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O condomínio edilício no novo Código Civil

Não temos dúvida, porém, tendo em vista o sentido social do direito de propriedade que ora se decanta na legislação, que essa solução pode e deve ser tomada pela assembléia geral em casos extremos. É de se perguntar se deve o condomínio suportar em suas dependências a presença de um baderneiro contumaz ou de um traficante de drogas. É evidente que a futura jurisprudência deve atentar para essas circunstâncias. Esse é apenas um dos aspectos, dentre tantas questões que afloram quotidianamente no direito condominial.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2003

Atualizado em 1 de abril de 2003 11:49

 

O condomínio edilício no novo Código Civil

Sílvio de Salvo Venosa*

Nenhuma outra modalidade de propriedade tenha talvez levantado maior riqueza de problemas jurídicos e sociais do que a denominada propriedade horizontal, propriedade em planos horizontais ou propriedade em edifícios. A começar por sua denominação. A doutrina nacional e estrangeira refere-se a essa modalidade como propriedade horizontal, propriedade em planos horizontais, condomínio sui generis, condomínio por andares, condomínio edilício. Esta última denominação foi adotada pelo novo Código Civil, que disciplina a matéria nos artigos 1.331 a 1.358.

O Código Civil de 1916 não se ocupou da matéria. Jungido pelas legislações estrangeiras e pelos fatos sociais, o direito pátrio promulgou o Decreto nº 5.481, de 25 de junho de 1928, que traçou as primeiras normas, de forma insatisfatória. Apenas em 1964 é promulgada a Lei nº 4.591/64, que sofreu algumas alterações pela Lei nº 4.864/65, denominada de Condomínio e Incorporações, detalhando essa modalidade de propriedade. Se na época se mostrou como diploma legal avançado, na atualidade e de há muito já estava a exigir nova reforma legislativa, mormente para preencher lacunas atinentes a novos fenômenos dentro do próprio condomínio que regula, bem como a novas modalidades de compropriedade, não fosse ainda a necessidade de adaptação à disciplina protetiva do consumidor. As novas disposições do mais recente Código Civil procuraram preencher essas lacunas. O novo Código Civil passa a disciplinar integralmente o condomínio edilício, revogando essa matéria na Lei nº 4.591/64, a qual trata também das incorporações, cujos dispositivos continuarão em vigor.

No condomínio edilício existe nítida e distinta duplicidade de direitos reais. O direito de propriedade da unidade autônoma, em que o ius utendi, fruendi et abutendi é o mais amplo possível, como na propriedade em geral, sofre restrições de vizinhança impostas pela convivência material da coisa, em planos horizontais. Não se distingue muito do direito de propriedade ortodoxo que também sofre restrições de uso e gozo, tendo em vista os direitos de vizinhança em geral, as normas edilícias e os princípios do abuso de direito. O direito de usar da unidade autônoma encontra limites nos princípios de ordem natural de vizinhança, de um lado, e de outro, nos ordenamentos particulares do condomínio.

À margem desse direito, em quase tudo igual à propriedade exclusiva individual, coloca-se, portanto, a disciplina dirigida às partes comuns do edifício. Nesse aspecto, existe efetivamente condomínio. Os titulares de unidades condominiais são comproprietários de fração ideal de terreno e das partes de uso comum.

A convenção do condomínio funciona como regra fundamental da vida condominial. Um dos problemas que mais afetam a vida em comunhão é o comportamento anormal ou inconveniente do condômino ou possuidor da unidade autônoma. Tendo em vista o rumo que as questões condominiais têm tomado, bem como o sistema de penalidades trazido pelo novo código, é importante que na convenção sejam estabelecidas as sanções a que estarão sujeitos os transgressores das regras condominiais, bem como o procedimento para sua imposição, este, mais apropriadamente, constante do regulamento. Há um micro-universo em um condomínio, que toma o vulto de uma aglomeração urbana. Tudo o que não é essencial à constituição e funcionamento do condomínio, mas de cunho circunstancial e mutável, deve ser relegado para o regimento (ou regulamento) interno. Por isso, é conveniente que esse regimento seja estabelecido à parte, e não juntamente com a convenção. O regimento está para a convenção como o regulamento administrativo está para a lei. Deve completar a convenção, regulamentá-la, sem com ela conflitar. Ocorrendo conflito, deve prevalecer a convenção.

