COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Conversa Constitucional >
  4. Conversa Constitucional nº 13

Conversa Constitucional nº 13

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Atualizado às 07:55

Opinião: Barbárie prisional e os "danos constitucionais"

Com um exemplar da Constituição Federal nas mãos, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, fez, na última sexta-feira, uma "visita surpresa" a cadeias do Rio Grande do Norte. Em Mossoró, visitou um presídio Federal. Tudo em ordem. Já no presídio feminino de Parnamirim, disse faltar "condições mínimas de execução da pena". Viver a verdade é uma experiência mais intensa do que simplesmente conhecê-la. Todavia, há mais desafios à presidente. Não tão longe dali, em Pernambuco, no bairro do Sancho, na Zona Oeste do Recife, há o "complexo do Curado", maior unidade carcerária do país, com mais de 7.000 detentos onde deveriam estar menos de 1.800. Foi de lá que partiram os vídeos gravados por celulares de prisioneiros reproduzidos recentemente pelo Fantástico. Neles, presos travavam lutas sangrentas. É o "MMA das cadeias". A regra, segundo eles mesmos, é lutar "até o último suspiro, até a enfermaria". As imagens mostram uma multidão de encarcerados vibrando, em êxtase, a pulsão sádica de uma violência sem limites. Enquanto os prisioneiros se atracam no chão, as apostas são feitas. Presos endinheirados patrocinam os lutadores. Há também a briga de facões. Se, no murro e no chute, o resultado é a barbárie, imagina com facões. Essa espécie de Clube da Luta da vida real expõe a miséria humana cuja dignidade restou degradada. É a selvageria do nosso tempo. Os poucos agentes penitenciários que lá estão não interferem. Não são loucos. Os "chaveiros" - que são prisioneiros - ficam com as chaves dos pavilhões. Ao lado do complexo do Curado, há residências, escolas e comércios. Em junho, a cadeia recebeu a inspeção da comitiva da Organização dos Estados Americanos (OEA), formada por juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Corte já havia requerido que o Brasil tomasse medidas para garantir a integridade física dos presos. Segundo uma das denúncias, um detento homossexual recebeu como "sanção" de outros presos passar por estupro coletivo numa cela de isolamento com mais de 30 detentos. Com o estupro, contraiu HIV. Não sei se o inferno é real. Mas, se ele existir, não pode ser pior do que o complexo do Curado. A jurisprudência do Supremo, responsabilizando o Estado pelo colapso dos presídios, teve seu ápice com a emblemática ADPF 347, por meio da qual se reconheceu o "estado de coisas inconstitucional". Não tardará ao Tribunal começar a receber pedidos de condenação em "danos constitucionais" (constitutional damages). Na África do Sul, a Corte Constitucional tratou pela primeira vez do assunto no caso Foe (1997 3 SA 786). Apesar de não tê-lo aplicado, definiu-se que, quando a violação a direitos humanos passa a assumir a forma de delito persistente, a concessão de altos valores como dano constitucional em acréscimo ao dano tradicional (moral e material) assume o papel de punitive damages, cuja pretensão é dar exemplo a quem, insistentemente, viola direitos: nesse caso, o Estado. Danos constitucionais vindicam o próprio direito fundamental violado, visando a deter e prevenir infrações futuras pelos órgãos estatais. São controvertidos em sua essência e sua aplicabilidade no Brasil também. Contudo, do jeito que a coisa vai, pode ser algo que a presidente do Supremo, com a Constituição nas mãos, será chamada, ao lado dos seus pares, a considerar. Não deve demorar.

Descriminalização dos jogos de azar

Não é incomum, no Brasil, temas submetidos ao debate legislativo terminarem sendo definidos pelo Supremo. Os jogos de azar e sua capitulação como contravenção penal é a bola da vez. No Congresso Nacional, tramita o projeto de lei 186/2014, de autoria do senador Ciro Nogueira, dispondo sobre a exploração de jogos de azar e definindo as infrações administrativas e os crimes em decorrência da violação das regras concernentes à sua exploração. Mesmo assim, o STF já tem votos suficientes reconhecendo a repercussão geral do tema 924 trazido pelo RE 966.177/RS (min. Luiz Fux), cujo debate toca à recepção, ou não, pela Constituição, do art. 50 do decreto-lei 3.688/1941, reintroduzido pelo decreto-lei 9.215/46, que prevê a contravenção penal do jogo de azar. Uma eventual não-recepção pode implicar na opção estatal, no plano administrativo, de não tornar legal a atividade, sem que tal opção, contudo, alcance a esfera penal. A recepção de dispositivos da Lei de Contravenções Penais foi analisada no RE 583.523/RS (min. Gilmar Mendes), descriminalizando a posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto (artigo 25 do decreto-lei 3.688/1941). Também no reconhecimento do tema 857 da repercussão geral com o RE 901.623/SP (min. Edson Fachin) sobre o uso de "arma branca". Essa tendência da Corte em descriminalizar condutas, também foi sentida no julgamento do RE 635.659/SP (min. Gilmar Mendes), aferindo a constitucionalidade art. 28 da lei 11.343/2006 que trata, dentre outras coisas, do uso pessoal de maconha. Seguindo essa tendência, não tardará para a Corte admitir discutir, como tema da repercussão geral, a descriminalização de quem opera as chamadas rádios irregulares. É o renascimento de uma espécie de jurisprudência das liberdades.

