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Porandubas nº 364

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Atualizado em 2 de julho de 2013 12:46

Em 5 anos, tudo pode ocorrer

Abro a Coluna com uma historinha que pode servir de orientação para esses tempos de inquietude e grandes mudanças. Um poderoso sultão, sábio entre os sábios, possuía um camelo muito inteligente. Obedecia a todas as ordens que nem precisavam ser emitidas de viva voz. Faltava-lhe apenas o dom da palavra. Esse detalhe entristecia sobremaneira o sultão. Um dia, decidiu convocar o Grande Conselho e chamou o grão-vizir.

- Quero que ensine meu camelo a falar !

- Mas isso é impossível.

- Cortem-lhe a cabeça ! Tragam-me o adjunto !

Mesma afirmação de desejo sultanesco, mesma resposta, mesma sentença. A cena repetiu-se diversas vezes e cabeças rolaram. Exasperado o sultão declarou.

- Aquele que ensinar meu camelo a falar será meu grão-vizir.

Silêncio ! O sultão repetiu a exortação. Eis que surgiu um humilde ajudante de cozinheiro. Disse :

-Dá-me, ó incomparável senhor, um prazo de 5 anos, e farei falar teu camelo.

Estupefação geral. Seguida do cumprimento da promessa.

-Doravante, és meu grão-vizir ! Mas se falhares, sabes o que te espera !

- Bem sei !

Encantado, o jovem fez profunda reverência e saiu correndo para dar a boa notícia à esposa.

- Infeliz, acabas de assinar tua condenação.

- Não é bem assim, meu bem. Pedi 5 anos. Você sabe que muitas coisas poderão acontecer em 5 anos : morre o camelo, morre o sultão...

(Atenção, políticos e governantes : em um ano, tudo pode ocorrer...)

Ressaca geral

Nem bem se recuperou da ressaca geral, o país parece disposto a continuar a beber na fonte das motivações que canalizaram as energias sociais e tomaram conta de ruas, estradas e praças do país. A chama foi acesa. Difícil, agora, será apagá-la. O povo descobriu que tem força para mudar o rumo das coisas. E está gostando de repetir a experiência em eventos menores, descentralizados e agora buscando ocupar regiões, bairros e localidades com demandas específicas.

Auto-gestão técnica

Há anos, um cientista social francês, Robert Lattes, identificava na Europa um sentimento que passava a impregnar os ânimos. Designou o fenômeno de "auto-gestão técnica", algo como : o cidadão define seu destino, seus rumos, suas metas, seus objetivos, e ele mesmo define, escolhe, patrocina os meios para alcançá-los. A auto-gestão técnica se afirma, assim, como um processo de auto-organização. As pessoas estão saturadas de promessas, de discursos mirabolantes, de convívio com signos, símbolos e atores da velha guarda. O que fazer ? Escolhem a si mesmo como personagens para refazer os caminhos. Como fazer ? Pela agregação, pelo sentimento de unidade, de solidariedade, companheirismo. As pessoas vão se dando as mãos. De repente, forma-se uma Muralha da China, construída com corpos, mãos, braços, vozes em uníssono nas ruas.

Racionalidade

Trata-se de um movimento que também aponta para o fortalecimento da racionalidade. Se as fortalezas do poder não acolhem os guerreiros, estes fabricam seus aríetes e forçam as muralhas poderosas. É o que estamos vendo aqui e acolá. Caminhões tomando as estradas, paralisando o trânsito; correntes humanas andando contra os atores postos na frente das cidadelas do poder. Esta é a nova estética das ruas.

O sapo de olho fechado

Há uma espécie de sapo que fecha os olhos para fugir às intempéries. Pensa-se que está morto ou dormindo. Nem uma coisa nem outra. Está atento ao que se passa ao redor. Depois de fechar os olhos por semanas, de repente abre os olhos e joga a língua para abocanhar os mosquitos que passam à frente. Ganha todos os ataques. A massa se parece com esse sapo. Não estava dormindo. Nem mesmo cochilava. Estava apenas de olhos fechados, enjoada de tanto clamar por coisas que nunca apareciam. De repente, abriu a boca e o bico.