Ao regulamento é conveniente que se releguem normas disciplinadoras de uso e funcionamento do edifício. Lembre-se de que o regulamento também é fruto de deliberação coletiva, sendo igualmente ato normativo.

A questão da boa convivência social é ponto central da vida em condomínio. O condômino que, por exemplo, desejar reformar sua unidade, não pode fazê-lo a ponto de colocar em risco a estrutura do prédio. Deve, por outro lado, efetuar os reparos necessários para que eventuais defeitos em sua unidade não prejudiquem os demais condôminos. Nem sempre as soluções serão tranqüilas, como demonstra a experiência. O condômino é obrigado a obedecer à convenção e ao regulamento. A transgressão deve sujeitá-lo ao pagamento de multa ou outra penalidade, cuja forma de imposição e fixação deve decorrer da convenção ou mais apropriadamente do regulamento ou regimento interno. Qualquer que seja a modalidade de imposição de multa ou penalidade, requer seja conferido direito de defesa ao condômino. Para evitar nulidades, o regimento deve fixar procedimento administrativo para imposição de penalidades, nos moldes de uma sindicância. As punições podem ser graduadas desde a simples advertência até a imposição de multa, dentro de determinados limites ou proibição transitória de uso e gozo de certas atividades ou facilidades no condomínio.

Esta última matéria gera discussões. Não se duvida que o condômino, ou qualquer ocupante, pode ser punido com a suspensão temporária de freqüentar a piscina ou salão de festas do edifício, por exemplo, em razão de comportamento inconveniente. O novo código, ciente dessa problemática, ao contrário da lei anterior, introduz expressamente no ordenamento a possibilidade da imposição de multas, o que, aliás, não era proibido na Lei nº 4.591/65. Assim, tal como está no artigo 1.336, parágrafo 2º, o condômino que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos na lei, na convenção ou no regulamento interno, pagará multa prevista na lei ou regulamento, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem. Não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança de multa. Em qualquer situação, há que se assegurar direito de defesa ao infrator. Esse dispositivo se refere àquele infrator esporádico.

No entanto, o código vai mais além, pois reconheceu que o infrator reiterado, empedernido e renitente deve ser mais rigorosamente apenado, em prol da vida condominial. Assim é que o artigo 1337 dispõe: "O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem". Parágrafo único: "O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia".

Verifica-se, portanto, que as multas podem atingir valores elevados. Contudo, haverá situações que nem mesmo essa imposição será suficiente para extirpar o problema da vida condominial. Note que essas punições podem atingir não apenas o condômino, em sentido estrito, como qualquer possuidor da unidade, não importando a que título seja essa posse ou mera detenção. Nota-se que o legislador do novo código chegou muito próximo, mas não ousou admitir expressamente a possibilidade de que o condômino ou assemelhado seja impedido definitivamente ou por certo prazo de utilizar a sua unidade.

Não temos dúvida, porém, tendo em vista o sentido social do direito de propriedade que ora se decanta na legislação, que essa solução pode e deve ser tomada pela assembléia geral em casos extremos. É de se perguntar se deve o condomínio suportar em suas dependências a presença de um baderneiro contumaz ou de um traficante de drogas. É evidente que a futura jurisprudência deve atentar para essas circunstâncias. Esse é apenas um dos aspectos, dentre tantas questões que afloram quotidianamente no direito condominial.

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* Juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil - sócio do escritório Demarest e Almeida Advogados - Autor de obra completa de Direito Civil em seis volumes

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