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A Lei de Falências no Direito Brasileiro e a conveniência de sua modificação. Sugestão Legislativa

José Antônio Lomonaco

A norma legal que regulamenta o procedimento falencial, comumente denominada lei falencial é, na verdade, um decreto.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

Atualizado às 08:51


A Lei de Falências no Direito Brasileiro e a conveniência de sua modificação. Sugestão Legislativa*

José Antônio Lomonaco**

1. Considerações Preambulares; 2. Conceito de Estado Falimentar; 3. A Prática; 4. A Mudança; 5. Aspectos práticos da mudança sugerida; 6. Credores sujeitos à D.E.O.; 7. Convocação; 8. Instalação da Assembléia; 9. Propostas; 10. Da negociação; 11. Da Ata e outras formalidades; 12. Dos efeitos da Ata; 13. Nova negociação; 14.Exigências Legislativas; 15. Considerações Finais; 16. Conclusões; 17. Bibliografia.


1. Considerações preambulares

A norma legal que regulamenta o procedimento falencial, comumente denominada lei falencial é, na verdade, um decreto.

Editado em 1.945, o decreto 7.661 rege as disposições relativas a todo universo da falência e da concordata, que vão desde o conceito de falido, ou situação ou estado falimentar até a contagem de prazos processuais referentemente ao procedimento.

O uso da expressão lei falimentar cristalizou-se no tempo, sendo de comum uso entre a doutrina e a jurisprudência, ao passo que a legislação remissiva tem adotado a anotação correta.

O presente trabalho, de cunho monográfico, e portanto não vinculado a qualquer tipo de necessidade de inovação, pretende observar e sugerir, centrado em um dos aspectos do conceito de estado falimentar, mudança na atual sistemática legal.

O projeto em trâmite no Congresso Nacional inova alguns aspectos da norma de regência, e tenta, pela via da modernização de alguns conceitos, adequar o procedimento.

Exemplo disso é a instituição do administrador, figura ainda não prevista no decreto 7.661/45; a criação de elementos novos, em direção à necessidade de recuperação da empresa em estado falimentar, ou concordatário, bem como outros.

O presente estudo se dá na direção oposta ao da lei cujo projeto se desenvolve naquela Casa de Leis, porque é o entendimento do signatário que a lei não necessita inovações - vez que contempla mecanismos suficientes para recuperar a empresa e para eliminar o fantasma da fraude - mas sim de pequena adaptação aos novos tempos, sem que isso implique em edição de novas normas legais, ou novos institutos de administração da massa.

O presente trabalho dará ênfase à inovação, pela adoção de um procedimento pré-procedimental, e que atuará como condição de admissibilidade para a propositura da ação falimentar, para os objetivos a final elencados.

2.
O Conceito de Estado Falimentar

A inovação proposta passa, necessariamente, pela discussão do que seja o estado falimentar indicado pela lei de regência do tema.

A norma legal invocada, qual seja, o decreto 7.661/45, retrata, no artigo 1º , as várias hipóteses de situações fáticas nas quais o comerciante pode ser considerado falido, ou em estado de insolvência.

O conceito legal, e portanto, teórico, que mais se aproxima do conceito de estado de falência, ou estado de insolvência é o conceito definido na norma do artigo 1º do decreto 7.661/45, qual seja, aquele estado no qual se encontra o comerciante que "....sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva....".
1

Esse o cerne da questão, porque a lei, no intróito, já limita o conceito de falido, ou, como comumente se diz, do estado de falência aos casos que especifica.

Limitação que, evidentemente, haverá de ser levada em conta no momento da interpretação da norma, já que, por se tratar de norma restritiva de direitos, haverá de ser restritivamente interpretada.

Há, ainda, no corpo da mencionada norma, outras situações que, indiretamente, caracterizam o comerciante como falido, ou, nos termos legais, permitem a inferência de que o comerciante esteja submetido à realidade daqueles suportes fáticos.2

Dentre as hipóteses previstas na norma, a que mais chama atenção e a que merece reforma é a que prevê que a falência caracterizar-se-á toda vez que o comerciante convocar "...credores e lhe propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens".

O conceito merece interpretação.

Mesmo porque o conceito de dilação, remissão ou cessão são conceitos jurídicos, adaptados para a realidade empresarial, e como tal haverão de ser tratados.

A palavra dilação tem o significado de estender, prolongar, ampliar4. Na esfera do Direito, entende-se como sendo prorrogação de prazo, ou aumento no lapso temporal para agir ou deixar de agir. Nos meios empresariais, dilação nada mais significa que prorrogar o vencimento de certa obrigação.