Quem perde, quem ganha

Os perdedores são os alvos mais visíveis do poder. Dilma Rousseff, em primeiro lugar. Por simbolizar a força máxima. Caiu 27 pontos em 3 semanas na avaliação positiva, 9 pontos por semana, um índice extraordinário. Os governadores Geraldo Alckmin e Sérgio Cabral, os prefeitos Fernando Haddad e Eduardo Paes, também caíram bastante, por serem os comandantes dos lugares onde as movimentações ganharam mais força e visibilidade. Alckmin tenta atenuar os efeitos da queda com medidas de gestão, enxugamento da máquina, venda de equipamentos. Não será fácil aos governantes fugir ao tiroteio.

Dilma, o alvo maior

A presidente Dilma Rousseff assumiu um risco de monta. Ao propor a reforma política por meio de um plebiscito, chamou a si toda a responsabilidade pelo êxito e/ou fracasso das demandas do momento. Impõe uma agenda política para o Congresso quando as demandas das galeras cobrem muitas áreas, sendo a frente política apenas uma delas. E as questões da mobilidade urbana, da saúde, da educação, da segurança pública ? Promessas de melhoria nessas frentes só darão resultado no médio e longo prazos. E se a reforma política for um remendo mal costurado na ampla malha de reivindicações ? Dilma dá um salto no escuro. São fortes no PT os apelos para que o presidente Lula volte a considerar seu nome no páreo de 2014.

Lula, volta ou não ?

Luiz Inácio está calado e fora do país. É conveniente que não circule nas praças cheias de gente. Por enquanto. À boca pequena, petistas torcem por sua volta. Fala-se em 85% dos quadros do partido. Mas é claro que eventual retirada de Dilma para seu reingresso na arena da disputa equivaleria a uma derrota dele mesmo, Lula, eis que seria um reconhecimento de que a candidata falhou no comando do poder. Por isso, é razoável apostar que Dilma continuará firme como candidata. Lula, sim, deverá voltar às ruas para encabeçar um movimento em defesa da presidente. Hipótese a conferir.

Oposições tomam fôlego

As oposições disfarçam, mas estão comemorando o grito das ruas. Enxergam, agora, possibilidade concreta de romper os bastiões do PT e, unidas, tomar o poder em 2014. As somas das intenções de voto em Marina, Aécio e Eduardo Campos chegam, hoje, aos 47% da intenção de voto. Com garantia, portanto, que a campanha iria para o segundo turno. Mas daqui até outubro de 2014, as águas poderão mudar de curso, melhorando para uns e dificultando a navegação para outros.

Os obstáculos

Pela ordem, as dificuldades da presidente Dilma abrigam as seguintes áreas : desemprego - país deixa a situação de harmonia na frente da empregabilidade para enfrentar zonas de turbulência; inflação - aumento da inflação, pegando principalmente os produtos da cesta básica; saúde - continuidade do descalabro nos estabelecimentos públicos de saúde, com imagens de corredores abarrotados de camas; educação de má qualidade - os velhos problemas trazidos à tona pela deteriorada malha educacional; segurança pública - estampas de crimes bárbaros cometidos em série nas grandes cidades. Nesse cenário, a presidente Dilma andará por um calvário, podendo faltar fôlego para chegar à ultima estação.

Recíproca é verdadeira

Se tudo correr bem nas áreas acima enumeradas, Dilma chegará bem na dianteira na fronteira de outubro de 2014.

Plebiscito

A presidente encaminhou ao Congresso a sugestão do plebiscito. Dentre a questões a serem formatadas para efeito de campanha pública, a mais complexa diz respeito ao sistema de voto. O eleitorado, mesmo sob bateria de esclarecimentos, vai ter dificuldade de compreender o que é voto distrital (puro, misto), diferente do voto proporcional, como o de hoje. O financiamento público de campanha vai encontrar barreiras para ser aprovado. A figura do suplente do senador deverá ser extinta. O segundo mais votado assume o posto de senador, em caso de morte ou impedimento do titular. Voto aberto deverá ser aprovado, na onda de transparência cobrada pela sociedade, apesar de se justificar o voto secreto em determinadas circunstâncias. Quando, por exemplo, for votada matéria polêmica de interesse do Executivo. Que pode punir parlamentares que votem contra seus interesses.

