicana (poder exercido pelo povo, por meio de mandatários eleitos temporariamente), o sistema representativo (a existência do mandato representativo) e o regime democrático (acessibilidade do povo, dos governados ao processo de formação da vontade estatal) não se encontram violados com a deflagração da greve. No entanto, no Estado de São Paulo, mesmo com a greve dos servidores, os direitos da pessoa humana continuam sendo respeitados.

Aliás, poder-se-ia cogitar, até mesmo, de desrespeito aos direitos da pessoa humana pela omissão do legislador federal infraconstitucional ao não regulamentar a norma constitucional de eficácia limitada do inciso VII, do art. 37, da Constituição Federal. Sendo assim, respeitadas as opiniões em sentido contrário, o movimento grevista dos servidores do Judiciário paulista não é causa suficiente à decretação da intervenção federal no Estado de São Paulo, uma vez que a situação fática não se amolda as hipóteses autorizadoras taxativamente previstas no art. 34 da Constituição Federal.
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* Mestre em Direito Constitucional, Procurador do Estado de São Paulo, Professor das Faculdades Integradas de Ourinhos, Professor de cursos preparatórios para Exame de Ordem e Carreiras Jurídicas Professor do Curso de Especialização em Direito Tributário da FADAP - Tupã/SP e Professor do Curso de Espacialização da Escola da Magistratura do Estado do Paraná.






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