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Política & Economia NA REAL n° 163

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Atualizado em 1 de agosto de 2011 10:17

Obama é negro, mas está pálido

A inauguração do mandato de Obama foi saudada como símbolo da hegemonia da democracia sobre o preconceito. Num país no qual a divisão racial não é apenas evidente, mas marcada pela estratificação econômica entre as raças e pela tentativa de afirmação contínua dos direitos das "minorias", Obama era a perfeita representação de tantas aspirações em torno do tema. A crise recente evidencia que a "negritude" presidencial deixou de ser o elemento simbólico essencial do processo político. O que está em jogo são interesses objetivos em torno da continuidade de um programa econômico que alarga gastos públicos para salvar a economia como um todo. Os interesses dominantes da classe média e alta estão a se confrontar com os interesses mais universais de toda a sociedade e, de sobra, dos mais pobres. Roosevelt enfrentou este cenário nos anos 30. Todavia, era um estadista com clara percepção de onde queria chegar. Obama recalcitra, oscila, finge bater na mesa, mas logo em seguida sopra. É um ex-pretenso estadista que soube usar um slogan e ganhar uma eleição. Ficou pálido.

Oposição republicana com votos e sem ideias

Os republicanos por sua vez fazem um jogo perigoso. Ganham (e ganharam) seus votos por meio de um discurso meramente ideológico e, no dia a dia, estão a postos para retardar, mitigar e barganhar em torno das necessárias reformas que os EUA necessitam para tocar em frente seu Império. Tentam emparedar o presidente para viabilizar seus candidatos anões de ideias (de Sarah Palin a Mitt Romney, passando por Michele Bachmann e Tim Pawlenty). Foram os republicanos que barraram as reformas mais profundas no mercado financeiro e de capital no ano passado e tiveram a sorte de ver que o presidente recuou e se escondeu por de trás de sua palidez. Pouco importa ao GOP a importância de seus debates perante o mundo. Falam para grotões bem atuantes nas entranhas do poder : a indústria financeira, a petrolífera e assim vai. Simples assim, tristemente.

A crise é estrutural

Seria risível se há pouco mais de três anos, alguém dissesse que os chineses, brasileiros e indianos seriam os "queridinhos" dos investidores, que os maiores bancos do mundo estariam sob risco ou quebrados e que a Europa e os EUA estariam sob ataques especulativos em função do risco de default. Pois bem : que ninguém por aqui se orgulhe muito deste cenário. Trata-se de uma tragédia mais que grega (sem trocadilhos). Não há vencedores neste cenário. Sobretudo, para o Ocidente e sua fragilizada democracia representativa. O mundo estava discutindo no fim de semana se as agências de classificação de riscos iam tirar uma letrinha "A" da dívida dos EUA (classificada como triple "A", AAA). Bancos acostumados à especulação "projetavam" uma queda de 30% nas ações. Tudo parecido, segundo eles, à crise de 29. Vejam a que ponto nós chegamos ! Tudo isto indicaria que os tais "analistas" fossem um pouco mais profundos... Nada disso : há um tratamento "conjuntural" a toda crise. Todavia, há uma crise estrutural, na qual o endividamento das economias centrais é apenas a "ponta do iceberg". O modo e o ritmo "financista" de gerir o mundo estão vencidos, mas ainda não há nada para se colocar no lugar. Assim, a crise vai prosseguir. E talvez por mais tempo que se imaginava há pouco.

O "acordo" da dívida nos EUA

Vejamos, em termos bem gerais, o tal do "acordo" fechado entre republicanos e democratas para evitar o default da dívida norte-americana : corte de US$ 1 trilhão de despesas governamentais, a promessa de mais US$ 1,5 trilhão em cortes de programas sociais/previdenciários, etc. e aumento de impostos, ambos a serem propostos por uma "comissão bipartidária" do Congresso. Assim, o "teto" da dívida pública sobe para US$ 14,3 trilhões. A interpretação deste acordo (e seus muitos detalhes, disponíveis mundo afora) é que Obama sofreu uma substancial derrota de vez que não se conseguiu obter amplitude na solução do tema. Com efeito : a crise permanece crônica e, muito provavelmente, terá fases agudas como esta última. Tudo muito efêmero, para um mundo muito enfermo.

Japão : a próxima "vítima" ?

Não vamos nos adiantar no tema nesta coluna. Mas, caros leitores, anotem aí : não será surpresa se em poucos dias ou semanas os "canhões do mercado" forem apontados para o Japão. Sua dívida externa de US$ 10 trilhões é excessiva e isso é pecado mortal no atual momento. A dívida equivale a 200% do seu PIB. Um verdadeiro tsunami. Ainda adormecido.

