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O Estado Unitário e o Estado Federativo

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Atualizado às 08:36

Daniel Barile da Silveira

Quando se pensa em modelos de Estado na teoria constitucional certamente a visão corrente remete à dualidade existente entre o paradigma do Estado Unitário e do Estado Federativo. Embora essas referências sejam designadas em termos de tipos-ideias de Estado (Max Weber), sendo possível, portanto, existirem modelos com predomínio de uma determinada estrutura com leve incidência da outra, estes dois padrões demarcam as escolhas mais basilares sobre as quais um povo deseja organizar-se.

Embora não seja o caso brasileiro atual, o Estado Unitário é mundialmente mais conhecido. Ele é caracterizado pela concentração de poder político na figura de uma autoridade central, a qual assume a agenda decisória do Estado e direciona os comandos desse núcleo convergente aos mais distantes espaços de penetração no território daquele país. Apesar de existirem graus de centralidade estatal, uma restrição peculiar de liberdade de ação para a periferia gerencia os fluxos decisórios nesse modelo, permitindo que a figura da autoridade central concentre e gerencie todas as unidades daquela estrutura governamental.

Nessa condição, no tocante ao poder político, é possível vislumbrar a existência de um centro de poder, concentrado, hígido, cujas ordens e deliberações desentranham de um sólido núcleo até atingir as mais recônditas porções territoriais. Aqui é possível identificar uma vontade política predominante, colocando em plano secundário as deliberações e desejos mais peculiares das coletividades menores (Comunas, Departamentos, Circunscrições, Distritos, Províncias, Condados, etc.), todos visceralmente dependentes daquele núcleo irradiador de decisões.

Como nos adverte George Jellinek, talvez nunca tenha existido um Estado puramente centralizado, nem mesmo na Antiguidade1. Isto porque imaginar uma estrutura em que o governante e o parlamentares decidem todos os assuntos públicos, por óbvio, os impediria de deliberar matérias relevantes. Ao mesmo tempo que ninguém é "cidadão total"2, nenhum agente político pratica a política na integralidade de sua existência. De tal maneira, em territórios mais extensos, é possível identificar um certo grau de descentralização na tomada de decisões, apto a permitir que o Estado não congestione suas deliberações no núcleo decisório. Assim, é possível perceber que o Estado engendra polos executórios de políticas, com certo grau de liberdade para atender as povoações proximamente localizadas, porém com pouca autonomia construtiva de políticas públicas, eis que eminentemente emanadas de seu polo central. Embora as ordens sejam do governante, existirá alguma margem de condução dos negócios públicos quanto mais distante for esta localidade da autoridade central instituída.

A maioria dos países no mundo é formada por Estados unitários, seja pela extensão territorial pequena, que não justifica uma separação de poderes interna mais complexa, seja pela necessidade de concentrar os poderes na figura do governante, por motivos históricos ou mesmo por uma ideologia autoafirmativa do chefe de Estado. Independentemente da razão, esta experiência constitutiva de Estados é própria da maioria dos países mundo afora. Dentre suas manifestações mais expressivas, Bélgica, França, Finlândia, Espanha, Dinamarca, Reino Unido, China, Irlanda, Itália, Grécia, Bolívia, Chile, Colômbia, Uruguai, Nova Zelândia, Japão são países unitários em sua formação, não obstante existam, dentre eles, gradações distintas de centralidade e autonomia decisória.

O Brasil não é fugidio desta lista. Durante nossa Primeira Constituição (1824), o arquétipo estatal era o unitário, sendo exercido soberanamente pela figura do Imperador. O artigo primeiro da Carta Política do Imperio do Brazil já anunciava: "O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia". O poder político central, exercido pela figura do Poder Moderador, constituiria "a chave de toda organisação Politica" (art. 98, C.1824), sendo ocupado exclusivamente pelo "Chefe Supremo da Nação", o Imperador.

Com a República proclamada (1889), o Estado Federal surge. Aqui a descentralização de poder assume o discurso jurídico e a estrutura estatal emerge a partir deste desenho institucional. O Estado como um todo é repartido em pequenas unidades, sendo a cada uma entregue uma liberdade própria: legislativa, administrativa, organizacional e política. Não se fala mais em soberania estatal das unidades independentes, mas sim de autonomia. Proíbe-se constitucionalmente que estas unidades federadas rompam o pacto e formem novos Estados (proibição da secessão). Por fim, estes entes federados assumem posições diferentes no Estado, cada um com uma parcela de responsabilidade social de desempenhar seus afazeres: neste ponto, há uma divisão do trabalho, e não a superposição de uma esfera política sobre a outra. Ainda, acima de tudo, todas as atividades e competências restam desenhadas no texto constitucional, buscando-se algum nível, maior ou menor, de coordenação entre as esferas para atingir-se os objetivos daquele Estado instituído.

Mas por que os Estados assumem um modelo ou outro? A principal discussão aqui reside na distribuição institucional do poder político, ressaltando as competências e quais as atividades que cada organismo da estrutura deverá exercer. Quanto mais unitarismo, mais concentração de poderes nas mãos da autoridade central. Quanto mais divisão de poder, maior será a aproximação do modelo Federal, eis que pressupõe um poder compartilhado, representado pelas unidades federativas componentes daquele Estado.

Trata-se, acima de tudo, de um desejo político de uma sociedade (ou de uma elite dominante, em modelos menos democráticos), somado às experiências histórica e cultural de um povo. O desenho do arquétipo estatal obedece sinergicamente à demanda popular que busca identificar-se com um sistema de repartição mais aberta ou mais concentrada de poder político, destinando uma parcela deste poderio a um centro orgânico ou a várias unidades periféricas isoladas.

Conforme Dalmo de Abreu Dallari3, na atualidade, parece existir uma tendência dos Estados contemporâneos buscarem um federalismo institucional. Primeiramente, identificou-se na experiência histórica que este paradigma dificulta a acumulação de poderes em um órgão só, distribuindo mais extensivamente o poder político. Permite-se, destarte, uma maior participação política do cidadão, já que ele atua em múltiplas esferas de cidadania (municipal, estadual, distrital e federal). Em um segundo instante, é possível perceber uma preservação mais explícita de valores regionais, maximizados pelas escolhas livres dos representantes, cuja inserção social acaba reproduzindo as identidades locais com maior afinidade; diversamente do modelo unitário, o qual acaba tendo de buscar uma representatividade mais unitária e generalista. Por fim, garante-se uma cidadania mais participativa, eis que representante e representado avizinham-se por conviverem mais proximamente (como no caso de prefeitos, vereadores, deputados estaduais, governadores), gerando mais responsabilização e controle social do mandato e das ações públicas.

Escolhas à parte, percebe-se que os modelos apresentados não podem arredar-se dos compromissos constitucionais delegados. Se a missão das sociedades atuais é buscar essa harmonia entre os desejos populares (ou da soberania popular) e a lei (aqui no caso a Constituição, ou o constitucionalismo), qualquer escolha democrática, em qualquer desses modelos institucionais, deve estar ancorada no cumprimento do inarredável ministério estabelecido pela Constituição. Em qualquer dos casos, o descolamento do "sentimento constitucional" (Pablo Verdú) para com os objetivos entronados pela Constituição, de forma afrontosa de seus princípios, ou mesmo diante da desregulação intencional destes modelos engendrados, é o prenúncio do fim: crise intensa que assola os Estados e corrói intestinamente suas mais seletas instituições.

__________

1 Teoria general Del Estado. Buenos Aires, Albatrós. 1993, p. 621.

2 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro, Campus, 2017.

3 Elementos de Teoria Geral do Estado. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.