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A estabilidade da tutela antecipada antecedente possui força probatória?

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Atualizado em 24 de novembro de 2016 13:17

Renê Francisco Hellman1

A dúvida do título surgiu na aula da disciplina de Processo Civil IV, no 6º período do curso de Direito da FATEB - Faculdade de Telêmaco Borba e foi formulada pela brilhante acadêmica Natália Mendes Pesch.

Na aula estávamos abordando os principais aspectos relativos às tutelas provisórias e, quando da explicação a respeito das consequências da não interposição, pelo réu, do recurso de agravo de instrumento diante de uma decisão que tenha concedido a tutela antecipada formulada em caráter antecedente, a acadêmica questionou se isso resultaria, de certa maneira, na confissão ficta que pudesse levar a eventual responsabilização do réu.

Abordávamos um exemplo bastante básico de tutela antecipada requerida em caráter antecedente: o autor formula o pedido em face de uma empresa de plano de saúde, a fim de que ela fosse obrigada a autorizar a realização de um determinado procedimento cirúrgico do qual dependia a vida do autor. No exemplo, o juiz deferiu o pedido e determinou a realização da cirurgia. O plano de saúde, diante disso, cumpriu a decisão e não interpôs recurso.

A partir disso, como é sabido, por força do artigo 304 do Código de Processo Civil, a tutela torna-se estável, do que decorre a extinção do processo, nos termos do §1º.

No entanto, com base no §2º do referido artigo, qualquer das partes pode demandar contra a outra para rediscutir sobre a tutela que foi deferida, no prazo de 2 anos. Passado esse prazo, decai o direito das partes de discutirem sobre a tutela antecipada que foi deferida em caráter antecedente e disso decorre o que Roberto Campos Gouvêa, Eduardo José da Fonseca Costa e Ravi Peixoto denominaram de "imutabilidade das eficácias antecipadas"2.

Não obstante a decadência do direito de discutir a questão objetiva relativa à tutela antecipada que foi deferida em caráter antecedente e cujas eficácias tornaram-se imutáveis, sabe-se que é possível a propositura de ação que discuta outras questões relativas àquela situação. No exemplo trabalhado em sala de aula, mencionou-se a possibilidade de a parte autora propor nova demanda para obter a condenação do plano de saúde ao pagamento de indenização por danos morais, em decorrência da demora na liberação da cirurgia, o que só ocorreu por conta da tutela antecipada concedida em caráter antecedente pelo juiz.

E aí surgiram as questões: o fato de o plano de saúde não ter interposto o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que concedeu a tutela antecipada antecedente teria algum valor probatório para levar o magistrado, na ação indenizatória, a concluir pela sua responsabilidade civil? A não interposição do recurso de agravo de instrumento poderia ser considerada uma admissão ficta de que os fatos narrados pela parte contrária são verdadeiros?

A confissão, de acordo com o artigo 389/CPC, ocorre "quando a parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário". Além disso, a doutrina esclarece que a confissão é resultado probatório, ou seja, "é o que se extrai do emprego de um meio de prova (normalmente, o depoimento pessoal; mas pode ser também o interrogatório do art. 139, VIII, do CPC/2015, ou um documento na confissão extrajudicial etc.)"3.

A partir do contexto legal e doutrinário em que se insere a confissão, verifica-se que não é possível que se diga da sua ocorrência na hipótese de ter havido a estabilização - e depois a imutabilização - das eficácias antecipadas, uma vez que o réu não admitiu a veracidade dos fatos, mas apenas - e por algum motivo - deixou de recorrer da decisão.

É tentador que se faça uma relação entre a não interposição do agravo de instrumento na hipótese de concessão de uma tutela antecipada antecedente com a não apresentação da contestação em um procedimento "normal". A consequência desse último seria a revelia e uma das consequências da revelia poderia ser a confissão ficta, a depender da análise do caso concreto. Entretanto, parece excessivamente perigosa essa associação, principalmente porque se está a tratar de uma situação diferente, na tutela antecipada antecedente, que, sendo uma das modalidades de tutela provisória, é decorrência de cognição sumária.

