Habeas Pinho 5/3/2018 Hildebrando de Carvalho "Em Campina Grande, na Paraíba, em 1955, um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão. Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da faculdade e que também apreciava uma boa seresta. Ele peticionou em juízo, para que fosse liberado o violão. Esse petitório ficou conhecido como 'Habeas Pinho' e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares em praias do Nordeste. Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito deputado Estadual, prefeito de Campina Grande, senador da República, governador do Estado e deputado Federal. Vejamos a famosa petição: Exmo. sr. dr. juiz de Direito da 2ª vara desta comarcaO instrumento do crime que se arrolaneste processo de contravençãonão é faca, revólver nem pistola,é simplesmente, doutor, um violão.Um violão, doutor, que na verdadeNão matou nem feriu um cidadão.Feriu, sim, a sensibilidadede quem o ouviu vibrar na solidão.O violão é sempre uma ternura,instrumento de amor e de saudade.O crime a ele nunca se mistura.Inexiste entre eles afinidade.O violão é próprio dos cantores,dos menestréis de alma enternecidaque cantam as mágoas que povoam a vidae sufocam suas próprias dores.O violão é música e é canção,é sentimento vida e alegria,é pureza é néctar que extasia,é adorno espiritual do coração.Seu viver como o nosso é transitório,mas seu destino, não, se perpetua.Ele nasceu para cantar na ruae não para ser arquivo de cartório.Mande soltá-lo pelo amor da noiteque se sente vazia em suas horas,p'ra que volte a sentir o terno açoitede suas cordas leves e sonoras.Libere o violão, dr. juiz,Em nome da Justiça e do Direito.É crime, porventura, o infeliz,cantar as mágoas que lhe enchem o peito?Será crime, e afinal, será pecado,será delito de tão vis horrores,perambular na rua um desgraçadoderramando na rua as suas dores?É o apelo que aqui lhe dirigimos,na certeza do seu acolhimento.Juntada desta aos autos nós pedimose pedimos também deferimento.Ronaldo! Cunha Lima, advogado. O juiz Arthur Moura deu sua sentença no mesmo tom: Para que eu não carregueremorso no coração,determino que se entregueao seu dono o violão." Envie sua Migalha