Já a expressão remissão de créditos tem como cerne o termo remissão, que na linguagem jurídica tem o significado de extinção da obrigação pelo perdão dado pelo credor, seja por ato unilateral, verdadeira renúncia a direito, seja por ato de liberalidade a pedido do devedor.

Por outro lado, a cessão de bens implica na figura jurídica da dação, para pagamento de certa obrigação, cuja extinção se dá não por pecúnia mas por entrega de parte do patrimônio.

A par de serem essas práticas correntes e corriqueiras nos meios empresariais, não se tem notícia, na jurisprudência atual, pela pesquisa nos repertórios oficiais analisados, de sentença de decretação de falência que tenha tido por base e fundamento a ocorrência de qualquer dessas hipóteses.

E há razões práticas para essa ausência, dentre as quais se pode traduzir pela praxis comercial, ou seja, é perfeitamente legal fazer-se prorrogação de obrigações (porque a moratória é instituto de direito civil de larga aplicação no direito comercial); porque é legal o perdão unilateral de dívidas e/ou créditos, pela via da remissão e porque a dação em pagamento é utilizada e permitida sob os mesmos fundamentos legais.

Nesse particular cumpre trazer à luz a incongruência da lei falimentar, que permite a decretação da quebra em caso de prorrogação de dívidas a pedido do devedor comerciante5 e impede sua decretação caso a prorrogação seja concedida, vez que estar-se-ia descaracterizando a mora debitoris, pela concessão da moratória6.

De fato, o fato ou motivo extintivo da obrigação, mesmo que temporariamente, pela outorga de moratória, impede a decretação da quebra, na forma do artigo 4º , inciso n. VIII da lei falimentar, com incontáveis manifestações jurisprudenciais no sentido indicado.

Recentemente7 decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação n. 175.455-1/2, pela 2a Câmara, julgado de 10.11.92, Relator Desembargador Silveira Pinto, publicado em RT 698/76, que a moratória desnatura a impontualidade do devedor, fato impeditivo da decretação da quebra8.

De modo que a lei proíbe a negociação de créditos mas impede a decretação da quebra se houver negociação.

Na esteira da compreensão da norma ora sub estudo, convocar credores para efetiva proposta de dilação nada mais significa do que reunir-se com os mais diversos titulares de créditos para pleitear novação, prorrogação ou renegociação dos créditos que lhes sejam atribuíveis.

Afinal, qual a diferença do quanto indicado na lei, como caracterização do estado falimentar, e o quanto se processa na concordata?

Nos dois casos, os credores são chamados, impondo-se uma dilação ou prorrogação nos pagamentos. Muito pior do que se fazer essa dilação pela via da negociação, com ampla possibilidade de soberania e na aclamação da autonomia da vontade, é fazer-se pela via da obrigatoriedade e da imposição legal, na qual a vontade se resume ao esperneio jurídico.

A prática demonstra que os credores não gostam da concordata, nem da falência.

E abominam a idéia, a tal ponto que, na maioria dos casos, negociam diretamente com o concordatário, ou com o falido, a cessão de seus créditos, informando-se nos autos a nova situação apenas após a conclusão da negociação e celebração dos respectivos instrumentos.

Tal como marido traído, a Justiça é a última a saber das negociações para cessão de créditos, seja na concordata, seja na falência, donde inferir-se que os credores não apreciam muito a intervenção do Poder Judiciário em suas relações comerciais.

Portanto, o que a lei veda - e proíbe - ao comerciante (negociação com prevalência da autonomia da vontade), faz por si, só, no silêncio dos gabinetes, com prevalência da força da Jurisdição.

Faça o que mando...mas não faça o que faço.

3. A prática

Nos meios empresariais é comum a solicitação de prorrogação de vencimentos de obrigações, dilações que são feitas muitas vezes à base da confiança, por telefone, celebrando-se o instrumento apenas muitos dias após o acertado.

Muitas vezes, a celebração de documento para formalizar a nova situação obrigacional é dispensada, mantendo-se as novas condições na base da pura confiança.

No caso de tal dilação ocorrer durante processamento, as partes providenciarão, nos autos, a juntada do respectivo instrumento de cessão.

Em ambos os casos o que houve foi negociação direta, muito embora no segundo haja necessidade de homologação. Prática corriqueira, habitual e de largo uso.

E também esse o fundamento para adoção de mecanismos como o sugerido nesse trabalho, porque, desde tempos imemoriais, ex factum oritur ius9 de modo que o Direito haverá de obedecer aos comandos naturais do ser humano, atribuindo-lhe regência adequada para seus negócios.

