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Federalismo e intervenção - Parte 2

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Atualizado às 09:16

Rafael de Lazari

Na coluna passada, começamos a falar sobre intervenção, como exceção (portanto, como medida atípica) ao pacto federativo e sua natural autonomia. Como dito, o constituinte consagra um instituto, mas deseja que ele não seja utilizado, tendo em vista o grau de anomalia constitucional que representa a intervenção da União nos Estados, Distrito Federal, e nos municípios situados em Territórios, bem como dos Estados nos municípios. Por se tratar de anomalia, o mecanismo constitucional interventivo deve se dar excepcionalmente, e, ainda, com regras controladas (daí a reafirmação de nosso posicionamento de que as hipóteses interventivas são taxativas).

Prova desse rígido controle, após as hipóteses interventivas serem expressamente dispostas nos arts. 34 e 35, e após os incisos do art. 36 definirem como se fará a intervenção (tudo isso já foi visto na coluna passada), os parágrafos do art. 36 disciplinam o decreto interventivo.

Vejamos:

a) O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, em regra será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas. Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembleia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas: Vale lembrar, em primeiro lugar, que nem sempre haverá esta apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa do Estado. O grande objetivo de tal controle é o fato de que, na grande maioria dos casos, o procedimento interventivo se dá por ato discricionário do chefe do Executivo, o que reforça a necessidade de manter-se uma análise da legalidade dos atos praticados a fim de evitar eventuais interesses escusos que possam guiar o procedimento (dá-se como exemplo a situação do Presidente da República que opta por intervir em um Estado capitaneado por Governador que lhe é ferrenho opositor, apenas para deslegitimar sua administração). Agora, quando tal controle puder ser exercido por outros meios, desnecessária a apreciação das Casas Legislativas pátrias. Está-se falando das hipóteses de intervenção federal do art. 34, VI e VII (prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial, bem como assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis) e da hipótese de intervenção estadual do art. 35, IV (representação interventiva por parte do Procurador-Geral da Justiça). Nos casos elencados, a apreciação do Poder Judiciário retira a margem de discricionariedade do Presidente da República, e já desempenha o papel de controle a fim de evitar procedimentos interventivos desnecessários. Ademais, o decreto interventivo em tais hipóteses se limitará a suspender a execução do ato impugnado, se isso bastar para o restabelecimento da normalidade.

Agora, se for uma hipótese que contempla apreciação pelas Casas Legislativas, o decreto interventivo deverá ser submetido à sua apreciação incontornavelmente no prazo de vinte e quatro horas. Se não estiver funcionando, é caso de sua convocação extraordinária no mesmo prazo de vinte e quatro horas.

Noutra consideração, importa analisar o decreto interventivo, isto é, o modo pelo qual se determina o procedimento que ora se estuda. Tanto nos casos de ato discricionário do chefe do Executivo, como nas hipóteses de vinculação via comando judicial, o modo como se estabelece a situação federalista atípica é o decreto. Tal documento é que fixará os meios como a intervenção se dará, bem como especificará os prazos e limites de sua duração. O decreto deverá contemplar o rol de medidas a serem praticadas, desde que guardem relação com o motivo que ensejou o procedimento.

Vale lembrar que a figura do interventor não é imperiosa no procedimento de intervenção. Ele somente se fará necessário caso seja a hipótese de afastar alguém que está dando motivo à intervenção. Toma-se como exemplo a situação de Governador do Estado que está afrontando contra o princípio constitucional sensível do federalismo defendendo que seu Estado seja anexado a um país vizinho. Em tal hipótese, nomeia-se um interventor a fim de que cesse a situação de anormalidade do agente originário ocupante do cargo. O interventor, contudo, deve se restringir a agir nos limites do decreto, zelando pelo pronto restabelecimento da ordem. Isso quer dizer que não fica tal agente "com uma carta branca em mãos", nem que gozará de irresponsabilidade se fugir das atribuições para as quais fora originariamente designado;

b) Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal: Tal previsão confirma o caráter excepcional e temporário da intervenção. Excepcional, pois ela viola a lógica federativa, como explanado ao longo das explicações sobre tal procedimento; temporário, pois a ideia é que sua duração se dê nos exatos termos da necessidade que a enseja. Cessados os motivos, busca-se restabelecer o "status quo" mais próximo possível da situação anterior a que a ensejou, inclusive com a volta das autoridades afastadas. Isso não ocorrerá, obviamente, caso haja algum impedimento a isso (no caso do exemplo dado outrora de necessidade de nomeação de interventor, do Governador que insiste na anexação do Estado que governa a país vizinho, afrontando contra princípio constitucional sensível, provavelmente não haverá condições para que haja um retorno ao cargo que ocupa).

Por fim, questão que não encontra expressa previsão constitucional diz respeito à apuração de eventuais arbitrariedades praticadas durante o período interventivo. O decreto serve exatamente para que se saiba os termos do procedimento e seu cumprimento fidedigno. É claro que o decreto jamais conseguirá comportar tudo o que é necessário ao pronto restabelecimento da ordem, dando-se como exemplo a situação de intervenção federal em unidade federativa para prontamente repelir invasão estrangeira: neste caso se consegue delimitar o âmbito territorial em que os atos ocorrerão, mas convém reconhecer ser impossível seguir à risca a duração da medida e tudo o que se fizer necessário para proteger a integridade nacional, pois tudo dependerá da força bélica e estratégica do grupo invasor.

O decreto de intervenção serve, pois, para fornecer um parâmetro objetivo e geral de atuação da medida que se está tomando, e, sobretudo, para possibilitar ao Poder Judiciário reparar eventuais arbitrariedades cristalinas que tenham ocorrido.

Para finalizar, muito recentemente o Brasil passou por duas intervenções, ambas da União em Estados (primeiro, no Rio de Janeiro; depois, em Roraima). Deixa-se a seguir um quadro comparativo: