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Na China, Lula e o seu melhor momento

terça-feira, 25 de maio de 2004

Atualizado em 24 de maio de 2004 10:31

Francisco Petros*

Na China, Lula e o seu melhor momento


Nos próximos dias, a imprensa brasileira dará grande destaque à visita do Presidente Lula à China. No que tange aos aspectos relevantes desta viagem diplomática e comercial, a estratégia do governo faz muito sentido. Em pouco menos de dez anos as exportações brasileiras para a China comunista praticamente quadruplicaram (de US$ 1,3 bilhão em 1994 para US$ 4,6 bilhões em 2003). No ano passado e neste ano, houve um estímulo adicional às exportações brasileiras que foi a necessidade de importação de alimentos por parte da China, em função da quebra de safra daquele país. A maior importação de alimentos deu grande impulso ao aumento dos preços das commodities no mercado internacional. Caso exemplar foi o da soja. Cerca de 64% das exportações brasileiras para a China são de commodities (incluindo a soja, o ferro e o aço). Apenas 10% do total exportado possuem maior valor agregado no que se refere à tecnologia. Apesar do Brasil ter um superávit de US$ 2,5 bilhões com a China, há uma diferença fundamental na composição das exportações chinesas quando comparadas com as nossas: mais de 95% dos produtos chineses são manufaturados e deste total, 2/3 têm conteúdo tecnológico considerável. Por exemplo, o Brasil é grande importador de partes de produtos eletrônicos chineses. Portanto, os "termos de troca" (relação preço versus quantidade) são favoráveis à China.

É provável que a China permaneça nos próximos anos como grande parceiro comercial do Brasil na área agrícola, especialmente porque o país comunista não tem alta produtividade na área agrícola que possa satisfazer as necessidades de crescimento da produção de alimentos para os 1,1 bilhão de chineses. De outro lado, é bastante provável que a China se torne forte competidora em segmentos nos quais o Brasil tem um segmento exportador dinâmico e competente, como é o caso do setor de papel e celulose e o de aços planos.

A estratégia chinesa está baseada na visão de que o país deve buscar ser cada vez mais influente na economia mundial o que lhe permitirá extrair vantagens crescentes nas negociações comerciais. Trata-se de uma nação com um imenso arsenal atômico que lhe permite uma presença constante e influente nas decisões geopolíticas das grandes nações. As concessões comerciais para os parceiros comerciais estratégicos são feitas após a análise cuidadosa dos interesses chineses em cada um dos setores e na possibilidade daquelas concessões se tornarem "vantagens comparativas" no futuro. A regra de que "não existe almoço grátis" é critério básico para a burocracia estatal chinesa. Cada contrato comercial é "deglutido" com muito cuidado e estabelecido dentro de uma visão de curto, médio e longo prazo.

Também é interessante notar que a China é altamente eficiente em se colocar como um país com alto potencial de consumo interno, em função de sua elevada população, quando na realidade trata-se de um país que busca aumentar a sua capacidade produtiva com vistas à exportação. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita chinês é de pouco mais de US$ 1,0 mil enquanto o PIB per capita brasileiro é quase três vezes maior (US$ 2,9 mil). A principal vantagem comparativa chinesa está relacionada ao baixíssimo custo de sua mão-de-obra, subjugada por um regime tirânico em termos de liberdades individuais e que permite "administrar" as pressões sociais por meio de pequenas concessões - como, por exemplo, maior tempo de descanso semanal - no longo prazo. A criação de uma burocracia estatal e cada vez mais especializada permite que haja estrito controle sobre a dinâmica econômica e, por conseguinte, sobre os processos sociais. Um subproduto "natural", mesmo que indesejado deste processo, é a corrupção e uma espécie de "nepotismo político" na obtenção de favores do governo chinês. Também, o Partido Comunista Chinês tem permitido que as reformas econômicas façam florescer uma classe efetivamente capitalista que organize setores econômicos estratégicos como os de alta tecnologia. O comunismo chinês divide os lucros com os capitalistas para que possa apurar resultados que aumentem a produtividade de toda a economia. Do lado financeiro, a incorporação de Hong-Kong à China possibilitou um excelente canal para a melhoria do relacionamento do país com o sistema financeiro internacional. Também neste caso há a associação aparentemente impossível entre o sistema comunista e o capitalismo emergente de Hong-Kong.

Além dos problemas estruturais da China relacionados com o subdesenvolvimento, tais como, a existência de bolsões de pobreza, o desrespeito às leis ambientais internacionais, a falta de liberdades individuais, etc., a China vive um momento de maiores riscos na administração de sua economia.

O sistema financeiro do país tem sérios problemas estruturais e uma crise bancária pode se instalar nos próximos anos na economia chinesa. Esta é uma das causas para que o Governo chinês não valorize o yuan, a moeda do país. (A China opera com o sistema de câmbio que permite que o governo desvalorize/valorize, de tempos em tempos, a taxa de câmbio). Os saldos excepcionais do balanço de pagamentos chinês permitiriam esta valorização, como forma de conter a alta da inflação e para aumentar a produtividade do país via aumento de importações de bens de capital. Contudo, o sistema financeiro tem passivos indexados a moedas internacionais e os ativos, em grande parte créditos concedidos às pessoas físicas para aquisição de bens de consumo e imóveis, estão denominados na moeda local. O Banco Central Chinês, nos últimos dois meses, iniciou um extenso programa de redução dos riscos financeiros das empresas, pessoas físicas e do próprio sistema financeiro com o objetivo de reduzir este risco estratégico do país. Será um processo de anos e não de apenas alguns meses.

A inflação é outro problema visível no país. O crescimento médio de cerca de 8,5% ao ano da economia chinesa nos últimos dez anos evidencia que há um processo de superaquecimento que tem repercutido em inflação de custos. A meta de inflação para este ano foi estabelecida pelo governo em 3%. Nos últimos dois meses, a inflação mensal foi de 3%. A política anti-inflação do governo tem dois pilares básicos: (1) controle do volume de crédito e (2) aumento da taxa básica de juros para reduzir a atividade econômica. Ambas, sinalizam para a redução da taxa de crescimento da economia (PIB) para o nível entre 5%-6% neste ano e em 2005. Porém, até o momento, não foram sentidos efeitos significativos da implementação destas medidas econômicas no frenético ritmo de crescimento chinês. Ano passado, a economia chinesa cresceu 9,1%. Neste ano, o crescimento dos últimos doze meses está em 9,7%, mesmo após a adoção das medidas restritivas por parte do Banco Central. De qualquer maneira, a delicada situação da economia dos EUA e a constatação de que a China começa a apresentar sinais de saturação da sua infra-estrutura, após tantos anos de crescimento muito acelerado são aspectos que merecem enorme atenção no momento por parte dos analistas da economia mundial.

A viagem do Presidente Lula merece atenção e é a melhor parte da estratégia de comércio exterior do Governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Trata-se se um evento especial para o Brasil no momento em que há grande descrença nas possibilidades da política econômica comandada pelo Ministro da Fazenda Antonio Palocci. Há grande possibilidade de que sejam criadas novas oportunidades para o Brasil do outro lado do mundo. A burocracia e os políticos chineses parecem cientes deste momento especial das relações entre os dois países e devem transformar a visita do Presidente Lula numa efetiva consolidação das relações entre as nações. Obviamente, há riscos relevantes no caminho e eles estão muito relacionados com a conjuntura atual da China e do mundo. Todavia, entre os pesos de uma conjuntura desfavorável e a obtenção de vantagens de longo prazo, parece razoável imaginar que estamos no melhor momento do Governo Lula até agora.
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* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.

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