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Da manutenção e da reintegração de posse

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Atualizado às 09:38

Jorge Amaury Maia Nunes

O legislador de 2015 não inovou em nada na abertura da seção II, que cuida da manutenção e da reintegração de posse. Os artigos 560, 561 e 562 são cópia fiel dos artigos 927, 927 e 928 do Código de 1973.

Assim, continuam inteiramente válidas as lições da doutrina a respeito das possessórias no Código de 1973.

Como apontado, entretanto, no primeiro artigo que escrevemos sobre as ações possessórias, é preciso ter presente que, sem embargo da necessidade de estudar a doutrina da posse, convém não descurar do direito positivo que a rege, mormente porque as lições dos próceres do direito que mais se empenharam no exame do tema não foram inteiramente acolhidas no nosso direito civil codificado.

Com Adroaldo Furtado Fabrício, estamos em que posse é fato (isso parece incontrastável), situação ou estado de fato; mas fato, acrescentamos, protegido pelo direito.

Exatamente por isso, i.e, exatamente por ser algo protegido e protegível pelo direito, a qualificação da posse como tal deve ser encontrada no Código Civil brasileiro. É importante, por isso, rememorar o tratamento que era dado à proteção da posse no nosso primeiro Código Civil, de 1916. Mero detentor não era considerado possuidor e nem induziam posse os atos de mera permissão ou tolerância, bem como não autorizavam a sua aquisição os atos violentos ou clandestinos, senão depois de cessada a violência ou a clandestinidade (art. 497, reproduzido no art. 1.208 do Código Civil de 2002).

Com o advento do Código Civil de 2002, parece que ficou bem delimitado que, no campo da proteção possessória, se verifica quem tem a posse (jus possessionis) não o direito a ela (jus possidendi). Isso, entretanto, não tem o condão de afetar a possibilidade de discutir-se, no âmbito de ação possessória, a qualidade negativa da chamada posse injusta (obtida mediante violência, ou de forma clandestina), por meio da exceptio viciosae possessionis, ofertada pelo lesado contra o possuidor que assim a obteve. De fato, o art. 1.211 do Código Civil de 2002 deixa expresso: quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.

Da mesma sorte, o novo Código Civil foi mais claro na separação da posse direta em relação à posse indireta e na afirmação da defesa possessória que o possuidor direto pode exercer em relação ao segundo. Fê-lo nestes termos: Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

Por outro lado, e ingressando no exame mesmo dos procedimentos possessórios, o art. 560 do novo Código de Processo de 2015 repete a proteção do velho Código de 1973: manutenção no caso de turbação e reintegração no caso de esbulho. A compreensão clara dos dois remédios, fungíveis entre si, é importante, embora, na prática, a fungibilidade decorra exatamente do fato de que nem sempre é possível perceber as zonas de discrímen quando se está diante do caso concreto. Diz-se que ocorre o esbulho (a ofensa, digamos assim, mais pesada) quando o possuidor é afastado do exercício da posse que até então exercia (não esqueçamos que a posse é uma situação ou estado de fato, um poder de fato); a turbação, menos pesada, não subtrai do possuidor a totalidade do exercício da posse, mas impede esse exercício na sua integralidade, diminui, limita o exercício da posse. A terceira e menos grave das ofensas, a ser tratada mais adiante, é a ameaça da posse. Ainda que menos grave, do conjunto de gestos e palavras, o possuidor deve poder perceber que a turbação ou esbulho de sua posse é iminente.

Caminhando para o art. 561 do CPC/15: na petição inicial da ação possessória, o autor da ação deve indicar e provar, com os meios de que dispuser, (i) a sua posse; (ii) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; (iii) a data da turbação ou do esbulho; e (iv) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse na ação de reintegração. Já foi dito, na semana passada, que o Código de Processo de 2015 manteve a ideia das ações de força nova (intentadas em dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho) para que possam ser aviadas sob o rito das possessórias. Após esse prazo, seguirão o procedimento comum do Código.

Satisfeitas essas exigências de forma adequada, com a prova igualmente adequada, o magistrado a quem for distribuído o feito estará autorizado a deferir a proteção liminar, inaudita altera parte, com a expedição do mandado de manutenção ou de reintegração, conforme o caso. É certo, trata-se de cognição exercida ainda de forma incompleta, não totalmente verticalizada, a exemplo das tutelas provisórias incidentais (mas que com elas não se confunde, porque diferentes os pressupostos para concessão de umas e outra), mais particularmente a tutela provisória de urgência, antecipada incidental, de que cuida o CPC de 2015, nos arts. 294 e seguintes.

