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Três irmãos do Recife

Em sua preciosa História da Faculdade de Direito do Recife, Clóvis Beviláqua brinda os leitores com um sem-número de passagens interessantes e curiosas, envolvendo alunos e professores de uma das duas primeiras academias jurídicas do País (ambas criadas por Decreto Imperial de 11 de agosto de 1827). A outra é a do Largo de São Francisco, SP, as igualmente célebres Arcadas.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Atualizado em 6 de novembro de 2008 10:29


Três irmãos do Recife

Fabio de Sousa Coutinho*

Para Rossini Corrêa,
amigo e mestre

Em sua preciosa História da Faculdade de Direito do Recife, Clóvis Beviláqua brinda os leitores com um sem-número de passagens interessantes e curiosas, envolvendo alunos e professores de uma das duas primeiras academias jurídicas do País (ambas criadas por Decreto Imperial de 11 de agosto de 1827). A outra é a do Largo de São Francisco, SP, as igualmente célebres Arcadas.

Das mais fascinantes dessas narrativas é a que conta a trajetória de três irmãos que, com pequenos intervalos temporais, se tornaram, na segunda metade do século XIX, lentes catedráticos (que é como então se chamavam os professores titulares) do venerável templo pernambucano de saber. Trata-se de uma situação única na vida universitária de nosso país, jamais repetida em qualquer tempo, em qualquer ambiente docente das dezenas de universidades públicas brasileiras. A impressionante densidade familiar e cultural que a inédita circunstância comporta é atribuída aos irmãos Braz Florentino Henriques de Sousa, Tarqüínio Bráulio de Sousa Amaranto e José Soriano de Sousa, nessa ordem cronológica de idade e de ingresso no grau máximo da vida acadêmica do Recife.

O mais velho, Braz Florentino Henriques de Sousa, nascido em 1825, bacharelou-se na Turma de 1850 e doutorou-se em 1851. Deixando os bancos acadêmicos, entrou para a redação do Diário de Pernambuco, e aí permaneceu até 1855. Nesse ano, por ocasião da reforma dos cursos jurídicos, mereceu a nomeação de lente substituto da Faculdade do Recife, por indicação de Nabuco de Araújo. Em 1858, coube-lhe a promoção a catedrático de Direito Público e Constitucional (2º ano), sendo, a seu pedido, transferido para a cadeira de Direito Civil (decreto de 1º de maio de 1860). Como professor de Direito Civil, foi escolhido para fazer parte da comissão incumbida de dar parecer sobre o projeto do Código Civil, elaborado pelo grande Teixeira de Freitas, e seguiu para o Rio de Janeiro, em 1865.

Em 1869, Braz Florentino foi nomeado Presidente da Província do Maranhão, e, no exercício desse elevado cargo executivo, veio a falecer, em 29 de março de 1870. Tinha apenas quarenta e cinco anos de idade; ainda não pudera realizar tudo o que o seu enorme talento, naturalmente, produziria, se tivesse vida mais prolongada. Os escritos maiores de Braz Florentino são: O Casamento Civil e o Casamento Religioso, Recife, 1859; O Poder Moderador, Recife, 1864; O Recurso à Coroa, Recife, 1867; e Lições de Direito Criminal, Recife, 1872. Na dicção de Beviláqua, O Poder Moderador é trabalho, sem contestação, mais erudito e mais lógico, como aplicação dos princípios e como desenvolvimento da tese da Constituição Monárquica, do que o livro de Zacarias de Góes e Vasconcelos, Da Natureza e Limites do Poder Moderador.

O poder moderador era um enxerto do absolutismo, introduzido na carta constitucional de 1824, que nos outorgou Pedro I. Mas era preciso estudá-lo na sua essência e no seu funcionamento, segundo estava organizado. Foi o que fez Braz Florentino, numa análise demorada, rigorosa, abundantemente documentada com a lição dos mestres estrangeiros (Benjamin Constant, Lanjuinais e Clermont Tonnerre), importando dizer que quanto se escreveu sobre a matéria foi chamado à colação. É obra que denota formidável esforço mental, tendo sido reeditada, mais recentemente, em 1978, em co-edição do Senado Federal com a Editora da Universidade de Brasília, com introdução de Barbosa Lima Sobrinho, extraordinário jurista, jornalista e político pernambucano.

