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TJ/SP mantém decisão que anula parecer prévio do TCE/SP sobre as contas de Mauá/SP

O TJ/SP manteve decisão que anulou parecer prévio do TCE/SP sobre as contas de Mauá/SP por violação dos princípios do contraditório e do devido processo legal, diante da ausência de citação pessoal do responsável.

Da Redação

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Atualizado às 08:28


Contas municipais

TJ/SP mantém decisão que anula parecer prévio do TCE/SP sobre as contas de Mauá/SP

O TJ/SP manteve decisão que anulou parecer prévio do TCE/SP sobre as contas de Mauá/SP por violação dos princípios do contraditório e do devido processo legal, diante da ausência de citação pessoal do responsável.

A ação foi proposta por Oswaldo Dias contra a Fazenda do Estado de São Paulo, aduzindo que teve suas contas referente ao ano de 2004 julgadas irregulares, sem que o requerente tivesse sido instado pessoalmente a manifestar-se sobre o Relatório de Auditoria e sem acesso aos documentos em poder da Municipalidade.

Segundo Rebouças Carvalho, relator do processo, "demonstrada a existência de ilegalidade no julgamento das contas, decorrente de ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF (clique aqui)), impõe-se a invalidação de todo o processo legislativo de tomada de contas perante o TCE bem como invalidar o ato jurídico proveniente do Poder Legislativo de Mauá".

O então prefeito de Mauá, responsável pelo município na época de 2004, foi defendido por Igor Tamasauskas, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados.

  • Confira abaixo o acórdão na íntegra.

_____________

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 990.10.060138-5, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO sendo apelado OSWALDO DIAS.

ACORDAM,_ em 9a Câmara de ..Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DÉCIO NOTARANGELI (Presidente sem voto), GONZAGA FRANCESCHINI E ANTÔNIO RULLI.

São Paulo, 19 de maio de 2010.

REBOUÇAS DE CARVALHO

RELATOR

VOTO N° 4655

APELAÇÃO CÍVEL N° 990.10.060138-5

COMARCA: SÃO PAULO

APELANTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELADO: OSWALDO DIAS

AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - Tribunal de Contas do Estado que apontou irregularidades no Relatório de Auditoria referente ao exercício de 2004 de seu mandato como prefeito - Embora ordenada a expedição de notificação para o autor apresentar defesa, não há prova nos autos de que tenha recebido referida notificação antes da decisão final do TCE - Dentre as garantias processuais a Constituição Federal consagra a plenitude do direito de defesa ao estabelecer que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5o, LV, CF, e art. 4o CE) - Preliminar de falta de interesse de agir repelida - Ofensa ao principio do contraditório e ampla defesa que implica em invalidação de todo o processo legislativo de tomada de contas perante o TCE, bem como invalidação do ato jurídico proveniente do Poder Legislativo de Mauá, como decidido na r. sentença - Sentença mantida - Honorários advocatícios fixados com parcimônia - Recurso não provido.

Cuida-se de ação declaratória de nulidade proposta por Oswaido Dias em face da Fazenda do Estado de São Paulo, aduzindo que teve suas contas referente ao ano de 2004 julgadas irregulares, sem que o requerente tivesse sido instado pessoalmente a manifestar-se sobre o Relatório de Auditoria e sem acesso aos documentos em poder da Municipalidade, o autor tentou, sem sucesso, recorrer da decisão Ato continuo, o processo administrativo foi encaminhado à Câmara Municipal de Mauá, a fim de que as contas fossem julgadas pelos vereadores, e o autor foi notificado para apresentar sua defesa para contraditar os argumentos técnicos do TCESP. Antes mesmo dessa notificação para apresentação da defesa, a Comissão de Finanças da Câmara Municipal já havia proferido parecer supostamente técnico pela rejeição das contas do autor.

Assim, a Câmara deu um parecer pela rejeição das contas do autor antes mesmo de sua manifestação, fundamentando-o tão somente na inexistência de capacidade técnica da edilidade para analisar os argumentos de defesa do requerente Alega que impetrou dois mandados de segurança, com a obtenção de liminares, bem como aforou ação rescisória que não mereceu prosseguimento. Dessa forma, restou patente a manifesta violação ao procedimento previsto (notificação do interessado), bem como o cerceamento de defesa decorrente, postulando seja julgada procedente a ação a fim de se confirmar a necessidade de observância dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório durante o processamento do parecer prévio das contas do requerente e consequentemente, determinando-se a anulação do parecer do TCESP, a respeito das contas de 2004, da Prefeitura Municipal de Mauá, em razão da manifesta nulidade decorrente da inobservância dos preceitos constitucionais.

