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Breves notas sobre custos e despesas na arbitragem interna

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Atualizado às 09:19

Texto de autoria de Thiago Marinho Nunes e Mariana Gofferjé Pereira

Este breve ensaio traça algumas linhas do que os autores produziram recentemente em estudo em homenagem ao professor Cláudio Finkelstein, intitulado "Custos e Despesas na Arbitragem Doméstica e Internacional"1.

A disciplina legal acerca das custas e despesas no procedimento arbitral encontra-se no art. 27 da Lei de Arbitragem ("LArb"), que possui a seguinte redação: "Artigo 27. A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver".

É de fácil percepção que o dispositivo acima transcrito não impõe quaisquer restrições à autonomia privada das partes em se tratando de alocação das custas e despesas com a arbitragem. Nesse sentido, a parte final do art. 27 da LArb, enaltece a prerrogativa das partes de pôr em prática sua vontade, seja para dividir o ônus de arcar com o custo do procedimento, ou para impô-lo totalmente ao vencido, ou, ainda, para dispor segundo o seu próprio entendimento. Na ausência de comando expresso das partes, fica a decisão a cargo do tribunal arbitral quando da prolação da sentença, devendo observar eventual regulamento de arbitragem aplicável2.

A despeito de a norma legal ser derrogável pelas partes, o comando do art. 27 é no sentido de que a decisão sobre a alocação de custas e despesas no momento da prolação da sentença arbitral consiste em um dever, de modo que o tribunal arbitral possui a obrigação de proferir decisão a esse respeito3. As partes têm, por consequência, direito a obtenção de uma decisão relativa à responsabilidade pelo pagamento de custos e despesas, ainda que não tenham se manifestado a esse respeito durante o procedimento4, salvo se pactuado de modo diverso.

Quanto à definição de custos e despesas com a arbitragem, nos parece mais adequado utilizar o critério da centralidade como o que, em tese, o que melhor define o que integra a jurisdição do tribunal arbitral. Segundo tal critério, os custos e despesas com a arbitragem são os gastos indispensáveis, relativos à administração do procedimento. Possuem conexão de ordem primária, por exemplo: honorários dos árbitros, despesas de viagem dos árbitros e do secretário do tribunal arbitral, se o caso, honorários de eventuais peritos apontados pelo tribunal arbitral, despesas com a realização de audiências, incluindo custos de serviços de estenotipia, intérpretes, etc., e, finalmente, custos administrativos da instituição administradora do procedimento. Assim, o tribunal arbitral possui discricionariedade para, ainda quando ausente qualquer pedido expresso nesse sentido, alocar tais expensas, caso assim entenda.

Nesse contexto, podem surgir dúvidas quanto a possibilidade de reembolso dos honorários contratuais, que são pactuados exclusivamente entre a parte e seu patrono, sem qualquer ingerência ou interferência da contraparte. A questão é de grande relevância, uma vez que o gasto com representação legal na arbitragem pode muitas vezes ser expressivo, podendo em alguns casos ultrapassar largamente o custo com o procedimento5.

A problemática advém do fato de que, ainda que se possa argumentar que os honorários contratuais constituem expensas de conexão primária com o procedimento arbitral, a LArb não se refere expressamente aos honorários advocatícios de sucumbência e confere às partes ampla discricionariedade para escolher, se desejarem, quem as representará no procedimento arbitral (art. 21, §3o da LArb). Diferentemente do que ocorre no processo judicial, no qual presença do advogado é legalmente exigida6, na arbitragem não necessariamente o instrumento de mandato - se houver - virá acompanhado da prestação de serviços de advocacia. De mais a mais, o valor das expensas a título de honorários advocatícios contratuais dependerá de quem será o profissional contratado.

É certo que as custas e despesas constituem um elemento material da sentença e assim sendo, a questão pode ou não ser controvertida. Caso as partes reclamem o reembolso de honorários advocatícios, concordando ou não quanto ao reembolso dos honorários contratuais, o tribunal arbitral automaticamente possuirá jurisdição sobre a questão controvertida, pois haverá pedido específico nesse sentido - ainda que unilateralmente.

A dúvida reside no momento em que as partes não tenham formulado esse pedido na convenção de arbitragem, no termo de arbitragem e nem durante o procedimento. Seria possível afirmar que a contratação do advogado representa custo e/ou despesa com a arbitragem e que, consequentemente, a retribuição pecuniária do procurador está entre os valores que podem ser objeto de reembolso pelos árbitros7?

