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A marca da Equidade no sistema anglo-americano: specific performance

Luciana Carvalho

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Atualizado em 7 de novembro de 2008 13:08


A leitora Vera Hyppolito, envia nos a seguinte mensagem:

"Luciana, por favor como podemos traduzir 'specific performance'? Na definição do Black's Law: 'a court order remedy that requires precise fulfillment of a legal or contractual obligation when monetary damages are inappropriate or inadequate...' Este é exatamente o caso no texto que estou traduzindo. Grata e parabéns pelo seu trabalho." 

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A marca da Equidade no sistema anglo-americano: specific performance

1) Common Law & Equity

O direito anglo-americano foi desenvolvido a partir de duas grandes vertentes. A principal, a common law - que dá no nome a esta família de direito e que foi introduzida por Guilherme, o Conquistador e subseqüentemente desenvolvida pelos tribunais reais entre 1066 e 1485 - e a equity, introduzida pelos equity courts a partir de 1485.

A equity é um ramo do direito não escrito, fundado na justiça e no equilíbrio entre as partes. Por meio da equity, visava-se solucionar os litígios de uma forma mais justa que a solução prevista pelos common law courts ou a dar uma solução aos litígios para os quais a common law não previa solução devido à máxima 'remedies precede rights' (i.e. em primeiro lugar o processo). Uma das principais características da common law, foi a de que se desenvolveu com base em um determinado número de ações1 (forms of action). Em outras palavras, caso não houvesse uma ação específica, a common law não poderia ser acionada e a principal dificuldade enfrentada pelas partes em acessar o judiciário residia em fazer com que os tribunais reais admitissem sua competência.

Devido a ausência de ações específicas e a insatisfação com as soluções nos juízos de common law, a equity teve origem na Inglaterra medieval. As partes insatisfeitas com a solução dada pelo judiciário, passaram a recorrer ao rei que, por sua vez, encaminhava as petições ao chanceler ou chancellor (autoridade religiosa). Assim, quando o chanceler considerava a causa justa, ele aplicava soluções com base nos princípios de equidade, cujos fundamentos estão essencialmente no direito canônico e romano. Devido à crescente demanda por intervenção do poder real e à insatisfação da população com as soluções das law courts, os remédios aplicados pelo chanceler se multiplicaram e passaram a compor um novo conjunto de princípios até dar origem a uma outra divisão do judiciário: os chamados equity courts ou chancery courts.

Durante alguns séculos (1485 a 1832) os dois sistemas coexistiram, cada qual com seus próprios princípios e juízes. Mais tarde, uma reforma unificou o judiciário e as regras de equidade foram incorporadas à common law. Por esta razão, hoje, o autor de uma ação pode pleitear soluções de common law (legal remedies) ou equitativas (equitable remedies). Entretanto, o entendimento que prevalece é o de que o judiciário apenas confere as últimas na ausência das primeiras, i.e., uma instância de common law só aplicará soluções de equity, como a de specific performance2 por exemplo, se não houver a possibilidade de indenização (i.e. monetary damages3).

2) A tradução de specific performance

De acordo com o direito anglo-americano, specific performance é uma das soluções de equity para o inadimplemento contratual (breach of contract), não apenas obrigacional. Por meio da specific performance, que seria a execução forçada da obrigação decorrente de contrato, a parte que não inadimpliu o contrato, i.e. a parte inocente, (party not in breach ou injured party) pode pleitear uma ordem judicial obrigando a parte inadimplente (party in breach ou injuring party) a cumprir determinada obrigação contratual.

Trata-se de medida excepcional que, em regra, é concedida quando uma indenização por perdas e danos não é suficiente ou nos casos das obrigações de dar4 (e.g. compra e venda de bens móveis e imóveis). Vale ressaltar que, por ser medida de equity¸ a parte que pleiteia a specific performance, não pode estar inadimplente, pois há um princípio no direito da equidade segundo o qual: "He who comes in equity must come with clean hands". Além disso, não cabe specific performance em uma série de obrigações de fazer fungíveis (personal obligations) (e.g. contrato de prestação de serviços).

No sistema pátrio, as soluções em direito para o descumprimento das obrigações são semelhantes. Apesar de o sistema romano-germânico, ao contrário da common law, historicamente privilegiar a execução da obrigação, em muitos casos a prática é inviável e o remédio contra o descumprimento obrigacional é a conversão em perdas e danos (damages), fazendo com que a execução forçada e a por terceiro sejam consideradas possíveis e permitidas em menos casos. Nesse sentido, temos os artigos 2475 , 2486 e 2497 do Código Civil.

Em matéria contratual, entende-se por execução forçada 'o meio de que se serve a pessoa para exigir judicialmente o cumprimento ou satisfação das cláusulas contratuais' (Plácido e Silva). Nesse contexto, que parece ser o da indagação da leitora, specific performance poderia se traduzido por execução forçada da obrigação [de dar ou de fazer] prevista no contrato.

3) Referências:

a) Código Civil Brasileiro (Lei 10 406/02) (clique aqui)

b) DAVID, René. (1998) Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Trad. Hermínio A. Carvalho. São Paulo:Martins Fontes.

c) Uniform Commercial Code (clique aqui)

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1Em decorrência de sua historicidade, das forms of action, até hoje a common law, em muitos casos, não se apresenta como um sistema que visa realizar a justiça, mas sim assegurar a solução de litígios [e de forma rápida: Justice delayed is justice denied].

2Outros tipos de soluções em equity: rescission, restitution, prohibitory injuction, mandamus

3Outros tipos de indenização em common law: liquidated damages, punitive damages, compensatory damages, consequential damages, nominal damages

4O artigo 2.º do Uniform Commercial Code afasta a regra tradicional da common law que é a de indenização por perdas e danos, e permite a execução forçada. (clique aqui)

5Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.

6Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.

7Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível. Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.

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