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Repercussão geral no recurso extraordinário: deliberação do Plenário do STF por meio eletrônico

A Emenda Constitucional n°. 45/2004 estabeleceu um novo requisito para a admissibilidade do recurso extraordinário. Nos termos do § 3.º que a Emenda acrescentou ao art. 102 da Constituição, "o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso".

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Atualizado em 6 de agosto de 2007 13:48


Repercussão geral no recurso extraordinário: deliberação do Plenário do STF por meio eletrônico

Eduardo Talamini*

A Emenda Constitucional n°. 45/2004 (clique aqui) estabeleceu um novo requisito para a admissibilidade do recurso extraordinário. Nos termos do § 3.º que a Emenda acrescentou ao art. 102 da Constituição (clique aqui), "o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso". Ou seja, precisará demonstrar-se que o tema discutido no recurso tem uma relevância que transcende aquele caso concreto, revestindo-se de interesse geral, institucional. Assim, em certa medida, retomou-se a figura da "argüição de relevância", que havia sido instituída pela Emenda Constitucional n°. 7/1977 (clique aqui) e extinta pela Constituição de 1988.

Nos termos da Emenda Constitucional n°. 45/2004, o recurso apenas poderá ter seu conhecimento negado se dois terços dos membros do tribunal reputarem que a questão não tem tal relevância geral. Ou seja, a manifestação negando a existência de repercussão geral precisará provir do Plenário do STF, que reúne todos os seus membros. O relator isoladamente ou mesmo a Turma não poderão negar conhecimento ao recurso por esse fundamento, enquanto não houver um pronunciamento nesse sentido do próprio Plenário.

No entanto, a inserção do novo requisito de admissibilidade no texto constitucional não bastava. Era necessária, ainda, sua regulamentação.

Tal regulamentação iniciou-se pela Lei n°. 11.418/2006 (clique aqui). Ela incluiu dois novos artigos, com vários parágrafos, no Código de Processo Civil (arts. 543-A e 543-B - clique aqui). Uma síntese das regras estabelecidas pela Lei n°. 11.418 pode ser encontrada na 9ª edição do volume 1 do Curso avançado de processo civil, que escrevo em co-autoria com L. R. Wambier e Flávio Almeida (RT, 2007, p. 602-604).

A regulamentação da figura em exame foi completada com a reforma do Regimento Interno do Supremo Tribunal (RISTF), mediante a Emenda Regimental 21, de 30.04.2007 (clique aqui), D.O.U. 03.05.2007).

Antes de estar integralmente regulamentada a figura da repercussão geral - inclusive no que tange ao modo de deliberação de sua presença pelo Plenário do Supremo Tribunal, não era possível exigir das partes a observância de tal requisito de admissibilidade no recurso extraordinário. Apenas a partir com o início de vigência da Emenda Regimental 21, em 3 de maio de 2007, tornou-se exigível o novo pressuposto de admissibilidade recursal. Foi o que decidiu por unanimidade o Plenário do Supremo em questão de ordem no AI 664.567 (relator Min. Pertence, j. 18.06.2007, Inf. STF 472, 18-22.06.2007).

Em parte, a alteração regimental destinou-se a atribuir explicitamente ao relator do recurso ou ao Presidente do Supremo Tribunal poderes que já seriam extraíveis das regras gerais sobre processamento de recursos ou do regramento específico da repercussão geral.

Mas a grande novidade trazida pela Emenda Regimental 21 concerne ao modo de o Plenário aferir a existência de repercussão geral. Pretendeu-se eliminar impasse prático derivado do regime constitucionalmente estabelecido para a repercussão geral.

Por um lado, a existência de repercussão como requisito do recurso extraordinário destina-se a funcionar como um filtro de admissibilidade - a fim de reduzir o número de recursos e permitir que a Suprema Corte ocupe-se dos casos que possam estabelecer diretrizes verdadeiramente relevantes para a nação. Mas, por outro, a exigência de que tal requisito seja aferido (pelo menos na primeira vez em que cada matéria chegar ao Supremo Tribunal) pelo próprio Plenário implicaria um evidente transtorno procedimental, com a duplicação de pautas, caso tal aferição viesse a fazer-se pelo modo convencional, de julgamento em sessão. Ou seja, o novo requisito de admissibilidade acabaria trabalhando contra uma das finalidades em razão das quais foi instituído.

