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O modelo chileno: as Sociedades Anônimas Desportivas Profissionais

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Atualizado às 07:54

Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo

Após experimentar profunda crise estrutural e financeira - que teve como ápice, talvez, a decretação da falência do Colo Colo, maior time do Chile, no início do século XXI - o futebol chileno apostou na transformação do modelo organizacional dos clubes como o meio para se recuperar.

Em maio de 2005, foi editada a ley 20.019, com o objetivo principal de instituir e regulamentar as sociedades anonimas deportivas profesionales - SADP (em tradução literal, sociedades anônimas desportivas profissionais).

Porém, como será tratado mais adiante, a ley 20.019 também se preocupou com a adaptação de outros modelos de propriedade, sob os quais os times do Chile costumavam se organizar, à nova realidade do futebol mundial: a corporación e a fundación, figuras jurídicas sem finalidade lucrativa.

Antes, contudo, de tratar das SADP, corporaciones e fundaciones, a ley 20.019 buscou conceituar as organizações desportivas profissionais - isto é, os clubes. Para o ordenamento jurídico chileno, são organizações desportivas profissionais aquelas constituídas em conformidade com a ley 20.019, cujo objeto consista na organização, produção, comercialização e participação em espetáculos desportivos (aqueles em que referidas organizações participem com o objetivo de obter benefício econômico), e que estejam obrigatoriamente registradas no Registro de Organizaciones Deportivas Profesionales, administrado pelo Instituto Nacional de Deportes de Chile: uma entidade governamental, responsável, principalmente, pela fiscalização das organizações desportivas profissionais.

Além dessas características, as organizações desportivas profissionais possuem contratos de trabalho com seus atletas, os quais precisam ser profissionalizados e remunerados pelos serviços prestados.

Conforme regulamenta a ley 20.019, tais organizações podem ser corporaciones, fundaciones ou SADPs, e, para participar das ligas nacionais, deverão atender aos seguintes critérios: i) elaboração de orçamentos anuais, submetidos à aprovação da liga; ii) elaboração e divulgação de demonstrações financeiras anuais auditadas; e iii) manutenção de contabilidade específica e separada, no caso das corporaciones e fundaciones, para a atividade desportiva.

No caso das SADPs, a regulamentação-base é a mesma da sociedad anónima, definida na ley 18.046. Naturalmente, contudo, algumas especificidades foram trazidas pela ley 20.019, em seu título II.

Além da exclusividade do objeto das SADPs, que se restringe às atividades de uma organização desportiva profissional, os estatutos desse tipo societário especial devem apresentar, no mínimo: i) a denominação da sociedade, contendo a expressão sociedade anónima deportiva profesional ou a sigla SADP; ii) sede; iii) identificação dos acionistas fundadores; iv) descrição dos ativos essenciais; e v) descrição do objeto social. Essas características somente podem ser modificadas mediante voto favorável de 2/3 dos acionistas com direito a voto, excetuando-se as deliberações acerca da denominação, cujo quórum é de 4/5 dos acionistas com direito a voto, e sobre o objeto social, cuja alteração acarreta a dissolução da SADP.

Sobre a administração da SADP, esta cabe a um Directorio, composto por, pelo menos, 5 membros, de modo que compete ao respectivo estatuto definir o período de mandato.

Outra disposição que merece ser comentada diz respeito à saúde financeira da SADP. Caso apresente risco de insolvência, e seu Directorio não resolva a situação dentro do prazo de 30 dias, deverá ser convocada uma assembleia para deliberar sobre aumento de capital em montante necessário à normalização das finanças da sociedade. Esse procedimento será acompanhado pela Superintendencia de Valores y Seguros, responsável por aprovar a convocação para dita assembleia.

Por fim, caso a SADP cumpra estritamente as regras previstas na ley 20.019, poderá gozar, ainda, dos benefícios tributários concedidos pela ley 19.786, que trata de isenções fiscais para investimentos em mercados emergentes.

Já no caso das organizações desportivas profissionais que permaneçam como corporación ou fundación, modelos organizacionais sem finalidade lucrativa - isto é, sem constituir ou se transformar em SADP -, a ley 20.019 impôs a obrigação de constituição de uma entidade segregada, específica para desempenhar, conduzir e organizar a atividade desportiva profissional: o Fondo de Deporte Profesional.

Para constituir o Fondo, a corporación ou a fundación precisa convocar assembleia a fim de deliberar sobre: i) primeiramente, os seus resultados; ii) o aporte financeiro a ser feito para constituir o Fondo; iii) os ativos que serão conferidos ao Fondo; e iv) o capital social do Fondo, representado, basicamente, pela soma do aporte (ii) e dos ativos conferidos (iii).

O Fondo deve ser administrado por uma Comisión de Deporte Profesional, composta pelo presidente da corporación ou fundación, que será também o presidente da Comisión, e mais quatro membros. A Comisión será responsável por elaborar as demonstrações financeiras do Fondo, auditadas e divulgadas periodicamente.

Os poderes da Comisión são limitados. É vedado aos membros desta, por exemplo, modificar os estatutos, adotar políticas contrárias ao interesse social, atuar em benefício próprio, utilizar-se, pessoalmente, de recursos e ativos do Fondo, bem como impedir ou dificultar investigações que tenham por finalidade apurar eventuais responsabilidades suas, enquanto membros da Comisión.

Vale destacar, ainda, que a ley 20.019 prevê grave sanção para o não cumprimento de quaisquer de suas disposições: impedimento às corporaciones ou fundaciones infratoras de continuarem desempenhando suas atividades desportivas profissionais.

A ley 20.019 provocou mudanças no futebol chileno e, de certa forma, procurou, por meio de medidas austeras, aumentar a confiabilidade nos times nacionais. O caminho faz - e fez - sentido, pois o resgate da confiança e a introdução de mecanismos de controle e fiscalização reduziram os custos de transação e estimularam a obtenção de recursos junto a investidores, no mercado. Não à toa, há, hoje, 3 times chilenos com ações negociadas em bolsa de valores: Colo Colo, Universidad Católica e Universidad de Chile.