Bancos dos "emergentes", aposta contra

Há duas semanas, reportamos aqui neste espaço que havia uma forte especulação sobre o fato de haver uma crise potencial no segmento de "crédito imobiliário" brasileiro. Pois bem : há uma forte movimentação de "fundos especulativos" com poder de fogo considerável operando contra ações de bancos de países emergentes, não apenas bancos brasileiros. Bancos chineses, indianos e brasileiros estão sob ''questionamento" em termos de qualidade de risco de crédito do setor financeiro. Especificamente, no caso do Brasil, isto soa ridículo. A capitalização dos bancos brasileiros, sobretudo os privados, é excepcional quando comparada com a de seus pares. Em termos mundiais, diga-se. Todavia, isto pode não impedir, no curto prazo, que as ações do setor financeiro caiam muito mais que a média de mercado. A especulação financeira é um fenômeno poderoso e marca registrada do capitalismo atual.

Ataques de nervos

Quem frequentou, nas últimas semanas, redutos de peso do setor empresarial brasileiro, entre eles, o sistema financeiro e a área de telecomunicações, pôde verificar o ambiente "almodovariano", aquele à beira de crises nervosas. No caso do sistema financeiro a explicação pode estar no pacote cambial do ministro Guido Mantega : mais do que um ataque direto ao problema da valorização do real, ele parece ter sido uma ameaça ao setor como um todo. "Dias piores poderão vir", segundo a interpretação de um analista muito bem posicionado e com foco nos humores de Brasília. O ministério da Fazenda tomou a direção, deixando de lado o BC e a CVM. No caso das telecomunicações incomoda - e irrita - a cada vez maior intervenção oficial, via Anatel e o ministério das Comunicações, na área. De ordenador e definidor, o governo está virando um controlador.

Chá de maracujá

Pelos lados do centro financeiro de SP estranha-se o silêncio da BM&FBovespa, uma das possíveis "vítimas" do pacote de Mantega. Armínio Fraga, presidente do Conselho de Administração da instituição e ex-presidente do BC excepcionalmente bem avaliado pelo mercado, teria muito o quê dizer nesta hora para aclarar o que está um tanto quanto confuso.

A lição está sendo feita ?

Na entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, uma das muitas que concedeu depois que, enfim, apossou-se do título de czar da economia brasileira, o ministro Guido Mantega procura desfazer a visão mais ou menos corrente de que o câmbio é uma das âncoras, e das mais poderosas, da inflação brasileira. Diz ele que "o câmbio pode ajudar, mas as medidas fundamentais são o crescimento menor do crédito, elevação da taxa de juros, aumento do [superávit] primário, redução do gasto público". Entendem alguns analistas que as falhas estão nesses pontos : o ritmo dos juros é incerto, o crédito continua crescendo bem e o superávit primário está sendo sustentado mais pelo aumento da receita do que pela redução consistente das despesas fiscais. O resultado é que é muito improvável, como adiantamos nesta coluna há mais de um mês, que a inflação fique dentro do centro da meta (4,5%) antes de 2013.

Câmbio, ação lenta

Para quem tanto criticava a valorização do câmbio nos tempos de FHC e Cia., as ações governamentais do PT em relação ao câmbio não apenas carecem de competência e coragem. A área econômica é lenta como um bicho preguiça.

Radar NA REAL

29/7/11   TENDÊNCIA
SEGMENTO Cotação Curto prazo Médio Prazo
Juros ¹
- Pré-fixados NA alta alta
- Pós-Fixados NA alta alta
Câmbio ²
- EURO 1,4404 estável alta
- REAL 1,5493 estável estável/queda
Mercado Acionário
- Ibovespa 58.823,40 baixa baixa
- S&P 500 1.292,28 estável/baixa baixa
- NASDAQ 2.756,38 estável/baixa baixa

(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável

Brasil maior

Não havendo percalços de última hora, Dilma anuncia hoje o plano de incentivo à indústria brasileira, prometido desde o início do governo. Logo, será possível saber quem ganhou a disputa que se trava entre o ministério da Fazenda, de um lado, e os ministérios do Desenvolvimento e da Ciência e Tecnologia, de outro, no que se refere ao conteúdo prático das propostas. A Fazenda de olho na receita, os dois outros preocupados com a perda de poder de competição da produção nacional. O anúncio correu até o risco de ser adiado mais uma vez. Dilma interferiu porque o programa "Brasil Maior" - este era o seu nome fantasia até ontem - faz parte da agenda positiva com a qual ela pretende tirar o governo da defensiva em função da crise política, denúncias de corrupção, etc. Um número dirá quem fez o jogo : R$ 45 bi. É esta a renúncia fiscal pretendida pelo setor empresarial em quatro anos, defendida também pela turma do Desenvolvimento e da Ciência e Tecnologia. Na extensa entrevista ao "Estadão" de domingo, Mantega disse que não tem essa de R$ 45 bi. Mas, ele falou ao jornal paulista na quinta à noite, antes, portanto, da participação de Dilma no debate. É esperar para ver e crer.