Inimigo da Corte

Tem sido lugar comum ouvir ministros do Supremo questionando o grau de lealdade de amici curiae que se apresentam perante o Tribunal. Não raramente usa-se expressões fortes como "inimigos da Corte". Essa semana, o ministro Marco Aurélio recusou três iniciativas de amigos da Corte. No RE 594.435/SP (Tema 149), indeferiu o ingresso. O caso trata do alcance do art. 114 da Constituição considerado conflito a envolver a complementação de proventos e de pensões, disciplinada por lei estadual, e a incidência da contribuição previdenciária. No RE 570.122/RS, o ministro entendeu não caber recurso contra o ato mediante o qual o relator decide sobre a admissibilidade, ou não, de amicus curiae. Por fim, no RE 566.622/RS, o ministro recusou a admissão ao Aeroclube do Rio Grande do Sul Escola Aeronáutica Civil. Não está sendo fácil.

Semana intensa para os tributaristas

A semana foi agitada quanto a teses tributárias no Supremo. Na terça-feira, o ministro Dias Toffoli recebeu, em audiência, procuradores da Fazenda Nacional para tratar das teses relativa à isenção de Cofins às sociedades civis de profissões regulamentadas (RREE 377457/PR e 381964/MG) e o caso sobre alargamento da base de cálculo e majoração da alíquota da COFINS pela MP 135/2003 convertida na lei 10.833/2003 (RE 570.122/RS). Dia seguinte, a procuradora do município de Belo Horizonte esteve com o ministro Roberto Barroso tratando do RE 603.136/RJ (Tema 300: ISS sobre os contratos de franquia). Nesse dia, o ministro Dias Toffoli recebeu colegas advogados tratando do referido RE 570.122/RS. Quinta-feira, o ministro Dias Toffoli recebeu representantes da Fiesp tratando do RE 946.648/SC, cuja tese 906 cuida do IPI na saída do estabelecimento importador de mercadoria para a revenda, no mercado interno, considerada a ausência de novo beneficiamento no campo industrial. Foi uma semana inteiramente dedicada a temas tributários na Corte.

Suspensão Nacional

O ministro Edson Fachin determinou a suspensão nacional de todos os casos que tratem do tema 160 da repercussão geral: "Contribuição previdenciária sobre pensões e proventos e militares inativos entre a EC 20/98 e a EC 41/2003". A medida se deu no RE 596.701/MG, liberado para inclusão em pauta desde 1º/12/2015.

Destaque da semana I

Semana intensa na Corte. No RE 570.122/RS, o min. Marco Aurélio, relator, entendeu que a tributação da Cofins pela MP 135/2003, convertida na lei 10.833/2003, não poderia ter sido introduzida por medida provisória, e enxergou violação ao princípio da isonomia. Em seguida, veio cinco votos contrários (ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Luiz Fux). O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Dias Toffoli, relator de outro recurso que trata do PIS de empresas prestadoras de serviço. Outro desfecho foi a suspensão, por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski, dos embargos opostos ao RE 400.479/RJ, sobre incidência de PIS/Cofins sobre a atividade das seguradoras. Os embargos são contra acórdão que confirmou decisão do relator, ministro Cezar Peluso (aposentado), no sentido do provimento parcial ao recurso somente para excluir da base de incidência do PIS/Cofins receita estranha ao faturamento da seguradora. O ministro Marco Aurélio, em voto-vista, acolheu os embargos. Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski pediu vista por ter, sob sua relatoria, o RE 609.096/RS, com repercussão geral, que trata da incidência do PIS/Cofins sobre receitas financeiras das instituições bancárias. Por fim, a Corte recusou os embargos de declaração que pretendiam modular os efeitos da decisão que, numa linha contrária ao que dispunha súmula do STJ, revogou a isenção de COFINS concedida às sociedades civis de profissão regulamentada. Os embargos, opostos aos RREE 377457/PR e 381964/MG (min. Rosa Weber), traziam uma interessante discussão relativa ao quórum necessário à modulação em caso de mudança de jurisprudência. Todavia, a rejeição pura e simples dos embargos prejudicou essa discussão.

Destaque da semana II

Nessa intensa semana, o STF fixou ainda duas teses tributárias com repercussão geral. No RE 838.284/SC (min. Dias Toffoli), a tese foi: "Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita o ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos". O pedido de modulação foi rejeitado. A segunda foi firmada no RE 704.292/PR (min. Dias Toffoli): "É inconstitucional, por ofensa ao princípio da legalidade tributária, lei que delega aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a competência de fixar ou majorar, sem parâmetro legal, o valor das contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas, usualmente cobradas sob o título de anuidades, vedada, ademais, a atualização desse valor pelos conselhos em percentual superior aos índices legalmente previstos". Também foi indeferido o pedido de modulação.

