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Ativismo judicial

É incontroverso que as funções e competências dos poderes legislativo, executivo e judiciário foram atribuídas e limitadas na CF. Contudo, nos últimos acontecimentos da história brasileira, tem-se observado um crescimento diferenciado na atuação do poder judiciário. Dentre tantas outras decisões, merece uma melhor análise aquelas que vêm sendo dadas pelos tribunais de superposição, tais como o STJ e, sobretudo, pelo STF, intérprete maior da carta política.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Atualizado em 19 de outubro de 2009 13:51


Ativismo judicial

Ana Luiza Duarte Pires de Castro*

É incontroverso que as funções e competências dos poderes legislativo, executivo e judiciário foram atribuídas e limitadas na CF (clique aqui). Contudo, nos últimos acontecimentos da história brasileira, tem-se observado um crescimento diferenciado na atuação do poder judiciário. Dentre tantas outras decisões, merece uma melhor análise aquelas que vêm sendo dadas pelos tribunais de superposição, tais como o STJ e, sobretudo, pelo STF, intérprete maior da carta política.

A clássica doutrina da tripartição dos poderes, segundo a qual ao legislativo caberia criar as leis, ao executivo administrar o estado e ao judiciário aplicar a norma posta pelo poder legiferante, não mais estava atendendo aos reclamos da sociedade atual. Não era permitido ao estado-juiz aplicar a Lei de forma diversa do texto literal. Caso isso ocorresse, deveria o Legislativo, e não o Judiciário, declarar sua ilegalidade ou mesmo inconstitucionalidade, conforme o caso concreto. Todo este modelo de estrita observância da Lei perdurou por todo o século XVIII e boa parte do século XIX.

Porém, um novo paradigma começou a ser traçado. Por questões outras, o poder judiciário começou a interpretar a lei, e não só isso, começou a regulamentar aquilo que, ante a inércia legislativa, requeria máxima urgência, visando o equilíbrio de todo o sistema.

O ativismo judicial, por definição, é o instrumento de interpretação constitucional que possibilita aos juízes, através de técnicas sistêmicas e congruentes, ver e aplicar a constituição de forma concreta, indo além do que o antigo modelo legalista permitia, regulando e distribuindo justiça eficiente e concreta.

Assim, diante da inércia do legislativo em criar leis, e da ineficiência e morosidade do executivo em efetivar os planos dispostos na carta cidadã, surge o judiciário, com força jurígena, para atuar onde não existe leis, sempre baseado em princípios vetores da ordem constitucional então vigente, distribuindo justiça social a comunidade em decorrência da inércia administrativa do poder executivo.

Neste interregno, indaga-se: onde se encontra a legitimação do ativismo judicial, vez que os poderes são autônomos e independentes entre si? A resposta não pode ser outra, que não na própria CF. Os poderes constituídos são criados para representar o povo, real titular do poder, e para eles devem funcionar. É uma constante relação de pertinência, onde sua razão de ser se verifica no atendimento do fim social. Assim, por uma questão de política distributiva, conferiu-se ao judiciário dizer o direito, e recentemente também, suprir lacunas deixadas pelos outros poderes, por intermédio do instrumento principiológico do ativismo judicial.

Dentre as mais recentes decisões tomadas pelo STF com base no ativismo judicial, duas merecem alusão: a decisão do caso raposa serra do sol, em que o ministro relator Menezes Direito, fixou, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, um verdadeiro tratado regulamentandor dos limites e as condições em que se daria a divisão daquelas terras; e uma outra decisão tomada por aquele Pretório Excelso acerca da regulamentação autorizativa das pesquisas com células tronco. Nesses e em outros casos de igual relevância, à primeira vista o poder judiciário agiu além dos limites concedidos pelo antigo modelo anteriormente fixado, onde ao judiciário somente lhe era permitido replicar as leis postas e nada mais.

Embora de grande utilidade e valia o instituto do ativismo judicial, escorado no pensamento do professor Luiz Roberto Barroso1, convém advertir, corre-se o risco de mitigação da legitimidade democrática, bem como de uma crescente politização da justiça, extrapolando a capacidade institucional do judiciário. Entende o ilustre professor mencionado que a questão do risco da legitimidade democrática decorre, em suma, da ausência de representatividade popular do órgão do poder judiciário, vez que seus membros não foram eleitos diretamente pelo povo.

No que pertine ao segundo risco, o problema de se criar uma justiça politizada advém do receio de se tomar decisões com pretensões supra-partidárias, sem a devida fundamentação legal. Tal risco se torna patente e real quando as decisões são exaradas sem qualquer fundamentação principiológica na ordem constitucional vigente. Contudo, esse risco é sobremodo mitigado quando condicionada a eficácia da medida à aquiescência de todo um colegiado de ministros.

Por fim, o risco de se mitigar ou mesmo desvirtuar a competência institucional do judiciário está na possível mácula ao principio da separação dos poderes, vez que o ativismo judicial permite a este poder, guardadas as devidas limitações, atuar além dos limites de sua competência, respeitando apenas os princípios institucionais fundantes fixados pelo poder constituinte originário. Esse sim é sobremodo o maior dos riscos. Contudo, até o presente, nas decisões analisadas não foi verificada nenhuma mácula dessa natureza nas decisões já exaradas com fundamento no ativismo judicial.

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1 Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. __________________


*Advogada do escritório Trigueiro Fontes Advogados









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