4. A mudança

A norma comporta mudança, sob o fundamento de que do fato nasce o direito, e não o contrário.

O Direito não gera fatos, mas os fatos caracterizam-se pela conjugação de diversos fatores e ocorrências do mundo físico que geram o suporte fático, sem o qual não há produção de efeitos jurídicos.

O fato é que a negociação contumaz, seja individual ou coletivamente considerada, é prática do mundo dos negócios que não pode ser ignorada pela lei.

Ideal seria que a legislação pudesse admitir a reunião, em assembléia, dos credores, de forma a permitir a lavratura de uma Ata, na qual ficassem estabelecidos os critérios norteadores da renegociação.

4.1. Aspectos práticos da mudança sugerida

A fim de sistematizar o quanto se pretende, inicialmente sugerimos que o procedimento passe a se chamar de D.E.O. - Dilação Extrajudicial Obrigatória.

A D.E.O. seria incorporada à lei falencial pela inclusão de dispositivos legais, abrindo-se novo procedimento extrajudicial, de modo que tal procedimento seja condição sine qua non para a instrução do pedido de falência.

a) Credores sujeitos à D.E.O.

Estariam sujeitos à dilação obrigatória os credores do comerciante possuidores de títulos que permitam a execução, na forma do quanto disposto na lei 7.661/45.

Ou seja, apenas os detentores de títulos hábeis a instruir o pedido de falência podem participar da D.E.O. - Dilação Extrajudicial Obrigatória.

No procedimento D.E.O. não há privilégios, que ficam reservados para o procedimento falencial (lei falencial, artigo 102).

b) Convocação

A convocação dar-se-á através de qualquer meio idôneo, sugerindo-se a comunicação escrita ou publicação de editais na praça onde esteja localizada a empresa, bem como na praça na qual se concentre mais de 60% dos créditos.

Há uma razão para isso.

O Direito não pode deixar para o Poder Judiciário o monopólio das exclamações da vontade, e não pode deixar de observar o avanço tecnológico, que permite aos interessados meios de comunicação confiáveis.

Na era do fax, Internet e outros meios de comunicação, não se poderia exigir mais do que a remessa de simples carta, ou pequeno edital, para chamamento ao procedimento de D.E.O.

c) Instalação da Assembléia

A Assembléia será necessariamente acompanhada por advogado, que abrirá os trabalhos.

A Mesa Diretora dos trabalhos será eleita entre os credores presentes, que avaliarão a Lista de Presença, considerando-se como quorum para a instalação a maioria simples, verificados através de cômputo pela proporção de seus créditos.

Ou seja, os votos são qualificados, e não simples, em contraposição ao Princípio do one man, one vote.10

Verificada a presença de metade mais um dos créditos, dar-se-á início à Assembléia.

d) Das Propostas

Abertos os trabalhos, o representante do comerciante fará exposição da atual situação do empreendimento, e indicará as soluções propostas, apresentando Quadro Geral dos Créditos.

e) Da negociação

Os presentes, credores e comerciante, poderão entabular proposta diversa, tudo com o objetivo de permitir capitalização do empreendimento, com vistas a seu saneamento.

Posta em votação, a Proposta será considerada aprovada se obtiver voto favorável de pelo menos 50% dos presentes, contados os votos na proporção de seus créditos.

f) Da Ata e outras formalidades

Os trabalhos serão registrados em Ata própria, que será lavrada no mesmo Livro em que forem lançadas as assinaturas de presença. Um extrato da Ata será levado a Registro em Títulos e Documentos, para preservação e validade contra terceiros.

g) Dos efeitos da Ata

O principal efeito da celebração do acordo é a obrigatoriedade de estarem sujeitos a ela todos os credores do comerciante, mesmo os que - mesmo presentes - não concordaram com a Proposta Vencedora, além dos que não comparecerem.

Outros efeitos são importantes, a saber:

i) atua como inibidor de pedidos de falência, uma vez que sua realização será considerada como requisito essencial para a propositura da ação de falência, comprovando-se com Certidão do Cartório de Notas, relativamente ao Registro da Ata em Títulos e Documentos.

ii) absoluta inibição dos pedidos de falência como procedimento substitutivo de ações de cobrança, prática muito comum, pela qual requer-se falência de comerciantes por dívidas pequenas, sem relevância do ponto de vista patrimonial.

iii) obrigatoriedade de se tentar capitalizar a empresa, pela concessão de carência para solução das obrigações.

iv) atendimento ao Princípio segundo o qual a harmonia das relações jurídicas é bem de grande interesse público, que se sobrepõe a interesses patrimoniais dos interessados.