A solução encontrada foi a deliberação por meio eletrônico.

Nos termos do art. 323, cumpre ao relator primeiramente examinar se não falta ao recurso algum outro dos pressupostos de admissibilidade. Estando todos presentes - e não se tratando de recurso idêntico a outro(s) cujo pressuposto da repercussão geral já tenha sido examinado pelo Plenário (hipótese em que é dado ao relator tornar a aplicar o entendimento já adotado - CPC, art. 543-B, § 3º, acrescido pela Lei n°. 11.418, e RISTF, arts. 323, § 1º, e 327, § 1º, acrescidos pela Emenda Regimental 21) nem de recurso que impugne decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Supremo (hipótese em que se presume a repercussão geral - CPC, art. 543-A, § 3º, acrescido pela Lei n°. 11.418) -, caberá ao relator emitir sua manifestação sobre a existência, ou não, da repercussão geral, submetendo-a aos demais ministros por meio eletrônico.

Os demais ministros têm o prazo comum de vinte dias, contados do recebimento da manifestação do relator por via eletrônica, para se pronunciar sobre a questão da repercussão geral. O pronunciamento deles também deve dar-se por via eletrônica. Se no prazo de vinte dias não chegar até o relator o número suficiente de manifestações para rejeitar a existência da repercussão geral (oito, considerada inclusive a manifestação do relator), tem-se por cumprido tal requisito de admissibilidade do recurso extraordinário.

A forma eletrônica de processamento da aferição da presença da repercussão geral dá ensejo a algumas indagações.

A primeira concerne à legitimidade de uma decisão "tácita". Afinal, não havendo oito manifestações pela ausência de repercussão geral, considera-se cumprido esse requisito de admissibilidade do recurso. É possível que se tenha esse resultado sem que nenhum ministro tenha emitido sequer uma manifestação afirmando a presença da repercussão geral na matéria envolvida no recurso. Pode até ocorrer de o relator e outros seis ministros manifestarem-se todos expressamente no sentido do descumprimento do pressuposto - e ainda assim ele será considerado como tendo sido cumprido. Ou seja, terá havido um juízo positivo tácito acerca da presença de tal requisito. O problema é que decisões tácitas normalmente são consideradas constitucionalmente ilegítimas, por serem incompatíveis com a garantia constitucional da fundamentação (art. 93, IX).

Na hipótese em exame, não se trata sequer apenas de se ter uma determinada deliberação não fundamentada. Mais do que isso, é possível que as únicas manifestações emitidas pelos integrantes do Supremo Tribunal sejam exatamente no sentido contrário ao da deliberação final. A despeito disso, afigura-se legítimo o sistema adotado pela Emenda Regimental 21. A premissa é de que a Constituição estabelece um princípio geral da presença da repercussão geral no recurso extraordinário (CF, art. 102, § 3º: "somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros"). A matéria constitucional, sobre a qual versa esse tipo de recurso, é presumida como relevante - e cumpre ao Plenário do Supremo, mediante o quorum qualificado de 2/3 de seus membros, derrubar essa presunção. Em suma, o juízo positivo tácito legitima-se pela presunção de existência da repercussão geral.

Uma segunda pergunta, relacionada com a primeira, concerne à viabilidade de se impor um prazo próprio, preclusivo, para a manifestação dos ministros. Afinal, é assente a idéia de que os prazos para o juiz são impróprios, não implicando preclusão temporal. Também nesse ponto é a presunção geral de repercussão geral que justifica a exceção. Portanto, na hipótese, o prazo é próprio, preclusivo. Decorridos os vinte dias sem a reunião das oito manifestações necessárias para a rejeição da existência da repercussão geral, a questão está superada, relativamente àquele recurso (o que não impedirá de futuramente se rever a questão em outros recursos que versem sobre a mesma matéria - aos quais em princípio se aplicaria a solução anteriormente estabelecida, nos termos dos arts. 323, § 1º, e 327, § 1º, do Regimento Interno).