A r. sentença de fls 782/797, cujo relatório adoto, julgou procedente a pretensão inicial para. a) invalidar todo o processo legislativo de tomada de contas perante o TCE pela ausência de respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, como previsto na Súmula Vinculante n° 03 do STF; b) invalidar o ato jurídico proveniente do Poder Legislativo de Mauá, publicado no D.O.E. do dia 07 de maio de 2008, a fl.42, referente ao "TC -001877/026/04", por dar ao artigo 76 da Lei n° 709/93 interpretação divorciada da Constituição Republicana.

Condenou o requerido no pagamento das custas e honorários de sucumbência da parte contrária fixada em R$ 1.000,00 (hum mil reais).

Inconformada, apela a Fazenda do Estado de São Paulo (fls 800/816), argumentando, inicialmente, a falta de interesse processual, pois a decisão do Tribunal de Contas não tem caráter sancionatório, visto que deflui de mero exercício de fiscalização (auditoria) daquele órgão, de forma que tal decisão não reduz ou extingue qualquer direito do apelado, tratando-se de mera apuração acerca de fatos, desprovida de sanção No mérito, alega que é inútil a tentativa do autor de ir ate o Judiciário com o objetivo de anular a decisão legalmente proferida

pelo Tribunal de Contas, no âmbito de competência que lhe é afeto, pois o objetivo do autor é rever o mérito do ato administrativo, tarefa que refoge à competência do Judiciário, pois somente cabe a este o papel de analisar o ato sob o aspecto de sua legalidade. Adiante, elencou a apelante todas as irregularidades encontradas nos autos do processo TC-1877/026/04, que tratou sobre as contas de 2004 da Prefeitura Municipal de Mauá, que regularmente notificada, conforme publicação no DOE datada de 30 de setembro de 2005, encaminhou suas justificativas, bem como o apelado, que interpôs recurso ordinário, oposição de embargos de declaração, indeferidos liminarmente, agravo, ação de rescisão de julgado, não havendo que alegar cerceamento de defesa Por fim, postulou a redução da verba honorária, invocando o artigo 20, §4, do CP C , pois entende ser exorbitante a quantia fixada (100% do valor atribuído à causa).

Recurso recebido, atribuindo somente o efeito devolutivo (fl 844) e contrariado (fls. 846/858).

É o relatório.

Apelação cível n° 990 10 060138-5 - Voto n° 4655

A preliminar de falta de interesse de agir, não merece subsistir. Com efeito, o direito de agir, direito de ação, é distinto do direito material a que visa tutelar e se reputa presente sempre que a medida judicial aforada se mostra necessária e adequada à tutela do interesse primário contido na pretensão Mas com este não se confunde, pois se reveste de autonomia, "é um interesse secundário, instrumental, subsidiário, de natureza processual, consistente no interesse ou necessidade de obter uma providência jurisdicional quanto ao interesse substancial contido na pretensão" (Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 1o Volume, Saraiva, 1981, pág. 173)

No caso vertente concorre o interesse de agir, pois a ação anulatória atende ao binômio necessidade-adequação, mostrando-se cabível para tutela do interesse contido na pretensão, vale dizer, para anulação do ato acoimado de ilegal, requerendo a correção de ato administrativo no que tange a validade e legalidade do procedimento que lhe deu origem, tal como o desrespeito às garantias fundamentais como cidadão e administrado.

No mérito, fica mantida a r sentença.

Dentre as chamadas garantias processuais a Constituição Federal consagra a plenitude do direito de defesa ao estabelecer que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5o, LV).

Similarmente, a Constituição Estadual também não deixa dúvidas sobre o tema ao dispor que "nos procedimentos administrativos, qualquer que seja o objeto, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido processo legal, especialmente quanto à exigência da publicidade, do Apelação cível n° 990 10 060138-5 - Voto n° 4655 contraditório, da ampla defesa e do despacho ou decisão motivados" (art 4º, grifei)

E embora os Municípios disponham de autonomia política, legislativa, administrativa e financeira para se auto-organizar, estão obrigados à observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (art. 144 CE), dentre os quais se incluem os que asseguram o devido processo legal (art 5o, LIV, CF), o contraditório e a ampla defesa (art. 5o, LV, CF).

No caso em tela, o autor da presente ação alegou que foi cerceado em seu direito de se defender de decisão do Tribunal de Contas do Estado acerca de parecer emanado sobre as contas do ano de 2004.

