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Amarelo Piscando

Repare bem no pássaro engaiolado por tanto tempo e um dia veio alguém e o soltou. De tão acostumado que estava com a quietude daquele exíguo espaço pareceu que já nem sabia o que fazer com as suas asas.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Atualizado em 11 de novembro de 2008 09:31


Amarelo Piscando

Edson Vidigal*

Repare bem no pássaro engaiolado por tanto tempo e um dia veio alguém e o soltou. De tão acostumado que estava com a quietude daquele exíguo espaço pareceu que já nem sabia o que fazer com as suas asas.

Geralmente aprisionam os pássaros porque sendo raros em suas plumagens e cantos logo despertam a cobiça e a inveja, sentimentos negativos próprios dos que não conseguem sedimentar com bons princípios as suas ambições.

Faz lembrar o Cartola, ainda é cedo amor, mal começastes a conhecer a vida...

Sim, é legítimo ter ambições. E precisamos mantê-las despertas, acenando-lhes com as esperanças mais verdes encontráveis nos brejais mais sonhados. Ambições, mas só daquelas do dizer do poeta, as mais nobres e as mais lúcidas!

O que leva alguns de nós a se interessar, por exemplo, pela política e a ter ambições políticas? O bem comum, é a resposta primeira que desponta logo querendo calar a todos.

O bem comum, hão de questionar, não pode ser alcançável sem que se tenha que fazer, obrigatoriamente, as nem sempre limpas travessias da política.

Quando perguntaram a Tancredo, querendo constrange-lo, se ele iria mesmo para aquela farsa do Colégio Eleitoral, submetendo-se às regras da ditadura, só para ser nomeado Presidente, ele respondeu que iria, sim, tapando com um dedo o nariz e com um lenço à boca para travar as náuseas.

Havia um objetivo maior, a volta da democracia, a remoção de todos os resquícios do autoritarismo, as liberdades civis.

Um dia, enfim, seremos todos cidadãos.

E quando houver cidadania plena, as pessoas inteiras, conscientes não só dos seus direitos, também dos seus deveres para com os outros, a sociedade será dona, ela sim, dos seus movimentos e das suas aspirações.

O paternalismo de Estado que, sem resolver as questões estruturais, se dana a querer inventar enganosamente soluções paliativas e o clientelismo político que se ocupa sempre em distribuir agrados que só retardam a explosão da bomba ao mesmo tempo em que outras vão sendo feitas, terão que desaparecer.

Esses dois grandes defeitos, paternalismo de Estado e clientelismo político, que só deformam a democracia, perderão adeptos quando a cidadania for plena na consciência das pessoas e os princípios mais sólidos inspirarem as ações mais firmes.

Quando os movimentos sociais se apresentarem mais unidos nos seus propósitos e mais fortes em sua organização será possível fazer as travessias da política com todas as certezas de que as ações dos políticos, em verdade mesmo, terão como destinação única o bem comum.

A política, então, só terá espaços para os melhores do meio do Povo, e não apenas para os ricos, ou aqueles oportunistas, ou os carreiristas, ou os outros que se submetem a tudo, pagando pela ambição desvairada qualquer preço, o que o diabo quiser, o sangue ou a alma.

Estar acostumado com o espaço exíguo da gaiola e depois ser tirado para fora mas sem saber o que é efetivamente a liberdade, tantos foram os anos de alpiste e de assobios, em movimentos que nem chegaram a ser vôos, tão exíguos os espaços, é como estar livre que nem um pássaro desengaiolado, que solto no tempo nem tentou alçar-se um pouco acima do chão.

Isto porque não sabendo há tempos o que era a liberdade já nem sabia mais o que fazer com as próprias asas.

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA





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