v) preservação, a curto prazo, de empregos e das garantias mínimas de sobrevivência dos empregados e servidores, que não serão surpreendidos com a decretação da falência, ou da concordata.

vi) possibilidade de melhoria nas demonstrações financeiras, vez que certos exigíveis a curto prazo poderiam ser lançados, dependendo do prazo e das condições de renegociação, serem lançados como exigíveis de médio ou longo prazo.

h) Nova negociação

O comerciante, de posse dos compromissos lavrados em Ata, agirá para gerenciar o empreendimento nos termos nela constantes. No prazo nela fixado, prestará contas á Mesa Diretora, que recomendará uma das duas alternativas:

i) realização de nova Assembléia, com concessão de nova moratória, se entender que o empreendimento atendeu às determinações constantes das deliberações votadas e aprovadas,

ii) cessação do D.E.O., liberando-se os credores para decidir suas futuras atitudes com base em seus próprios interesses.

iii) as decisões da Mesa Diretora serão tomadas por maioria simples, votando o Presidente da Mesa apenas para voto de desempate.

5. Exigências legislativas

Não há exigência legislativa de grande monta, podendo a matéria ser tratada por lei ordinária. Não se sugere a adoção de Medida Provisória porque a matéria, embora relevante, não se encontra submetida a regime de urgência.

No entanto, em se tratando do elevado nível de vulnerabilidade das finanças nacionais no plano internacional, vinculada aos movimentos intensos de capitais especulativos, a ocorrência de novas situações de crises nas bolsas - como a crise que se abateu sobre a Rússia e a Coréia - pode vir a permitir o uso da medida indicada, haja vista o reflexo dessas crises no mercado internacional, com repercussões econômicas de grande monta no mercado interno.

6. Considerações finais

A proposta de adoção dos mecanismos da D.E.O. - Dilação Extrajudicial Obrigatória atende a um dos aspectos da realidade empresarial brasileira.

De fato, a conveniência da proposta se insere na necessidade atual de permitir que comerciantes, empresários e outros agentes econômicos sujeitos à falência possam lançar mão de mecanismos de negociação coletiva sem que isso paire sobre seu negócio como potencial caracterização de estado falencial, ensejador da decretação da quebra.

Permite que as partes façam o que se busca no Poder Judiciário, ou seja, a solução dos conflitos, aliás dever da autoridade judiciária (Código de Processo Civil, artigos 125 e seguintes).

Permite maior controle dos credores quando da verificação de situação de perigo, impedindo manobras evasivas ou que tendam a desviar bens ou dilapidar o patrimônio da empresa.

7. Conclusões

A atual lei falencial, com cerca meio século de vigência, tem atendido aos reclamos da sociedade a níveis regulares de satisfação.

A decretação da falência não satisfaz a ninguém, porque complica a solução dos conflitos havidos entre comerciantes, pelas dificuldades naturais do procedimento.

A modificação proposta, de lege ferenda, poderá oferecer aos interessados um mecanismo eficiente que, se usado com inteligência e boa fé, propiciará a solução de diversos conflitos sociais que acabariam arquivados em canto qualquer dos porões do Judiciário, à espera de eventual provocação.

Referências Bibliográficas:

1. ALBUQUERQUE, J.B. Torres de. Prática e jurisprudência das falências e concordatas. 2 Vols. 1.996. São Paulo : Ed. de Direito.

2. COELHO, Fábio Ulhôa. Código comercial e legislação complementar anotado/ Fábio Ulhôa. São Paulo : Saraiva. 1.995.
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1Decreto 7.661/45, artigo 1º - Considere-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida constante de título que legitime a ação executiva.

2Suportes fáticos são as hipóteses do mundo físico que, após perfeita subsunção à hipótese legal, permitem a irradiação de efeitos jurídicos previstos na norma aplicável.

3Decreto 7.661/45, artigo 2o, inciso n° III - Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante : ....II - convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de crédito ou cessão de bens.

4Holanda Ferreira, Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. São Paulo : Nova Fronteira. verbete.

5Decreto 7.661/45, artigo 2o, inciso III.

6Decreto 7.661/45, artigo 4o, inciso n° VIII.

7Acórdão de 1.992.

8Falência. Suspensão do processo. Pedido formulado pelo requerente da falência para tentativa de solução amigável. Fato que impede a decretação da quebra, vez que tal pedido implica em moratória, desnaturando a impontualidade do devedor.

9Do fato nasce o Direito.
10Um homem, um voto.

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* Trabalho elaborado em março de 1999, quando a matéria ainda não havia sido apreciada no Congresso Nacional


**Professor





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