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Lusografia

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Atualizado às 07:03

 

"Foi com grande satisfação que ouvi (em Portugal) um Professor, o Doutor Pedro Pimenta da Costa Gonçalves, fazer referência ao informativo e questionar aos colegas se já o conheciam. Aos que ainda não, ele recomendou com elogios. Fica constatado, então, que nosso estimado Migalhas tem reconhecimento internacional".

Patrícia Muller, in Migalhas, 11.2.2008

Amigo meu esteve em Portugal, onde teria feito um curso de pós-graduação em algum desses ramos que a cada dia a árvore jurídica vai lançando ao ar, daninhamente, para espanto dos mais velhos, que mal conhecemos o Direito Civil e o Penal, vai ver era algo relativo a um tal Direito Comunitário, que, para os brasileiros, é grego, pá. Pois não é o Cunha Gonçalves quem nos diz em sua monumental obra sobre o Direito Civil que durante o dia o condutor do auto deve acionar a klaxon, em sinal de advertência, coisa que se não usará à noite, sendo então substituída pelas luzes do farol, "mais silencioso" ? Está no volume XIII.

E ele voltou de lá encantado : conseguiu entender quase tudo o que diziam os nativos. Mesmo descontando o sotaque deles, ressalvou o aldrabão.

"Quase tudo", esclareceu ele, até porque mesmo no nosso Brasil não escapamos de alguma gozação, dadas as esquisitices de quem não é paulista, como a que passou meu querido Luiz Floriano que, nascido na capital paulista e indo tentar a vida em Porto Alegre, onde, por sinal, se deu tão bem que não quer saber de São Paulo nem em fotografia, no que faz muito bem, saudade dos congestionamentos, das filas e do ar poluído só sendo louco da cabeça, como diz enfaticamente nossa faxineira, que suspira de saudade de sua distante Quixadá. Pois o tal paulistano caiu na besteira de dizer que havia comprado umas mexericas quando seu veículo parara diante de um farol. "Estavas a dirigir auto ou barco, paulista ?" A partir dali, passou a ser chamado de "o homem das mexericas", nome mais absurdo para aquilo que todo gaúcho sabe que se chama bergamota. E quando foi levado a um bolicho, procurou que procurou as pistas e as bolas para mostrar sua habilidade naquele jogo, mas teve de contentar-se mesmo foi com um copo de uma gasosa qualquer que lhe serviram. Isso para não falar da corrida que teve de dar quando, sendo convidado para jantar na casa do Cleanto, o gaúcho recomendou ao irmão : dê-lhe um naco de manta e depois mate.

Logo ao chegar à cidade de Coimbra, o tal amigo foi levado a um barzinho muito simpático, pois lá eles nem imaginam o que seja um bolicho, tchê, que, segundo lhe disseram, era freqüentado por paneleiros. Ele achou incrível que os fabricantes de panelas se organizassem tanto assim, não bastava o sindicato dos panificadores ? Verdade que eles tinham um jeito afeminado, mas isso ele levou à conta de seu preconceito, pois isso de GLT (sigla inventada por ele para gays, lésbicas e tolerantes) não é com ele. Um dos tais lusitanos, por sinal, pediu ao garçom que lhe trouxesse um cacete, o que meu machíssimo amigo considerou um desrespeito inqualificável aos homens presentes. Ali ? No meio daquela gente toda ? Ainda bem que o garçom se fez de desentendido e lhe trouxe apenas uma bengala, como se diz com toda lógica em São Paulo e que todos no Brasil sabem que não é aquele instrumento que usam os cegos e os velhinhos, como uma terceira perna, para se guiarem ou se apoiarem, mas as que são feitas de farinha de trigo pelo padeiro, pá.

Aliás, um dos rapazes, que estava muito resfriado, disse aos demais que iria até a farmácia, atrás de uma pica. Meu amigo engasgou com o queijo da Serra da Estrela, que comia com tanto gosto, ao som de um legítimo Porto branco. Gente mais desinibida esses patrícios, sô. Imagine só alguém dizendo isso do bar do Américo, lá em Varginha. Tomava era um chute nos fundos que não se assentava por uma semana.

Um dos amigos do rapaz até que se dispôs a acompanhá-lo até a drogaria, mas, ao levantar-se da mesa, quase caiu, de tão tonto que estava. "Estás enfrascado", disse-lhe um dos presentes, que aproveitou para mandar andar uns putos que por ali faziam um alvoroço danado, a mangar do tal gajo. O enfrascado esparramou-se na cadeira e dentro em pouco roncava que só um capado. Diríamos até, levianamente, que parecia estar bêbado.

Pior foi quando um dos desavergonhados disse a outro que viria no dia seguinte vestindo camisola. E da seleção brasileira ! Só para provocar ainda mais o brasileiro, certamente. Talvez o lusitano soubesse ser ele torcedor do São Paulo, cujo mascote, como se diz até no Além-Tejo, é o Bambi. E calçando botas, tais como as carmesins que o Ronaldo, falo do Cristiano, usa quando faz seus golos pela seleção. Botas ? Mas aqui o Ronaldo pratica o futebol ou o rodeio ?

Pois agora tudo estará resolvido, graças ao tal acordo ortográfico que se está a gestar tempo faz e que ameaça botar a cabeça de fora. Agora, um acontecimento, tanto cá como lá, será um fato, tal como o terno de roupa, que no Brasil ainda se chama terno, mesmo não mais havendo a terceira peça de roupa, o colete, e que lá é fato, e não mais facto, coisa mais confusa. O fato é que não mais teremos facto, o que é um progresso vestimental.

Com a eliminação do trema, tanto lá como cá, nossas ações terão consequência e não mais conseqüência. Dizer aos brasileiros que o ue e o ui às vezes se pronuncia e e i mas outras vezes se deve pronunciar ue e ui não será coisa das mais difíceis, sabendo-se dos avanços que temos tido em nosso programa de desanalfabetização, graças, principalmente, aos ingentes esforços e sacrifícios feitos pelo nosso Ministro da Cultura, nos dias que se dispõe a vir ao Brasil.

Também agora, se os portugueses quiserem adoptar um puto, de preferência brasileiro, que levarão para vender pacotinho de balas junto às sinaleiras de tráfego lisboetas, ou exibir sua destreza com malabares na praça fronteira aos Jerônimos, não mais poderão fazê-lo. Terão mesmo é de, como os brasileiros, adotar a tal criança, sem pe mas com cabeça e tudo. Os que leem e veem sabem disso tudo, sem necessidade de consultar as novas regras nem por chapéu.

Já nas assembleias deveremos ficar de pé, pois ali não mais haverá acento, o que é uma boa ideia, que esta de acento também não mais haverá de ter mister, coisa que se não haverá de confundir com o tratamento dispensado a cavalheiros ingleses, meu caríssimo senhor. Os que não creem nisso nem imaginam que agora seu voo será sem o quepe. Preparem-se para o vento nas madeixas.

E tudo isso nem nome da simplificação, pá.