Aquecimento sindical I

Mais até que a insatisfação e os temores dos partidos aliados, o descontentamento dos sindicatos e das centrais sindicais, por incrível que pareça CUT à frente, está pondo em fogo alto o Planalto. Os sindicalistas estão saudosos dos bons tempos de Lula, quando tinham vantagens e carinho. Sentem falta das duas coisas com Dilma. E carregam para este segundo semestre um portentoso contencioso para o governo. No Congresso, querem aprovar a redução da jornada de trabalho no país de 44 horas para 40 horas semanais, sem redução de salário, e o fim do fator previdenciário. Sem contar o aumento dos recursos destinados obrigatoriamente à saúde.

Aquecimento sindical II

No campo estritamente das relações trabalhistas imediatas, querem botar asas nos aumentos salariais. Pelo menos três categorias de grande peso e influência têm dissídio coletivo neste semestre - bancários, petroleiros e metalúrgicos de São Paulo. Os bancários, reduto da CUT, já deu a partida : está pedindo uma correção de 13%, o dobro da inflação prevista para o período. O BC já botou na sua última ata um alerta para a questão. Argumentam os sindicalistas que os lucros desses setores justificam os reajustes elevados. E comparam o que vão pedir com os 14% que o salário mínimo terá em janeiro. Dilma acaba de tirar um reserva de luxo do banco, o Pelé, para ajudar a lustrar a confusão da Copa do Mundo. Talvez tenha de buscar outro reserva de luxo para tentar acalmar os sindicalistas.

Agora, o teste real

A partir de hoje, quando de fato os deputados e senadores começam a retornar de suas férias de meio de ano, será possível testar a eficiência e funcionalidade do novo esquema de coordenação política do governo no Congresso, com a ministra Ideli Salvatti na linha de frente, a ministra Gleisi Hoffmann na retaguarda e a presidente Dilma mais ativa no trato com os políticos. Quando a nova montagem estava para ser testada, surgiram os escândalos do ministério dos Transportes, Dilma aproveitou para fazer uma eficiente ação cirúrgica, os parlamentares foram para o recesso e os partidos ficaram um tanto assustados com a "nova eficiência" do governo no combate às denúncias de corrupção. A ação criou medo, mas criou também insatisfação e insegurança entre os aliados. A ponto de, nos últimos dias, o governo ter mandado inúmeros recados aos parceiros aliados de que tal a faxina tem tempo e hora para acabar e deve, surpresas à parte, ater-se ao ministério dos Transportes. Foi o já conhecido "efeito demonstração". Os incomodados, aos poucos, serão discretamente acomodados. Volta-se ao que era antes : à espera de cargos ainda não preenchidos e das verbas não liberadas das emendas parlamentares. Um teste para a paciência do Planalto e dos partidos aliados, pois o ajuste, para não despertar desconfianças e reações, precisará ser feito discretamente. E com reza brava para não surgirem novas denúncias num ambiente em que todo mundo desconfia de todo mundo.

A oposição não entra na conta

Se alguma coisa tira o sono político no momento é a infelicidade de seus aliados. Ameaças da oposição com CPIs e convocações de ministros e funcionários graduados ele se livra delas com pequenos piparotes. Ou barra a convocação ou controla os depoimentos, ainda mais que os oposicionistas não andam se preparando para as inquirições. Uma entrevista de Waldemar Costa Neto ou um discurso como o que está prometido pelo ex-ministro Alfredo Nascimento para hoje causa mais furor do que a soma total da turma do PSDB, DEM e PPS no Congresso. Um estrilo do PMDB pode ser mais corrosivo que Aécio Neves e José Serra jogando no mesmo time. A oposição, para o governo, é figurante. E ela faz todo o esforço possível para ficar nessa posição.

Passaporte para casa

O PMDB já tem dois ex-ministros no governo Dilma : Pedro Novais e Nelson Jobim. Salvou o ministro do Turismo da guilhotina agora da confusão do ministério dos Transportes - pegaria mal mais uma demissão. Novais está monitorado na Embratur por um adversário de seu padrinho maranhense José Sarney e ex-deputado Flávio Dino e pode carregar por mais um tempo a insígnia de ministro sem incomodar. Se não incomodar, é claro. Quanto a Jobim, Dilma nunca esteve feliz com ele, uma imposição de Lula, nem Jobim esteve feliz com ela, pelos degraus que seu prestígio desceu no novo governo. A declaração de voto em Serra, que não é fácil entender como um "escorregão" em alguém tão experiente, pode precipitar o desencontro. O problema é que o ministério da Defesa é "área minada" e Jobim, bem ou mal, manteve o ambiente por lá sem borrascas.

Tomando conta de horta

Quem está definindo os bens que terá de dispor para cumprir as determinações do Cade é a própria BR Foods, a fusão entre a Sadia e a Perdigão, cujo aval pelo órgão de defesa da concorrência causou, como se dizia antigamente, "muita espécie" entre os especialistas. A hora foi franqueada aos bons cabritos, aqueles que berram com a corneta oficial e a regência do BNDES.

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