Galeria de interrogações

1. Alckmin

Terá muitas dificuldades para se reeleger. A polarização PT versus PSDB está apodrecendo. Alckmin não construiu uma identidade. O governador é ótima pessoa. Mas é um político isolado. Não tem assessoria de qualidade. Sofre da síndrome do "Eu, Sozinho".

2. Aécio

Ainda não construiu um discurso para o país. Tem feito diagnósticos. Não passa disso. Está na cola de Fernando Henrique. Mas o ex-presidente, schollar e bem articulado, não é capaz de liderar massas. É bom em bastidor, não na mobilização de multidões. Aécio pode se dar em MG, mas não tem penetração em SP, o maior contingente eleitoral do país.

3. Campos

Eduardo Campos não mostra a força que dizem ter no Nordeste. Seu índice é muito baixo. Encontra problemas no próprio partido. E, ainda por cima, continua indefinido. Não se sabe se seu amigo Luiz Inácio o segurará na base de apoio a Dilma. Exibe a estampa mais estética dos perfis.

4. Marina

Cresceu bem nos últimos tempos porque é o perfil menos contaminado pela enxurrada da velha política. Asséptica, suave, mas não teria estrutura para atravessar um oceano cheio de surpresas. E tempo de rádio e TV ? Será que as redes sociais supririam suas carências ? Os jovens continuariam a cantar loas no seu altar ?

5. Lula

Perfil mais carismático do país, o ex-presidente não teria as facilidades d'outrora. O PT está muito combalido. Parcela razoável do tiroteio que se destina ao partido bateria também nele. Continua arregimentando as margens sociais, mas é visível seu desgaste nos segmentos do meio da pirâmide, mesmo considerando que contingentes da classe C ingressaram nesse circuito. O tom crítico contra Luiz Inácio se adensa. Mas ele tem o coringa nas mãos. O coringa do carisma.

6. Pezão

O vice-governador, Luiz Fernando Pezão, é um perfil pesado. Aparece em todas as fotos, ao lado de Cabral, Eduardo Paes e até da presidente Dilma. Mas não cresce nos índices de pesquisa. Não tem boa imagem. Uma campanha eleitoral o elevará ? É possível. Mas o efeito Cabral pode segurá-lo.

7. Skaf

Paulo Skaf, presidente da FIESP/CIESP, é a surpresa desses momentos de tensão social e primeiros balancetes pré-eleitorais. Cerca de 20% de intenção de voto. Perfil de trator, realizador, pró-ativo, um passo adiante da velha política. Pode ser a alavanca que o PMDB precisa para resgatar sua história em SP.

8. Padilha

Não tem o que mostrar. Essa ideia de importar médicos cubanos não tem boa acolhida no meio médico. Piadas chovem sobre os médicos cubanos no Brasil. Padilha é o nome de Lula para candidato ao governo de SP. Mas, se ficar abaixo dos dois dígitos nos próximos meses, poderá sair da rota, com o PT fazendo aliança com um candidato de outro partido.

9. Russomano

Tem perfil populista, mas deverá ser candidato a deputado para puxar a bancada de Federais de seu partido, o PRB. Deverá apoiar o governador Alckmin.

10. Lacerda

Márcio Lacerda, prefeito de BH, do PSB, será candidato em MG ? Aécio e o governador Anastasia o apoiarão ? Seria um nome competitivo.

O verbo não "vareia"

A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens".

- Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa.

- Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia".

Conselho aos pré-candidatos

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos políticos e governantes. Hoje, dedica sua atenção aos pré-candidatos no pleito de 2014 :

1. Passarinho na muda não pia. Muito cuidado com a farta expressão nesse momento de intensa movimentação social. Apurem os ouvidos.

2. Ajustem os canais de articulação política, na esteira das sondagens, conversas e interlocuções que se multiplicam nos corredores dos Poderes.

3. Procurem entender bem o que se passa no universo social, avaliando os inputs nas frentes das reivindicações e demandas.