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O aperto monetário do Federal Reserve

terça-feira, 29 de março de 2005

Atualizado em 28 de março de 2005 12:17

Francisco Petros*


O aperto monetário do Federal Reserve


Analisemos brevemente a evolução da conjuntura nacional e internacional. Na semana passada, o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, elevou a taxa de juros básica de 2,50% para 2,75% ao ano. Foi uma decisão amplamente esperada pelos agentes econômicos ao redor do mundo. Todavia, houve uma mudança qualitativa na "linguagem" da autoridade monetária norte-americana no que se refere às suas preocupações em relação à inflação. No informe divulgado imediatamente após o término da reunião, o Fed mudou o fraseado utilizado durante os últimos doze meses e deixou evidente que está mais atento ao poder de repasse de preços das empresas num ambiente de aumento da produção e do consumo (desde meados do ano passado). O efeito mais direto desta mudança de postura dos diretores do BC americano recai sobre as taxas de juros dos títulos com prazo de maturidade mais longos (cinco e dez anos). Ou seja, o "custo de capital" da economia internacional subiu.

Para o Brasil e os mercados emergentes em geral, os efeitos secundários da elevação das taxas de juros nos EUA já podem ser sentidos em diversas frentes. As moedas se desvalorizaram em relação ao dólar norte-americano, apesar da enorme preocupação que o déficit externo da maior economia mundial desperta entre os investidores. Os títulos soberanos de renda fixa (emitidos por países) apresentaram desvalorizações generalizadas, mesmo que não fosse registrada nenhuma baixa acentuada. Com efeito, o nível de risco dos países também se elevou de vez que este é calculado com base na relação entre as taxas de juros dos títulos externos do país em comparação com as dos títulos do Tesouro norte-americano. No que se refere aos títulos de renda fixa, emitidos por empresas no exterior também houve desvalorização. Neste caso, as quedas foram menos generalizadas e ainda há uma enorme discussão no mercado sobre a relação entre os riscos corporativos e os retornos destes títulos em comparação com o retorno dos títulos soberanos. De uma forma geral, os spreads (taxas de risco) corporativos estão muito baixos em comparação com os spreads soberanos e há quem questione isso. Afinal de contas, normalmente os riscos dos países são substancialmente menores que os riscos das empresas.

No que se refere aos mercados acionários, o informe do Federal Reserve também foi recebido como um sinal negativo. De uma forma geral, as cotações das ações das empresas caíram para o nível do final do ano passado. No caso específico dos mercados emergentes, as quedas foram mais acentuadas nos países da América Latina. Apesar deste movimento de queda das ações, as cotações das commodities agrícolas e, especialmente, dos metais, não caíram e este é um aspecto fundamental e positivo para o desempenho dos mercados acionários dos países emergentes. Aparentemente, a queda das cotações, até este momento, é apenas um ajuste para um novo cenário de menor liquidez internacional e taxas de juros mais elevadas Entretanto, não se pode negar que o cenário está mais incerto que durante o período eufórico dos dois primeiros meses do ano. Vale ressaltar que na semana passada o primeiro fluxo de saída de recursos externos dos fundos de países emergentes nos últimos meses foi registrado. Sinal de alerta, sem dúvida.

No âmbito doméstico, as preocupações vêm principalmente do ambiente político. Conforme podemos avaliar no artigo da semana passada, há um evidente enfraquecimento do suporte político do governo. A definição, pelo Presidente Lula, de uma reforma ministerial bastante limitada, decorreu das duas principais características da política brasileira no momento: o chamado "fisiologismo" caracterizado por uma luta de interesses menores por cargos na administração pública e a ausência de discussões e votações que sejam fundamentais para a sociedade brasileira. A cena política brasileira é preocupante e o jogo eleitoral de 2006 foi antecipado.

Do ponto de vista econômico, nesta semana deveremos ter a comprovação de que as dificuldades de gestão da política monetária são maiores que admitia o governo. A divulgação do Relatório de Inflação na próxima quarta-feira (31/03) provavelmente incluirá uma meta de inflação para 2005 superior aos 5,1% previstos. Como sempre ressaltamos neste espaço, a meta de inflação deste ano é muito ambiciosa em função da elevação dos preços das commodities no mercado internacional e da indexação das tarifas públicas. Aparentemente, o Banco Central (BC) terá de reconhecer esta realidade. Do contrário, a taxa de juros básica - atualmente em 19,25% ao ano, algo como 12% em termos reais, descontando-se a inflação projetada - terá de subir para um patamar superior a 21% ao ano com efeitos ainda mais sensíveis sobre a atividade econômica. A alta do dólar em relação ao real nas últimas semanas deve ser um problema a mais para ser administrado pelo BC, especialmente se no mercado internacional a moeda norte-americana se valorizar.

A combinação dos fatores acima requererá dos investidores muita cautela em relação as suas estratégias. Para os empresários e trabalhadores é razoável que se espere uma conjuntura de consumo e investimento mais moderado.

Não há sinais de que este processo de "acomodação" da política monetária norte-americana produza efeitos dramáticos sobre o funcionamento dos mercados e sobre os fluxos de capital. Contudo, não cabe desprezar os riscos que estão surgindo na conjuntura. É preciso ficar atento e saber que, mesmo numa conjuntura mais difícil, há oportunidades que podem ser aproveitadas.

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* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo).







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