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É constitucional lei que limita valor dos alugueis, diz Tribunal Constitucional Alemão

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Atualizado às 11:22

Desde 1/6/2015 está em vigor na Alemanha a nova lei do direito de locação (Mietrechtsnovellierungsgesetz), de 21/4/2015, que introduziu, dentre outras mudanças, um freio aos valores dos alugueis nas grandes cidades, onde o mercado imobiliário tem se tornado cada vez mais tenso.

Em cidades como Berlim, Munique, Hamburgo ou Frankfurt a.M, o valor dos alugueis sobe a cada dia, afastando da cidade cada vez mais famílias da classe média com crianças, incapazes de suportar esses valores.

Por isso, uma das promessas de campanha dos partidos foi regular o mercado imobiliário. E isso foi feito através da nova lei, que desde sua entrada em vigor tem causado acesa polêmica, principalmente por causa do limite estabelecido ao valor dos alugueis.

O novo direito de locação

A lei introduziu o § 556d, inc. 1 do BGB, segundo o qual os alugueis, em áreas com um mercado imobiliário "tenso" (angespannter Wohnungsmarkt), só podem superar até 10% o valor médio local, em contratos de locação residencial celebrados após a entrada em vigor da lei.

A lei, portanto, não impõe um tabelamento geral dos alugueis em todo o país. Apenas as cidades - ou áreas específicas delas - com mercado imobiliário tenso podem se socorrer da medida por um prazo máximo de cinco anos.

O mercado é qualificado como "tenso" quando o abastecimento da população com imóveis para locação encontra-se especialmente em risco.

Nessas condições, os estados estão autorizados pelo § 556d, inc. 2 do BGB a determinar por decreto quais cidades ou regiões são qualificadas como tal, vigorando, a partir de então, o limite máximo de aluguel a ser cobrado.

Essa regra não tem eficácia retroativa, vale dizer, os alugueis em curso que já se encontrem acima do valor máximo não serão reduzidos, mas não podem ser elevados em caso de renovação (§ 556e BGB).

Berlim foi a primeira cidade a ser classificada como uma área de tensão imobiliária, pois os valores dos alugueis na cidade estão cada vez mais estratosféricos.

As ações questionando a inconstitucionalidade da lei

In continenti, os proprietários de imóveis e associações se apressaram em alegar a inconstitucionalidade da lei por violação do mandamento da determinação (Bestimmtheitsgebot) do art. 80, inc. 1, alínea 2 da Lei Fundamental, da divisão de competência federal e do mandamento da igualdade, consagrado no art. 3, inc. 1 da Carta Magna.

Esse exige um tratamento igualitário dos proprietários em todo o país, mas, com a nova lei, os proprietários passam a estar submetidos a diferentes limites de aluguel, fixados de acordo com o valor médio de cada local. E, argumentam, o fim perseguido pelo legislador não justificaria o tratamento desigual.

A primeira queixa constitucional não tardou a aparecer, mas foi julgada improcedente pelo BVerfG, em 24/6/2015, no processo 1 BvR 1360/15, por não ter o autor percorrido a esfera civil antes de chegar ao Tribunal Constitucional e, dessa forma, esgotado todas as possibilidades processuais à disposição para fazer valer seu direito.

O Tribunal da Comarca de Berlim chegou a se manifestar, em 2017, pela inconstitucionalidade do § 556d do BGB, mas submeteu a questão ao Bundesverfassungsgericht, já que no sistema constitucional alemão apenas a Corte Constitucional pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei, a fim de evitar a balbúrdia resultante de decisões conflitantes das instâncias inferiores em tema tão sensível como o da (in)constitucionalidade de normas legais.

Agora, em 8.7.2019, o Tribunal Constitucional finalmente teve a oportunidade de decidir a questão, proclamando a conformidade do novo § 556d do BGB à Lei Fundamental.

A decisão do BVerfG

A recentíssima decisão diz respeito aos processos BVerfG 1 BvL 1/18, 1 BvR 1595/18 e 1 BvL 4/18, julgados em 18.7.2019.

Para a 3a. Câmara do 1o. Senado da Corte, o freio ao valor dos alugueis não viola a garantia constitucional da propriedade, a liberdade contratual e nem o princípio geral da igualdade.

A restrição à propriedade é justificada

De início, o BVerfG admitiu que a regulação dos valores dos alugueis atingem o direito de propriedade, tutelado constitucionalmente, dos proprietários de imóveis destinados a locação, mas essa violação é justificada, tratando de uma admissível restrição ao conteúdo da propriedade.