Na hipótese de não ter sido cumprida a contento a exigência codificada, não será o caso, ainda, de determinar a adoção de alguma medida processual em desfavor do autor. O magistrado haverá de determinar que o autor justifique previamente o alegado, já agora com a citação do réu para que compareça à audiência que for designada. Aqui, vale anotar um dissenso doutrinário. Adroaldo Furtado Fabrício, ao comentar o art. 928 do CPC/73 , em tudo e por tudo igual ao art. 562 do CPC/15, entendeu que a audiência de justificação somente é possível, somente pode ser realizada, se tiver havido prévio requerimento do autor da possessória, ao aviar a petição inicial. O juiz não poderia, diz o comentador do Código, agir ex officio. Pensamos que assim não se dá. Ao juiz é dado (é uma inerência da jurisdição audiere), sempre que achar necessário, ouvir as partes em audiência. Outras vezes, a lei lhe impõe isso. Não fica, em nenhuma circunstância, jungido, para a realização da audiência de justificação, a um prévio requerimento da parte.

Convém ficar claro que a audiência de justificação é realizada para que o juiz obtenha informações adicionais do autor que o autorize a decidir exclusivamente sobre a proteção liminar. Não é o momento, ainda, de ouvir o réu, nem de ouvir testemunhas por ele arroladas. Isso parece mais ou menos assentado em sede de doutrina. Há de ser considerado, entretanto, que a citação do réu para essa audiência precisa ser útil, precisa ter uma finalidade qualquer. Assim, embora não lhe seja dado, ainda, produzir suas próprias provas, é necessário que se lhe permita efetiva participação naquele ato processual, seja por meio de contradita das testemunhas arroladas pelo autor, seja por meio de reinquirição dessas mesmas testemunhas, com o fito de tentar demonstrar eventuais equívocos, contradições ou, mesmo, inverdades no quanto por elas manifestado ao juiz da causa.

Se, após a realização da audiência de justificação, o magistrado se convencer da existência dos elementos necessários para tanto, fará expedir em favor do autor o competente mandado de manutenção ou de reintegração.

Quando a postulação é aviada contra pessoas jurídicas de direito público a proteção liminar, diz o parágrafo único do art. 562, fica condicionada à prévia oitiva dos respectivos representantes judiciais.

Questão interessante que pode vir a ser suscitada tem pertinência com a recorribilidade da decisão que deferir a proteção liminar em ações possessórias que tenham sido propostas dentro de ano e dia, contados da turbação ou do esbulho. Explica-se: sob a égide do novo CPC, o recurso de agravo de instrumento não mais é manejável contra toda e qualquer decisão interlocutória. O legislador optou por eliminar o critério universalizante adotado pelo CPC/73 que permitia o cabimento de recurso contra todas as decisões interlocutórias (somente diante de exceções expressas, podia haver a irrecorribilidade. Normalmente o legislador utilizava a expressão "em decisão irrecorrível", como o fez no art. 543-A). Para simplificar, cabia agravo de instrumento de todos os atos praticados pelo juiz de primeiro grau (que não fossem sentença) que tivessem conteúdo decisório e que gerassem ou pudessem gerar preclusão.

Com o novo Código, o cabimento do recurso de agravo de instrumento passou a depender de expressa indicação do legislador No caso, o art. 1.015 dispõe que o AI é viável contra decisões interlocutórias que versarem sobre ... (e seguem onze hipóteses específicas, mais uma vetada pela Presidência da República, e uma genérica "outros casos expressamente referidos em lei). Pois bem, nas hipóteses de que cuida o art. 1.015, a que mais se aproxima da hipótese de que tratamos aqui é a contida no seu inciso I, que prevê o cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias que versarem sobre tutelas provisórias. De fato, como indicamos linhas acima, a tutela liminar deferida nas ações possessórias não se confunde, até pela diversidade de requisitos para concessão, com as tutelas provisórias de que tratam os artigos 294 e seguintes deste código.

Não faltará, em razão disso, quem afirme não caber agravo de instrumento contra a decisão de que trata o art. 563 do CPC 2015, que versa sobre concessão de mandado liminar de manutenção ou reintegração de posse. O tempo certificará o que acaba de ser dito. A nosso pensar, a eventual dúvida deve ser resolvida em favor do cabimento do recurso do agravo de instrumento.