E embora alegue a Fazenda do Estado de São Paulo, de não se tratar de processo judicial ou administrativo, mas de mero exercício de fiscalização (auditoria) do TCE, mera apuração de fatos sem caráter sancionatóno, e que não cabe ao Judiciário a revisão do mérito administrativo, o fato preponderante é que à luz dos documentos acostados nos autos, vislumbra-se a inaphcabilidade do princípio do contraditório e da ampla defesa, visto que o ora autor somente foi notificado para se defender após a decisão final do Tribunal de Contas do Estado.

Consoante a doutrina de Hely Lopes Meirelles, quanto aos Municípios, suas contas são julgadas pelas próprias Câmaras de Vereadores, "com o auxilio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (art. 31, §1°), deixando de prevalecer o parecer prévio, emitido pelo órgão competente, por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal (art. 31, §2°).

Criou-se, assim, para as contas municipais, um sistema misto em que o parecer prévio do Tribunal de Contas ou do órgão equivalente é vinculante para a Câmara dos Vereadores até que a votação contra esse mesmo parecer atinja dois terços de seus membros, passando, dai por diante, a ser meramente opinativo e rejeitável pela maioria qualificada do Plenário. Portanto, o parecer do Tribunal ou órgão de contas vale como decisão enquanto a Câmara não o substituir por seu julgamento qualificado pelo quorum constitucional.

Mesmo no controle legislativo, havendo litígio, deve-se observar a garantia da defesa e do contraditório. Por isso, a Casa Legislativa, para aprovar a rejeição das contas, deve, antes da aprovação do parecer pela rejeição, assegurar aquela garantia" (Curso de Direito Administrativo, 33° edição, Malheiros, pág. 707).

Somente consta do feito a notificação expedida pela Câmara Municipal de Mauá ao ora autor, para apresentar defesa (fls. 186/188), inexistindo a notificação para defesa perante o Tribunal de Contas do Estado, não obstante sua determinação Insta observar que a Municipalidade de Mauá apresentou suas justificativas sobre os apontamentos da auditoria realizada pelo TCESP (fls. 510/511 e 512/513).

E como afirmou o d magistrado sentenciante, se o autor recebeu referida notificação sobre os apontamentos constantes do Relatório de Auditoria de fls 44/153, não se desincumbiu a Fazenda do Estado em provar que expediu referida notificação. Daí porque essencial a observância do "contraditório e da ampla defesa perante o órgão competente para o julgamento das contas, seja para manutenção ou reversão do aludido parecer

E sendo que o juízo de mérito - aprovação ou desaprovação das contas - se reveste, à evidência, de cunho político, deve ser exercido de forma regrada no âmbito de processo no qual sejam assegurados os princípios constitucionais, visto que processo de tomada e julgamento das contas se reveste de caráter punitivo, pois pode implicar na inelegibilidade do administrador público. Portanto, não há dúvida de que se sujeita à observância do disposto no art. 5o, LV, CF.

Pertinente transcrever a r. sentença quando faz referida análise

"No caso sub-judice, o que fica aparente é que, de fato, foi ordenada a notificação dos interessados, mas tão somente após a decisão do TCE. Não tendo ocorrido a expedição da notificação antes da decisão final do TCE, a remessa do processo finalizado à Câmara dos Vereadores não tem o condão de sanar os vícios administrativos em tese decorrentes.

Trata-se, em última análise, de caso de invalidade do processo administrativo que não aceita convalidação por ato administrativo posterior, produzido por autoridade hierarquicamente superior àquela que deixou de expedir as notificações quando ordenado.

Isto porque esta interpretação depõe contra o artigo 5o, inciso LV da CR, cerceando o direito de contraditório e ampla defesa do autor durante a apuração técnica de suas contas".

Portanto, demonstrada a existência de ilegalidade no julgamento das contas, decorrente de ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 5o, LV, CF), impõe-se a invalidação de todo o processo legislativo de tomada de contas perante o TCE/bem como invalidar o ato jurídico proveniente do Poder Legislativo de Mauá, publicado no DOE de 07 05.2008 (fl 42)

No tocante aos honorários advocatícios, melhor sorte não assiste à ora apelante Ao arbitrar os honorários, o Juízo "a quo" agiu com razoabilidade e ponderação, atendendo ao disposto no artigo 20, § 4o do Código de Processo Civil, não vislumbrando falta de parcimônia em fixá-los em R$ 1 000,00 (hum mil reais), valor este que não se mostra exorbitante.

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

Rebouças de Carvalho

Relator

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