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Contra invasões

Leia o editorial do jornal do Estado de S. Paulo de hoje

Da Redação

segunda-feira, 2 de maio de 2005

Atualizado às 08:55

 

Contra invasões

 

Leia abaixo o editorial do jornal O Estado de S. Paulo de hoje, sobre os abusos da PF ao invadirem os escritórios de advocacia de SP e do RJ.

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Os abusos da PF

 

Responsável por um dos poucos setores em que o governo do PT vem conseguindo apresentar resultados positivos, além da área econômica, a Polícia Federal (PF) acaba de ser acusada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de estar recorrendo à violência, grampos telefônicos, violação de sigilo dos profissionais de direito e outros métodos ilícitos para fazer investigações e colher provas. A denúncia é grave e foi encaminhada esta semana ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Advogado criminalista, ele presidiu a entidade nos anos 80, quando o então ministro da Justiça atendeu à sua exigência de que um representante da Ordem estivesse presente nas diligências policiais que envolviam integrantes da corporação.

 

Segundo a OAB, nas suas ações contra o crime organizado, nos últimos meses a PF obrigou 12 escritórios de advocacia de São Paulo e outros 5 do Rio de Janeiro a abrirem seus arquivos. Beneficiados por mandados de busca e apreensão concedidos pela Justiça, os agentes recolheram documentos confidenciais, levaram disquetes e até computadores. Em todas essas ocasiões, os policiais se concentraram, basicamente, em papéis relativos a clientes envolvidos em inquéritos com grande repercussão jornalística.

 

Esse desrespeito ao sigilo profissional dos advogados e essa afronta ao direito de defesa de seus clientes configuram "abusos contra o Estado Democrático de Direito", diz o documento da OAB. "É preciso dar um basta a esta violência", afirmam os diretores da entidade. Segundo eles, até no período mais sombrio da ditadura militar, quando nem precisava de mandado judicial para agir, a polícia desrespeitou o princípio da inviolabilidade do relacionamento entre cliente e advogado. Em sua defesa, a PF alega que as diligências são devidamente autorizadas por juízes.

 

É justamente esse o nó da questão. De fato, a Justiça autorizou a PF a realizar essas operações. Mas, com freqüência - e isso ocorreu no caso dos escritórios de advocacia -, os mandados de busca e apreensão são solicitados em termos bastante vagos. Em vez de especificar com clareza o fundamento e o objeto de cada uma das buscas, como determina a legislação processual, os delegados apresentaram pedidos excessivamente genéricos. E há juízes que os deferem, apesar da falha formal. Diante de tanta imprecisão, não há limites para a ação policial, o que permite a agentes sequiosos de publicidade realizar missões com grande estardalhaço, acompanhados de equipes de televisão, durante as quais chegam a se apropriar de documentos de pessoas que nada têm a ver com os casos sob investigação.

 

Muitas vezes, por causa dos abusos cometidos, quando policiais truculentos são tratados pela mídia como heróis e advogados e clientes são apresentados como bandidos, os Tribunais de Justiça acolhem os recursos impetrados por estes últimos, ordenando a evolução dos documentos recolhidos. Mas, em termos morais, o estrago está feito.

 

Além da humilhação pública a que foram submetidas, pois muitos jornalistas, locutores de rádio e apresentadores de televisão não perdem a oportunidade de dar seu "veredicto", as vítimas podem ficar com sua imagem maculada pelo resto da vida. E sua absolvição ao término do processo, quando eventualmente é noticiada, raramente é tratada com o mesmo destaque da denúncia.

 

Os profissionais do direito optaram pelo procedimento mais lógico e sensato, ao denunciar ao ministro da Justiça os excessos da PF. Depurada de sua banda podre, após uma importante faxina promovida por seu atual diretor, Paulo Lacerda, a PF teve atuação louvável em vários casos, como no desbaratamento de uma audaciosa quadrilha especializada em vender sentenças e fazer tráfico de influência, na Justiça Federal de São Paulo. Foi graças à Operação Anaconda que o Judiciário conseguiu afastar o juiz João Carlos da Rocha Mattos de seus quadros e ordenar sua prisão, juntamente com a de seus cúmplices, entre eles um delegado da própria PF.

 

Esse desempenho, porém, não a autoriza a ferir prerrogativas profissionais consagradas em lei para a proteção de direitos essenciais, interferindo no relacionamento do advogado com quem bate nas suas portas, em busca de seus serviços. Agindo com a preocupação de parecer sob os holofotes da mídia, a PF estará comprometendo sua credibilidade.

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