Nessa fase do procedimento, como se sabe, não se exige que as partes discutam e nem que o juiz forme convicção exauriente a respeito do assunto que está sendo debatido para a concessão da tutela de urgência. Desse modo, estando o réu diante de uma situação assim, deve ter ele a segurança de que os efeitos dos seus atos ou não-atos processuais terão alcance apenas sobre aquela específica questão que é objeto do pedido de tutela de urgência, não alcançando questões que a circundam.

Resgatando o exemplo, então, se o plano de saúde deixa de recorrer de uma decisão interlocutória proferida em procedimento de tutela antecipada antecedente que determina a realização de uma cirurgia, o que está em jogo é apenas uma probabilidade do direito da parte autora de gozar daquele serviço e a urgência em que o serviço seja prestado. Se o que se discute é a probabilidade e a urgência, ainda que não haja recurso, não se pode falar em juízo exauriente de responsabilidade civil.

Desse modo, numa eventual futura ação em que se deseje a condenação do plano de saúde ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência da demora na liberação do procedimento cirúrgico, não se poderia dizer que a não interposição do recurso contra a decisão que concedeu a tutela de urgência tenha implicado em confissão ficta. Pode ter sido apenas uma estratégia processual. Assim como pode ter sido apenas uma opção do réu em cooperar no processo.

Afastada a ideia de que possa ser confissão, há que se enfrentar uma questão mais tormentosa e bem menos objetiva: a influência subjetiva da não interposição do recurso. Diz-se influência subjetiva porque a parte interessada e mesmo o julgador poderão construir argumentação baseada na premissa de que a inércia do réu significa, em algum sentido, admissão de sua responsabilidade e esse parece ser o maior risco e pode ser um poderoso argumento retórico, do tipo que é bastante comum em peças forenses e, por vezes, ganha maior corpo do que aqueles argumentos objetivos baseados em provas efetivamente produzidas.

Esse risco advém da autorização legal do artigo 375/CPC para que o juiz possa aplicar "regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece". A abertura interpretativa conferida pelo texto legal representa um perigo justamente porque permite a construção de conclusões baseadas em premissas fracas, sem suporte fático ou normativo, mas que podem ser taxadas como "máximas de experiência" que são de todo subjetivas.

E nesse sentido, invocam-se as lições de Lenio Luiz Streck4, para quem a manutenção, no novo CPC, de texto permitindo a utilização das regras de experiência é fator de enfraquecimento do papel da doutrina. E o é porque privilegia sobremaneira o papel do aplicador da lei, conferindo a ele poderes discricionários, já que, ainda que se diga ser possível aferir as regras de experiência objetivamente, por ser essa (regras de experiência) uma expressão "vazia de conteúdo", o que se tem é uma abertura para que os subjetivismos do julgador ganhem corpo e possam direcionar a decisão judicial até mesmo em oposição àquilo que objetivamente possa ter sido construído na instrução processual.

Enfim, o espaço é pequeno para que se faça uma análise mais aprofundada a respeito do tema, mas, de qualquer modo, percebe-se que é necessário fincar como marco limítrofe que a estabilização - e depois a imutabilização - das eficácias antecipadas não podem ser consideradas como formas de admissão, pelo réu, de que o autor tenha razão no seu pleito em eventual processo com cognição exauriente.

__________

1 Mestre em Ciência Jurídica pela UENP. Professor de Processo Civil e Diretor Pedagógico da FATEB - Faculdade de Telêmaco Borba. Advogado.

2 GOUVEA, Roberto Campos e outros. A estabilização e a imutabilidade das Eficácias Antecipadas. Acesso em 22/11/2016.

3 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2. 16ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 281.

4 STRECK, Lenio Luiz. O NCPC e as esdrúxulas "regras de experiência": verdades ontológicas?