Tá na pauta: quarta-feira

Volta a julgamento na próxima quarta-feira (26/10), com o voto-vista do ministro Ricardo Lewandowski, os recursos relativos à aposentadoria pelo regime geral da previdência social e o retorno à atividade pelo mesmo regime. Também quanto à renúncia ao benefício previdenciário e a concessão de nova aposentadoria sem a devolução dos valores recebidos. A primeira discussão consta do RE 381.367/RS (min. Marco Aurélio), que conta com o voto do relator dando provimento ao recurso e dos ministros Dias Toffoli e Teori Zavascki negando. O segundo, apreciado em conjunto, é o RE 661256/DF (min. Roberto Barroso), cujo relator deu provimento integral tendo sido acompanhado pelos ministros Teori Zavascki e Dias Toffoli. Há, por fim, o RE 827.833/SC (min. Roberto Barroso), sobre renúncia à benefício, nova aposentadoria, aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade urbana (art. 18, § 2º, da lei 8213/91). Na sequência, vem a ADI 2545/DF (min. Cármen Lúcia) sobre o FIES e a obrigação de aplicação do equivalente à contribuição de que trata o art. 22 da lei 8.212/91 na concessão de bolsas de estudo. Também se discute a imunidade tributária e o alcance e exigência de lei complementar. Por fim, as condições para resgate antecipado junto ao Tesouro Nacional.

Tá na pauta: quinta-feira

Dia 27/10, está na pauta a ADI 5062/DF (min. Luiz Fux), submetendo o ECAD à fiscalização do Ministério da Cultura. Mantendo a lei atacada em vigor e abrindo espaço à transparência já votaram seis ministros (Luiz Fux, Edson Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia). O caso retorna com a vista do ministro Marco Aurélio. A ADI 5065/DF será apreciada conjuntamente. No mesmo dia, uma questão de ordem interessante será apresentada pelo ministro Roberto Barroso no RE 584.247/RR, relativa à necessidade de temas anteriormente reputados com repercussão geral possam, agora, passar por uma nova análise pelo pleno da Corte e, eventualmente, terem cassado esse reconhecimento da repercussão geral. Por fim, o RE 693.456/RJ (min. Dias Toffoli), sobre saber se é válido o desconto em folha de pagamento de servidores públicos dos dias não trabalhados pela adesão ao movimento grevista. O caso volta com o voto-vista do ministro Roberto Barroso, após o relator ter conhecido parcialmente do recurso e, nessa parte, ter dado provimento e o ministro Edson Fachin também ter conhecido parcialmente, mas para negar-lhe provimento.

Global Constitutionalism

Enquanto o Brasil segue debruçado, depois do estrago feito, sobre se o certo é controlar as contas públicas ou tocar-lhes fogo, a Venezuela já matou essa questão. Literalmente. A Suprema Corte do país permitiu que o presidente Nicolás Maduro implemente o orçamento nacional de 2017 sem se submeter ao Congresso, como determina a Constituição. Isso porque, na Assembleia Nacional, o presidente encontraria oposição. Preferiu fazer sem ela. Numa heterodoxia hermenêutica, a Suprema Corte determinou que o presidente submeta a proposta orçamentária à ela, Corte, e não ao Congresso. Um dos fundamentos para a peripécia foi o de garantir "a ordem constitucional". A proposta orçamentária de Maduro viola a Lei Anual de Endividamento e, mesmo assim, entrará em vigor. Se, antes, faltava o que comer, imagina agora.

Evento

Como as novas tecnologias influenciam o Direito Constitucional? Qual o impacto da Internet na Constituição Brasileira? O que se espera do Direito na era Digital? Para responder essas e outras perguntas, o XIX Congresso Internacional de Direito Constitucional do IDP contará, nesse ano, com a participação de renomados especialistas em Direito e Internet. Entre os palestrantes, Albie Sachs, ativista e ex-Juiz da Corte Constitucional da África do Sul, que lançará sua obra "Vida e Direito: Uma Estranha Alquimia". Os participantes terão acesso a 15 painéis, atividades paralelas, grupos de trabalho, trilhas temáticas, distribuídos nos três dias de evento (de 26 a 29.10). Inscrições aqui.

Obiter dictum

Julgando a ADI 3745, que atacava lei do estado de Goiás que estipulava uma cota para nepotismo, permitindo-se empregar o cônjuge e mais dois parentes, o ministro Dias Toffoli, sem se aguentar, declarou sua inconstitucionalidade, já aos risos. Foi quando o ministro Marco Aurélio perguntou: "Vossa Excelência não propõe a modulação não, né?". A pergunta deu a deixa para a ministra Cármen Lúcia emendar: "Modulação nos efeitos ou no número de parentes?". Até o então presidente, Joaquim Barbosa, explodiu em gargalhada.