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A administração no futebol brasileiro

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Atualizado às 08:19

Este texto trata da administração no futebol brasileiro. Entende-se por administração o conjunto de órgãos internos incumbidos da orientação, fiscalização e execução de atos ordinários e extraordinários dos clubes.

Os órgãos desmembram-se, com bastante recorrência, em diretoria executiva, conselho deliberativo e conselho fiscal. E são compostos exclusivamente por associados.

O exercício de cargo administrativo é voluntário e não remunerado. Trata-se, de um lado, de uma forma de contribuição do associado às coisas sociais com o propósito de manter e ampliar o patrimônio comum. Mas, de outro, de uma forma de exercício de algum - ou muito - poder, na esfera interna do clube, ou externa, perante os agentes que se relacionam ou gravitam ao seu redor.

Esse poder se amplifica em função da importância social, econômica ou desportiva do clube, bem como da relevância e do tamanho da torcida de seu time de futebol.

Não à toa que eleições, em alguns dos clubes, costumam ser acirradas e reproduzir, em menor escala, o modelo de campanha para cargos eletivos na esfera legislativa ou executiva.

A principal diferença talvez seja a gratuidade da função. Enquanto políticos disputam vagas remuneradas, os associados de clubes lutam por cargos não remunerados. Os quais, no entanto, oferecem, como já dito, contrapartidas sociais ou pessoais, de distintas naturezas.

Essa situação talvez não se mostre conflituosa no âmbito das relações puramente associativas que se produzem dentro do próprio clube. Mas revela um enorme desalinhamento quando esses clubes se envolvem em atividades econômicas complexas e competitivas, especialmente futebolísticas. E os seus interesses, assim como os interesses externos no clube e no time, extrapolam seus muros.

É o caso, sem dúvida, das situações em que os clubes operam times de futebol que atuam profissionalmente e dispõem de torcedores não associados.

Ora, há décadas o futebol deixou de ser uma atividade amadora, lúdica, como assim concebeu os seus organizadores e primeiros praticantes no país. Sua prática, ao contrário, envolve a adoção de técnicas empresariais e se passa num ambiente globalizado e sofisticado, que o trata como um negócio.

A lei 13.155, de 4 de agosto de 2015, que criou o Profut, tentou dar um passo na forma de organização da administração do esporte e se coadunar com essa realidade.

Nesse sentido, o art. 4o da mencionada lei estabelece que as entidades desportivas profissionais de futebol, para que se mantenham no Profut, cumpram certos requisitos, como: (i) a fixação do período do mandato de seu presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos em até quatro anos, permitida uma única recondução; (ii) a comprovação da existência e autonomia do seu conselho fiscal; e (iii) a previsão, em seu estatuto ou contrato social, do afastamento imediato e inelegibilidade, pelo período de, no mínimo, cinco anos, de dirigente ou administrador que praticar ato de gestão irregular ou temerária.

O problema é que o caminho adotado consiste na tentativa de melhoria do modelo existente, sem oferecer-se uma via alternativa para organização do futebol. Tentou-se exigir a adoção de certas condutas ou práticas consideradas de boa governança às associações civis, sem fins econômicos.

Em outras palavras, tentou-se consertar o que não tem conserto.

Apesar de bem-intencionada, a ideia produzirá apenas efeitos ilusórios.

Ao final, tudo continuará como sempre esteve: clubes amadores, organizando atividades econômicas complexas, submetidas a políticas internas diversionistas, protagonizadas por pessoas que atuam voluntariamente, sem qualquer remuneração.

Ainda mais: pessoas que não têm o dever de atuar com exclusividade nessas funções. E, por isso, dividem o tempo entre as coisas do clube, as coisas do futebol, e as suas atuações profissionais cotidianas.

Daí se pode extrair a seguinte conclusão: no Brasil se convencionou que a administração do futebol não precisa de pessoas exclusivamente dedicadas a essa função, formadas e preparadas para lidar com o feixe de relações e situações inerentes a uma atividade que se torna cada vais mais complexa e competitiva.

Explica-se, assim, o momento atual de penúria do futebol brasileiro.

Explica-se, ainda mais, porque o país que dispunha dos mais apreciados produtos, ou seja, jogadores, times, campeonatos e a mística da seleção, está se transformando em um mero exportador de commodity.

E nada explica os motivos pelos quais os sucessivos governos não se prestam a resolver, de uma vez por todas, a questão do futebol brasileiro, oferecendo-lhe uma via de direito compassada com o ambiente em que ele se insere.

É possível que alguns governantes vejam no futebol apenas uma atividade esportiva, sem reflexos mais importantes. Outros, um instrumento de alienação ou apaziguamento das massas.

Não é por aí.

Sua potencialidade envolve a cultura e a economia. Esse esporte pode, como nenhuma outra atividade brasileira, integrar pessoas e contribuir para um sustentável desenvolvimento social e econômico.

Aliás, essas características e oportunidades já foram sugeridas por Gilberto Freyre, para quem o "o desenvolvimento do futebol, não um esporte igual aos outros, mas uma verdadeira instituição brasileira, tornou possível a sublimação de vários daqueles elementos irracionais de nossa formação social e de cultura".

Mas as oportunidades começam a se esvair. E mais grave: também começam a se dissipar os elementos irracionais que formaram a relação do brasileiro com o futebol e o tornaram belo, admirado e grandioso.

Esse processo de autodestruição não se interromperá enquanto se continuar a defender que o futebol deve ser administrado de modo caseiro, altruísta e conforme um modelo jurídico criado para acomodar interesses puramente associativos.