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Gosta-se de um bom vinho

quarta-feira, 18 de agosto de 2004

Atualizado em 30 de setembro de 2022 09:52

Nas duas semanas passadas, o Dr. José Maria da Costa, na coluna Gramatigalhas, tratou da questão da voz passiva e da voz passiva sintética, em que esmiuçou a questão da estrutura e do plural da expressão "Aluga-se uma casa". Tal estudo traz a necessidade de proceder de modo idêntico com a frase "Gosta-se de um bom vinho".

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1) Diferentemente da frase "Aluga-se uma casa" - com a qual esta deve ser sempre comparativamente analisada - a expressão que se aprecia não permite ser transformada, como se fosse "Uma casa é alugada", podendo-se, assim, afirmar que ela não é reversível.

2) Para tais efeitos, serve ela de modelo para todas as frases que, de modo similar, tenham um se acoplado ao verbo, mas não sejam reversíveis.

3) Da frase assim considerada, podem-se extrair as seguintes conclusões:

a) o exemplo não está na voz passiva sintética;

b) diversamente da frase com a qual é comparada, o se não é partícula apassivadora, mas símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito;

c) seu sujeito não é "um bom vinho", mas é indeterminado;

d) em orações como essa, seria impossível considerar um bom vinho sujeito, porquanto, como bem lembra Sousa e Silva, "o sujeito é membro regente, não pode vir regido de preposição".1

4) Em tais circunstâncias, pela própria estrutura sintática apontada, se, em vez de um bom vinho, se diz bons vinhos, o sujeito não se altera, mas continua indeterminado.

5) Bem por isso, ao se pluralizar tal termo, não há razão alguma para modificar o verbo, até porque, com tal alteração, não há, em última análise, modificação alguma do sujeito: "Gosta-se de bons vinhos".

6) Observe-se que essa é uma construção muito comum na linguagem forense, com expressões corriqueiras dessa natureza:

a) "Trata-se de embargos à execução";

b) "Proceda-se aos inventários";

c) "Obedeça-se aos princípios legais".

Pela explanação feita, são inaceitáveis e equivocadas as seguintes estruturas:

a) "Tratam-se de embargos à execução";

b) "Procedam-se aos inventários";

c) "Obedeçam-se aos princípios legais".

7) Reitere-se adicionalmente, para efeitos práticos, que, em tais casos, se o termo que aparenta a função de sujeito vem com preposição (de embargos, aos inventários, aos princípios), tal é indício cabal de que a frase não é reversível, certo como é que o sujeito é função do caso reto, e não pode ser preposicionado.

8) Repita-se: não confundir a frase apreciada com a construção Aluga-se uma casa, cuja estrutura sintática é diferente, como já se observou nesta coluna das Gramatigalhas na semana passada.
__________

1 Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 264.