Quando a lei processual, o regulamento de arbitragem aplicável8 ou as partes não dispõem expressamente quanto aos honorários contratuais, entende-se que tal gasto integra, ao lado das despesas com pareceristas, peritos, etc., por elas nomeados, o custo das partes. Na realidade, praticamente todas os gastos próprios de cada parte estão abarcados nessa categoria. Por esse motivo, não sendo os honorários advocatícios caracterizados como custas e despesas com a arbitragem, não há que se falar em reembolso automático dos honorários contratuais pactuados ex parte9.

A mesma lógica se aplica aos honorários de assistentes técnicos e pareceristas. De fato, grande parte das vezes se trata de gasto razoavelmente incorrido, que encontra fundamento do direito fundamental da parte de defesa. Nada obstante, ainda que seja adequado no caso concreto o ressarcimento, a categoria não se encaixa na regra prevista no art. 27 da LArb ("custas e despesas com a arbitragem"). Logo, não havendo pedido expresso nesse sentido, em tese, não caberia aos árbitros condenar as partes ao reembolso de tais verbas10-11.

Daí a importância de as partes se preocuparem com alocação de custas e despesas com a arbitragem já no início da relação contratual. O ideal é que esteja previsto na convenção de arbitragem o que será objeto de ressarcimento e em que medida ocorrerá quando da prolação da sentença arbitral. Veja-se que a ideia não é esgotar o assunto na redação da convenção, mas fornecer ao tribunal arbitral um ponto de partida, dotando-o ao menos das linhas mestras para a decisão sobre custas e despesas.

Em todo caso, o tribunal arbitral deve invariavelmente ser diligente para solicitar esclarecimentos às partes sobre as suas expectativas, de modo a evitar surpresas desagradáveis. Caso a alocação dos custos e despesas processuais não tenham sido objeto de debate, ou a menos de pedido expresso das partes, é prudente que o tribunal arbitral as convide a se manifestar - ainda que isso não seja necessário, em razão da norma diretiva do art. 27 da LArb.

Por fim, a sentença arbitral também deve dispor, "se for o caso", sobre "verba decorrente de litigância de má-fé". O legislador houve por bem explicitar que o tribunal arbitral possui o poder de condenar a parte litigante de má-fé ao pagamento de multa a esse título, se assim julgar adequado, sempre por meio da sentença arbitral final. Nesse sentido, correta é a lição de Carlos Alberto Carmona ao defender que a penalidade "comporta aplicação oficiosa"12, isto é, os árbitros podem mesmo diante da ausência de pedido específico das partes, impor a condenação a esse título. Cumpre salientar que tal pecúnia não se confunde com as custas e despesas com a arbitragem, pois eventual dano processual não se relaciona com a derrota ou o sucesso no mérito do procedimento arbitral13.

Mariana Gofferjé Pereira é graduanda em Direito pela PUC/SP. Assistente jurídica em Trindade Sociedade de Advogados.

__________

1 NUNES, Thiago Marinho e PEREIRA, Mariana Gofferjé. Custos e Despesas na Arbitragem Doméstica e Internacional. Direito Internacional e Arbitragem - Estudos em Homenagem ao Prof. Cláudio Finkelstein (coord. CASADO FILHO, Napoleão, QUINTÃO, Luísa e SIMÃO, Camila). São Paulo: Quatier Latin, 2019, pp. 539-552

2 Nesse sentido v. FICHTNER, José Antônio. MAHNHEIMER, Sérgio Nelson. MONTEIRO, André Luís. A Distribuição do Custo no Processo Arbitral. In: LEMES, Selma et. al. (eds.). Arbitragem: temas contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 270).

3 Como pondera Gary Born, nos casos de omissão da lei processual aplicável, há presunção de autoridade do árbitro para alocar custas: "This [American, French and Swiss] pratice reflects a general principle that, absent contrary indication in the parties' agreement, internacional arbitrators should be presumed to have authority to make and award on the costs of legal representation as part of their overall remedial powers". (BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. 2. ed. The Hague: Kluwer Law International, 2014, pp. 3089 e 3095).

4 Paralelamente, no que concerne o processo judicial, vige o mesmo entendimento quanto a expressão "a sentença condenará o vencido", presente na legislação processual desde a edição do Código de Processo Civil de 1939. O Enunciado no 256 da Súmula do Supremo Tribunal Federal pacificou àquela época a dispensa de pedido expresso das partes para condenação em honorários. O legislador manteve a mesma premissa ao longo do tempo, tanto no CPC/73, quanto no CPC/15, tornando-a enfim explícita no regramento vigente. Cf. FICHTNER, José Antônio. MAHNHEIMER, Sérgio Nelson. MONTEIRO, André Luís. A Distribuição do Custo no Processo Arbitral. In: LEMES, Selma et. al. (eds.). Arbitragem: temas contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 249, nota de rodapé 46.