A terceira pergunta que se põe concerne à constitucionalidade do processamento eletrônico. É legítima uma deliberação colegiada sem o debate entre os integrantes do órgão - e sem o debate entre esses e os advogados das partes - em uma sessão? Ponderando-se os valores contrapostos (razoabilidade e celeridade do procedimento versus plenitude do contraditório, compreendido inclusive como dever de debate do juiz com as partes), a resposta é positiva, desde que se confira plena publicidade a cada passo do processamento eletrônico. Assim que emitida a manifestação do relator, haverá de constar a informação desse fato no relatório eletrônico do andamento do recurso, bem como deverá estar disponível cópia do pronunciamento. Depois, cada uma das manifestações enviadas pelos outros ministros haverá de ser igualmente informada, disponibilizando-se seu inteiro teor. Em outras palavras, o processamento eletrônico do incidente relativo à aferição da repercussão geral não pode absolutamente significar processamento secreto. Se isso ocorrer, tal procedimento será inconstitucional - não por desenvolver-se eletronicamente, mas por carecer de publicidade (CF, art. 93, IX).

A ausência do debate entre os ministros em uma sessão impede, é bem verdade, que os advogados das partes promovam sustentação oral sobre a questão. Mas isso não eiva de inconstitucionalidade o sistema ora examinado, pois não há imposição constitucional de que em todo e qualquer caso caiba sustentação oral perante os tribunais. Há vários recursos e medidas processuais em cujo julgamento não se permite sustentação. Por outro lado, nada impede que sejam distribuídos memoriais sobre o tema aos ministros ou que sejam levantadas por escrito questões de ordem ainda no curso do prazo de vinte dias. O fundamental - reitere-se - é garantir-se a publicidade plena do incidente em exame.

A publicidade ampla de cada passo do procedimento de aferição da repercussão geral é relevante inclusive para viabilizar a manifestação de terceiros, prevista na lei (CPC, art. 543-A, § 6º, acrescido pela Lei n°. 11.418/2006) e ora reiterada no Regimento Interno (art. 323, § 2º).

Uma última questão: seria viável estender o método eletrônico de deliberação colegiada para a generalidade dos julgamentos dos tribunais ? A resposta é negativa. A presunção de existência da repercussão geral nas questões constitucionais é a peculiaridade que legitima dois dos mecanismos empregados no sistema ora examinado: imposição de preclusão temporal aos julgadores, eventual estabelecimento de um juízo positivo não fundamentado de presença do requisito. Tal peculiaridade, ou outra análoga, não está presente na generalidade dos casos - o que já inviabiliza a emprego de mecanismo idêntico ao instituído pela Emenda Regimental 21. Além disso, a generalização da deliberação colegiada eletrônica eliminaria o efetivo debate entre os julgadores e entre esses e os advogados das partes. Suprimir-se-ia a oralidade nos julgamentos dos tribunais, único terreno em que ela efetivamente vigora no processo civil brasileiro.

No caso específico da aferição da repercussão geral, abolir a deliberação em sessão do colegiado era um imperativo de razoabilidade: seria contrário à bom senso que um pressuposto constitucionalmente estabelecido para filtrar os recursos extraordinários desse ensejo a um procedimento ainda mais complexo e moroso para tais recursos (com a questão tendo de deslocar-se da Turma para o Plenário). Isso - e apenas isso - justifica, no cotejo entre valores fundamentais, a redução do contraditório (compreendido em sua plenitude, de debate não apenas entre as partes mas também entre o órgão jurisdicional e as partes) - que é uma inegável conseqüência da deliberação eletrônica. Mas idêntica justificativa não está presente na generalidade dos casos.

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Fonte: Informativo Justen (clique aqui)
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*Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados


 

 

 

 

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