O segundo do trio de irmãos de uma família nordestina que teve o privilégio de contar com três filhos na congregação de professores da Faculdade de Direito do Recife foi Tarqüínio Bráulio de Sousa Amaranto (Tarqüínio de Sousa), que integrou a Turma de 1857 e tomou posse de sua cadeira na mesma instituição em 1860, quando ainda vivia Braz Florentino.

Irmão mais moço de Braz Florentino e de Tarqüínio de Sousa, e, como eles, lente da Faculdade de Direito do Recife, José Soriano de Sousa nasceu em 15 de setembro de 1833, na Paraíba, e faleceu, no Recife, a 12 de agosto de 1895. Formou-se em Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro (1860), e em Filosofia pela Universidade de Louvain, Bélgica. Num concurso em que o contendor era a figura solar de Tobias Barreto, Soriano de Sousa obteve a cadeira filosófica do Ginásio Pernambucano. Com a reforma de Benjamin Constant, foi nomeado lente de Direito Constitucional, tomando posse de sua cadeira a 12 de março de 1891.

Sua obra de jurista e filósofo é extensa e importantíssima, com destaque para Ensaio Médico-Legal, cuja primeira edição é de 1862 (Recife), e a segunda de 1870 (Paris); Compêndio de filosofia, ordenado segundo o Dr. Angélico, S.Tomás de Aquino, Recife, 1867; Lições de filosofia elementar, racional e moral, Recife, 1871; Elementos de filosofia do Direito, Recife, 1880; Apontamentos de Direito Constitucional, Recife, 1883; Pontos de Direito Romano, sob o pseudônimo Vico, Recife, 1884; e Princípios Gerais de Direito Público e Constitucional, Recife, 1893. Seus compêndios de filosofia foram, por muitos anos, os adotados nos liceus do Norte, antes da República, representando, no gênero didático, o que de mais sólido e profundo se escreveu sobre filosofia, no Brasil.

A respeito de Soriano de Sousa, como jurista, Clóvis Beviláqua afirmou que seus estudos de Direito Constitucional, sobretudo os Princípios Gerais de Direito Público e Constitucional, "são de valor didático muito apreciável, pela clareza e segurança de doutrina, que é, em matéria constitucional, de excelente cunho". Clóvis destacou, também, que Soriano de Sousa "assimilou, muito inteligentemente, o constitucionalismo americano, e, sobre esta base, construiu o seu sistema, tendo em vista a nossa organização republicana." Numa época em que se estavam absorvendo, ainda, as novas doutrinas constitucionais, Soriano de Sousa soube ser criativo e pioneiro, apresentando um projeto de Constituição para o Estado de Pernambuco que mereceu o aplauso dos competentes.

As gerações seguintes aos "Três Irmãos do Recife" são visceralmente ligadas ao culto do Direito, à busca de justiça, à magistratura e à advocacia. Tarqüínio de Sousa e Soriano de Sousa tiveram descendentes diretos no Tribunal de Contas da União e no Supremo Tribunal Federal, Ministros Octávio Tarqüínio de Sousa e José Soriano de Sousa Filho, respectivamente.

Um filho de Braz Florentino, Celso Florentino Henriques de Sousa, bacharelou-se com a Turma de 1881 da histórica faculdade recifense. Foi juiz de Direito em Campina Grande/PB, Deputado Federal por Pernambuco e advogado estabelecido no Rio de Janeiro, militando até os últimos dias de vida. Um neto de Braz Florentino, José Augusto Garcia de Sousa, formou-se com a Turma de 1907 do Recife, a mesma a que pertenceu o estupendo poeta pré-modernista Augusto dos Anjos. Um bisneto de Braz Florentino, David Garcia de Sousa, bacharel pela PUC - RJ, é veterano advogado na Cidade Maravilhosa. Três irmãos (José Augusto, João Carlos e Luís Alberto Garcia de Sousa), trinetos de Braz Florentino, todos bacharéis pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FDUERJ, são advogados de nomeada na antiga capital da República. Um quarto trineto de Braz Florentino, bacharelado na Turma de 1974 da FDUERJ, advogado no Distrito Federal e autor das mal-traçadas que ora se concluem, é pai do advogado e servidor público Pedro Mäder Gonçalves Coutinho, bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (Turma de 2005).

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*Advogado do escritório Sturzenegger Advogados





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