5 Uma pesquisa conduzida pelo Chartered Institute of Arbitrators (CIArb) em 2011 concluiu que cerca de 74% dos custos incorridos pelas partes era com serviços advocatícios (CIArb Costs of International Arbitration Survey. 2011. Acesso 6 de maio de 2019).

6 Cf. art. 1o, I do Estatuto da OAB.

7 A colocação de Ricardo de Carvalho Aprigliano quanto aos pedidos de ressarcimento formulados pelas é pertinente. O autor difere o pedido principal de reparação por um direito lesionado, do pedido de reembolso dos honorários contratuais dispendidos com a representação da parte solicitante, e conclui que "(.) como tudo o mais que permeia o processo arbitral, a decisão de pleitear tal reparação integral integra a esfera de autonomia das partes, não se podendo presumir que ao pedido principal deva ser agregado um pleito de ressarcimento das despesas com a contratação de advogados se não houver formulação de pedido específico" (APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Alocação de Custas e Despesas e a Condenação em Honorários Sucumbenciais em Arbitragem. In: CARMONA, Carlos Alberto et. al. (eds.). 20 anos da Lei de Arbitragem: homenagem à Petrônio R. Muniz. São Paulo: Atlas, 2016, p. 685). Mais além, Aprigliano observa que alguns dos artigos do Código Civil (Lei no 10.406/2002) preveem expressamente que são devidos honorários de advogado (e.g. arts. 389, 395 e 404, do Código Civil). Nesses casos especificamente, a lei material encarrega-se de assegurar o reembolso dos gastos com a representação.

8 Referem-se expressamente aos honorários advocatícios art. 10.4.1, do Regulamento de Arbitragem da CAM-CCBC; art. 15.6, do Regulamento de Arbitragem da CAM-CIESP/FIESP; e art. 38(1), do Regulamento de Arbitragem da CCI. O Regulamento de Arbitragem da CAMARB é omisso.

9 Em sentido contrário v. BERALDO, Leonardo de Faria, Curso de Arbitragem: nos termos da Lei no 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2014, pp. 344-345. para quem a expressão do art. 27, da LArb abrange "(...) gastos com assistentes técnicos das partes, claro, ficam por conta de cada uma das partes e podem ser objeto de restituição ao final do processo. (...) os gastos com advogado estão, sem dúvida, dentro do conceito de 'custas e despesas com a arbitragem'".

10 Em sentido contrário, ver a lição de José Antônio Fichtner, Sérgio Nelson Mahnheimer e André Luís Monteiro Na sua visão dos referidos autores, a negativa do ressarcimento "(...) violaria o princípio maior de que o processo não deve ser fonte de prejuízo a quem tem razão e inibiria o litigante que sabe que está de acordo com a lei de utilizar todos os meios de defesa" (FICHTNER, José Antônio. MAHNHEIMER, Sérgio Nelson. MONTEIRO, André Luís. A Distribuição do Custo no Processo Arbitral. In: LEMES, Selma et. al. (eds.). Arbitragem: temas contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 274).

11 De todo modo, mister observar que não se trata de opor diretamente a quaisquer das partes os contratos celebrados com os advogados e experts da contraparte. Em verdade, o tribunal arbitral deve levá-los em conta como parâmetro e assim determinar o montante a ser ressarcido conforme o critério de alocação de custas e despesas adotado pelo tribunal arbitral, com base o princípio da relatividade dos contratos. Nesse sentido cf. FICHTNER, José Antônio. MAHNHEIMER, Sérgio Nelson. MONTEIRO, André Luís. A Distribuição do Custo no Processo Arbitral. In: LEMES, Selma et. al. (eds.). Arbitragem: temas contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 276.

12 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à lei 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 375. Também se posicionam nesse sentido FICHTNER, José Antônio. MAHNHEIMER, Sérgio Nelson. MONTEIRO, André Luís. A Distribuição do Custo no Processo Arbitral. In: LEMES, Selma et. al. (eds.). Arbitragem: temas contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 270, pp. 280-281; e MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 292.

13 FICHTNER, José Antônio. MAHNHEIMER, Sérgio Nelson. MONTEIRO, André Luís. A Distribuição do Custo no Processo Arbitral. In: LEMES, Selma et. al. (eds.). Arbitragem: temas contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 281.