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Um grande abismo

O ser humano prossegue a sua jornada em busca da perfeição e do aprimoramento espiritual, visando à construção de um mundo melhor para todos e para os seus descendentes. Não obstante, as gerações anteriores legaram-nos uma sociedade apodrecida, desarticulada e feroz.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Atualizado em 27 de outubro de 2008 16:07


Um grande abismo

Leon Frejda Szklarowsky*

O ser humano prossegue a sua jornada em busca da perfeição e do aprimoramento espiritual, visando à construção de um mundo melhor para todos e para os seus descendentes. Não obstante, as gerações anteriores legaram-nos uma sociedade apodrecida, desarticulada e feroz.

Tampouco, podemo-nos orgulhar do que lhes deixaremos (violência incontida, tortura, guerras, miséria, fome, inversão de valores, crimes contra a natureza, Estado onipotente e onipresente, impunidade, desenfreada corrupção, decadência moral, de costumes e leis iníquas), apesar das boas coisas realizadas e das conquistas científicas que poderiam propiciar à sociedade humana o tão sonhado bem-estar. Paradoxalmente, apenas uma pequena parcela dele desfruta, mercê da insanidade e torpeza da "pequena humanidade". Credite-se, contudo, que a grande humanidade, silenciosa e boa existe, apesar de tudo e por isso mesmo.

Para Beccaria, os benefícios da sociedade devem ser igualmente repartidos entre todos os seus membros e só as boas leis podem impedir os abusos dos privilégios de poucos em detrimento da maioria.

Há um profundo abismo entre o progresso científico e a realização espiritual. Esta não corresponde às aspirações acalentadas por todas as civilizações, em todos os tempos e eras.

A Segunda Grande Guerra Mundial, que enlutou o homem por sua crueldade jamais vista, assassinando milhões de vítimas inocentes, seria a última das fábricas mortíferas, e para isto os vencedores criaram a ONU. Ironicamente, tantas outras guerras menores e cruéis e atos de terrorismo insano e injusto continuam ensangüentando os homens, impiedosamente, sem qualquer explicação racional e condizente com a espiritualidade que os distingue dos seres irracionais. Serão estes realmente irracionais? Será o homem efetivamente um ser racional? O homem violento fortifica-se cada vez mais. Mata-se por nada e por tudo! Sacrifica-se o semelhante sem dó nem piedade, por ciúme, vingança, pura maldade e, às vezes, até por prazer.

As sociedades organizaram-se e tornaram-se cada vez mais sofisticadas, imitando o mundo orweliano, a ponto de viverem os seres humanos encurralados na prisão invisível criada pela moderna tecnologia, mas perfeitamente sensível, sem sequer poder respirar livremente ou amar, longe dos olhos e ouvidos dos sensores, espiões amaldiçoados que maculam a beleza da vida e a liberdade, tudo por amor à segurança e, pasmem, à bisbilhotice de estadistas e Estados totalitários, sob a fachada democrática, tão a gosto de ditadores travestidos de democratas. Os homens passaram a ser prisioneiros de si mesmo e do medo.

Este aprisionamento é até mais cruel que as masmorras descritas pelo nobre milanês, ou as prisões siberianas narradas por Tolstoi ou as encontradas nos "Gulags" de todas as épocas. Talvez o retorno à vida primitiva restaurasse a felicidade. No entanto, há uma verdade incontestável: o homem pode barrar o progresso por algum tempo, mas não para todo o sempre!

Os criminosos copiaram e aperfeiçoaram a arte de matar os seus semelhantes e os instrumentos capazes de os crucificarem, com requintes de extrema perversidade. O ser humano sabe amar, mas também sabe maltratar e mutilar o outro!

Por isso mesmo, a sociedade deve estar preparada para banir os que a agridem e punir devidamente aqueles que violentam a convivência entre as pessoas, como meio de sobrevivência da própria sociedade.

A grande questão, que os estudiosos do Direito criticam, é a severidade com que a lei de crimes hediondos trata o "pobre delinqüente", esquecendo-se dos direitos humanos. Quanta ironia reside neste pensamento.

Olvidam que o aumento desses delitos é geometricamente proporcional à impunidade e à certeza de que a pena não será cumprida totalmente, porque o Estado lhes permitirá, à guisa de equivocada interpretação da lei, usufruir a liberdade. Para os que gostam de estatística, basta compararem-se o número de presos libertados que voltam a delinqüir com perversidade e ódio, graças a uma interpretação liberal e sumamente injusta.

É preciso, de uma vez por todas, levar em conta o sofrimento da vítima e dos que lhe são aparentados, sob pena de se cometer a maior das injustiças. A punição mais severa para certos crimes decorre da necessidade de fortalecer a sociedade e propiciar às pessoas um mínimo de segurança, essencial ao bem viver com dignidade.

A impunidade é a matriz e a geratriz de novos e insensatos acontecimentos e o desmoronamento do que ainda resta de bom na alma humana. Entretanto, enquanto houver seres humanos na Terra, haverá sempre uma chance de convivência.

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*Advogado e escritor autor de inúmeras obras literárias e jurídicas








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