A uma, porque é proporcional.

É de interesse público evitar a preterição e a evasão de grupos populacionais menos abastados das áreas das cidades mais procuradas e a regulamentação do valor dos alugueis é medida apropriada a alcançar esse objetivo, pois evita preços estratosféricos em mercados disputados e pode, ao menos, criar condições para o acesso desse mercado a locatários menos favorecidos.

A duas, porque a intervenção é necessária para alcançar os objetivos pré-estabelecidos.

Aqui a Corte reconheceu que outras medidas poderiam ter sido adotadas pelo legislador para minimizar ou eliminar a situação de necessidade imobiliária nessas regiões, como, por exemplo, fomentar a construção de novas moradias ou ampliar a concessão de ajuda de aluguel, que na Alemanha não é dada a abastados funcionários públicos, mas à classe mais necessitada da população.

Mas além dessas medidas custarem caro ao erário, não estaria claro elas produziriam um efeito igual a curto prazo como a limitação dos alugueis.

A três, porque a regulação do valor dos alugueis é uma medida razoável tanto para locadores, como para locatários. Para o BVerfG, o legislador sopesou bem os interesses em conflito dos proprietários e da coletividade.

O conteúdo da garantia da propriedade não é imutável

É importante ter em mente, assinalou o Tribunal, que a garantia da propriedade não implica que o conteúdo da posição jurídica proprietária permaneça intocável para todo o sempre.

Com efeito, o legislador infraconstitucional pode modificar ou aperfeiçoar uma regra já criada, ainda quando piorem e se agravem as possibilidades de aproveitamento da posição proprietária existente.

Não cabe aqui falar em proteção da confiança, disse o BVerfG: na área do direito locatário, de relevância social e política incontestável, o locador tem que contar com frequentes alterações legislativas, não podendo confiar legitimamente na imutabilidade de uma situação jurídica favorável.

A confiança de poder obter com o imóvel a renda mais alta possível não é tutelada pela garantia da propriedade, disse a Corte de Karlsruhe.

Por outro lado, os proprietários têm a segurança de que a limitação do valor dos alugueis só ocorrerá se os pressupostos fixados na lei forem preenchidos.

Essa avaliação cabe aos governos locais, mas, caso se faça uma avaliação errada da região, os locatários podem questionar a decisão administrativa em juízo.

Além disso, o valor máximo do aluguel é calculado de acordo com o valor médio de mercado na região e a limitação só pode durar no máximo cinco anos.

Dessa forma, a restrição imposta não representa uma perda permanente para os locadores ou uma ameaça à substância da coisa locada ou ainda a perda de uma possibilidade razoável de uso.

A restrição à propriedade não viola a liberdade contratual

O Tribunal afastou ainda o argumento de que a restrição à posição proprietária violaria a liberdade contratual, protegida constitucionalmente pelo art. 2, inc. 1 da GG (Grundgesetz).

Isso, porque a intervenção, pelo acima exposto, manteve-se dentro dos limites da ordem constitucional, estando em harmonia com o princípio da proporcionalidade.

A restrição à propriedade não viola o princípio constitucional da igualdade

Da mesma forma, a Corte Constitucional afastou o argumento de que a medida geraria um tratamento desigual entre os locatários, na medida em que alguns estariam sujeitos a limites máximos de aluguel e outros não.

Para a Corte isso não se justifica, porque há uma diferença considerável entre os mercados imobiliários regionais e isso obviamente justifica o tratamento desigual das situações.

Já o valor médio de mercado é - também sob a ótica constitucional - um critério diferenciador adequado para apontar as diferenças entre os mercados imobiliários regionais, sendo irrazoável imaginar uma limitação uniforme para todo o país, que ainda desconsideraria a capacidade financeira dos locatários.

A relevância da decisão

A decisão do Tribunal Constitucional tem, à toda evidência, grande relevância jurídica e social, pois legitima a intervenção do Estado-Legislador, em prol da sociedade, no direito de propriedade de proprietários de imóveis destinados à locação, equilibrando o mercado a fim de evitar que os grandes centros se transformem em reinos habitados por privilegiados.

Sob o aspecto jurídico, o Tribunal deixou claro a possibilidade do legislador infraconstitucional, com proporcionalidade, intervir restritivamente na situação jurídica proprietária, desde que a substância ou núcleo duro do direito permaneça preservado. Um ótimo exemplo a ser seguido em outros cantos.