O art. 564, subsequente, assevera que, concedida ou não a proteção liminar, o autor promoverá, nos cinco dias posteriores, a citação do réu para, querendo, oferece contestação no prazo de quinze dias. Aqui, convém observar duas interessantes questões. A primeira, relativa ao procedimento. É que, no código pretérito, e após a fase inicial, ocorria a chamada ordinarização do procedimento possessório. No novo, fica claro que toda a fase conciliatória do procedimento comum, estabelecida no art. 334, não tem espaço nas ações possessórias. A segunda, relativa à expressão "promova a citação", motivo de repulsa, por pouco clara, em relação ao Código de 1973. Não por outro motivo, a redação do § 2º do art. 219 do CPC/73 (Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subsequentes ao despacho que a ordenar.) foi substituída, no art. 249, º 2º do CPC/15, por esta: Incumbe ao autor adotar, no prazo de 10 (dez) dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no § 1º (interrupção da prescrição).

O que se quer deixar acentuado é que o autor não promove a citação do réu na ação possessória, apesar do que diz o texto da lei. Promover a citação é, por enquanto, ato do Estado. Ao autor cabe apenas fornecer os dados que permitam a realização do ato processual de que se trata.

Ainda no que concerne ao prazo para contestar, o parágrafo único, em norma clara, deixa evidenciado que, se houver audiência de justificação prévia, esse prazo será contado da data da intimação da decisão que deferir ou não a medida liminar.

Novidade, de boa qualidade, é o tratamento dispensado pelo art. 565 às ações possessórias que envolvam litígio de natureza coletiva. Nessa hipótese e se o esbulho ou turbação alegado na petição inicial datar de mais de ano e dia, hipótese em que a ação possessória cai no rol das chamadas ações de força velha, o magistrado somente examinará o pedido de concessão da proteção liminar após haver realizado ou tentado realizar audiência de mediação (dentro do prazo de 30 dias), observado o disposto nos §§ 2º e 4º do artigo em questão.

Se, por um lado, a novidade é boa, por outro, é bastante criticável porque a topologia da norma e a remissão feita no § 1º diminui o âmbito de incidência desejável.. Sem embargo disso, vamos ao que dizem os §§ 2º e 4º, que deveriam estar lançados antes do parágrafo primeiro. O § 2º cuida da necessidade de intimação do Ministério Público para a audiência de mediação, outro tanto devendo ocorrer com relação à Defensoria Pública, se houver parte beneficiária de justiça gratuita. O § 4º abre a possibilidade de intimação dos órgãos responsáveis pelas políticas agrária e urbana das pessoas públicas que compõem a Federação brasileira para que se manifestem sobre eventual interesse no processo e sobre a possibilidade de solução para o conflito.

Somente após esses dois parágrafos, deveria ter sido lançado o § 1º e sem a invocação dos §§ 2º e 4º.. Explica-se: o caput cuida de audiência de mediação para ação de força velha. A essa audiência é que devem ser intimados o Ministério Público e a Defensoria Pública, quando o litígio ainda não está tão cristalizado, sedimentado.

O § 1º cuida de nova audiência de mediação, realizável após um ano da distribuição, se tiver sido concedida a liminar, e esta permanecer não cumprida. Somente para essa é que se cogitou das intimações. Ora, as chances de êxito serão muito menores (em decorrência da sedimentação das posições). No momento inicial, seria muito mais proveitosa a participação dos entes mencionados nos §§ 2º e 4º.

No Código, foi tratado em apartado (Seção III) o interdito proibitório, em dois artigos, apenas para dizer que tanto o possuidor direto, quanto o indireto (e dos dois já fizemos menção em outro momento) que tenha justo receio de ser molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou do esbulho iminente, mediante mandado de interdito proibitório.

A tutela interdital deferida pelo magistrado pode vir reforçada de preceito cominatório para o caso de transgressão do quanto contido no mandado judicial. No mais, o procedimento do interdito proibitório segue, exceptis excipiendis, as regras relativas à reintegração e manutenção de posse.

Na terça que vem, Guilherme Pupe da Nóbrega estará com vocês
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1 Comentários ao Código de Processo Civil, Volume VIII, tomo III: arts. 890 a 945. Rio de Janeiro: Forense, 8ª. edição, 2001, p. 461.

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