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Instituição bancária não pode reter salário de cliente para cobrir saldo devedor

A 15ª câmara Cível do TJ/PR manteve, por unanimidade de votos, a sentença do juiz da 3ª vara Cível da comarca de Ponta Grossa, Guilherme Frederico Hernandes Denz, que determinou ao Banco Santander S.A. que se abstenha de reter qualquer quantia do salário de uma cliente - depositado por seu empregador naquela instituição financeira - para cobrir saldo devedor de conta-corrente, sob pena de aplicação de multa no valor de R$ 500 por dia de descumprimento.

Da Redação

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Atualizado às 08:31


Proibição

TJ/PR - Instituição bancária não pode reter salário de cliente para cobrir saldo devedor de conta corrente

A 15ª câmara Cível do TJ/PR manteve, por unanimidade de votos, a sentença do juiz da 3ª vara Cível da comarca de Ponta Grossa, Guilherme Frederico Hernandes Denz, que determinou ao Banco Santander S.A. que se abstenha de reter qualquer quantia do salário de uma cliente - depositado por seu empregador naquela instituição financeira - para cobrir saldo devedor de conta-corrente, sob pena de aplicação de multa no valor de R$ 500 por dia de descumprimento.

O desembargador Jurandyr Souza Jr. relator do processo, entendeu que "não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta-corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo".

Inconformado com a decisão de primeiro grau, o Banco Santander S.A. interpôs recurso de apelação alegando: a) ausência de trânsito em julgado em razão da pendência de julgamento de recurso especial; b) incoerência entre a decisão proferida no AI e a sentença; c) impossibilidade de tornar definitiva a antecipação de tutela para o fim de determinar a abstenção do banco de efetuar descontos; d) desnecessidade de cominação de multa; e) minoração do valor da multa; f) necessidade de fixação da multa em valor único.

Apelação

O desembargador Jurandyr Souza Jr. consignou inicialmente que, no que se referia à ausência de trânsito em julgado do recurso especial, "sem razão a instituição bancária, já que o recurso especial interposto não obsta o prosseguimento do feito, e o julgamento da 'ação de tutela inibitória' acarreta a perda de objeto do recurso especial do banco."

Quanto ao mérito, ponderou o relator que "em regra, as verbas salariais não podem ser objeto de penhora, por força da impenhorabilidade absoluta", citando o art. 649, IV, do CPC (clique aqui). "É de se notar que o escopo do legislador ao elaborar a aludida norma foi o de preservar os meios necessários à subsistência do executado, mantendo livre da penhora a remuneração do devedor, em razão de seu caráter alimentar", afirmou.

No caso em questão, entendeu o desembargador que não se trata de execução, ou de penhora de numerário na conta corrente, mas de retenção de valores depositados como verba salarial, em sua conta corrente mantida com a instituição financeira, para quitação de débitos lançados na conta-corrente. Assim, decidiu que, se de fato existe um débito perante a instituição financeira, "cabe ao credor obter o pagamento mediante provocação da jurisdição, em ação judicial própria, e não por meio de retenção dos proventos do devedor."

Diante do exposto, a sentença que determinou a abstenção da retenção do salário da apelada para quitação de débitos bancários foi mantida, com fixação de multa no valor de R$ 500 em caso de descumprimento. A 15ª câmara Cível também determinou ao Santander o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 2 mil. O julgamento foi presidido pelo desembargador Hayton Lee Swain Filho (sem voto), e dele participaram o desembargador Jucimar Novochadlo e o juiz substituto em 2º grau Fabio Haick Dalla Vecchia.

Veja abaixo a íntegra do acórdão.

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Apelação Cível nº 785.991-4 - 3ª Vara Cível - Ponta Grossa - PR Relator : Desembargador Jurandyr Souza Jr.

Apelante : Banco Santander Brasil S/A Apelado : G.A.D.F.

EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. APELAÇÃO. AÇÃO DE TUTELA INIBITÓRIA. CONTRATOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO. SALDO DEVEDOR. RETENÇÃO DE SALÁRIO. INADIMISSIBILIDADE. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE. EXEGESE DO ART. 649, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HIPÓTESE QUE DIFERE DO DESCONTO EM FOLHA PARA PAGAMENTO DE EMPRÉSTIMO GARANTIDO POR MARGEM SALARIAL CONSIGNÁVEL. RETENÇÃO PARCIAL. IMPOSSIBILIDADE. MULTA DIÁRIA. "ASTREINTES". EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. QUANTUM ARBITRADO. MODERAÇÃO E RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO. 1. Verba salarial. Retenção. Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta- corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo.1 2. Astreintes - multa diária. A multa diária, denominada pela doutrina de "astreintes", tem como escopo assegurar a própria efetividade da prestação jurisdicional, sendo assente no meio doutrinário o entendimento de que este instituto não tem natureza de forma de ressarcimento, mas sim de meio de coação, destinado, sobretudo, a estimular o réu a dar pronto cumprimento à ordem expedida pelo juiz. Recurso de apelação desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e examinados estes autos e, relatado e discutido o recurso de Apelação Cível nº nº 785.991-4.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da eg. Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso de apelação; observados os fundamentos do voto do Relator.

Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Hayton Lee Swain Filho (Presidente sem voto) e Jucimar Novochadlo e o Juiz Substituto em Segundo Grau Dr. Fabio Haick Dalla Vecchia.

Curitiba, 13 de julho de 2011.

Jurandyr Souza Jr.

Desembargador Relator

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação em face de sentença proferida em "ação de tutela inibitória", autuada sob nº 1184/2009, a qual julgou procedente o pedido deduzido na inicial, e determinou ao requerido que se abstenha de reter do salário da autora valores referentes a débito bancário, sob pena de mula no importe de R$500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento. Em razão da sucumbência, condenou o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$2.000,00.

Inconformada, a instituição financeira/apelante intentou tempestivo recurso de apelação requerendo a reforma da sentença sustentando: a) ausência de trânsito em julgado em razão da pendência de julgamento de recurso especial; b) incoerência entre a decisão proferida no Agravo de Instrumento e a sentença; c) impossibilidade de tornar definitiva a antecipação de tutela para o fim de determinar a abstenção do banco de efetuar descontos; d) desnecessidade de cominação de multa; e) minoração do valor da multa; f) necessidade de fixação da multa em valor único.

A autora ofereceu contra-razões às fls. 113/122.

Processado o recurso.

É o relatório.

VOTO

1. Presentes os requisitos e pressupostos de admissibilidade, inerentes à espécie, conheço do recurso.

2. Restringe-se a pretensão recursal na reforma da sentença que determinou à instituição financeira que se abstenha de reter qualquer quantia do salário da parte autora com o fim de cobrir saldo devedor de conta corrente.

Questões prejudiciais

3. O banco alega inicialmente a existência de Recurso Especial pendente de julgamento e ainda a incongruência entre a sentença e o Agravo de Instrumento, já que este foi julgado parcialmente procedente para determinar que os descontos referentes aos empréstimos firmados entre as partes não superem 30% dos rendimentos da autora.

3.1. Quanto à alegação de ausência de trânsito em julgado do recurso especial, sem razão a instituição bancária, já que o recurso especial interposto não obsta o prosseguimento do feito, e o julgamento da "ação de tutela inibitória" acarreta na perda de objeto do recurso especial do banco.

3.2. Já em relação à incongruência entre a sentença e a decisão proferida no agravo de instrumento, a qual deu parcial provimento, possibilitando o banco a reter 30% do salário da autora, também não merece prosperar as alegações do agente financeiro, já que a decisão agravada foi proferida para fins de antecipação de tutela.

Verba Salarial - Natureza alimentar

4. Não prosperam as alegações do banco de impossibilidade de o banco se abster de efetuar os descontos da conta da autora Em regra, as verbas salariais não podem ser objeto de penhora, por força da impenhorabilidade absoluta, prevista no artigo 649, IV, do Código de Processo Civil: "São absolutamente impenhoráveis:

(...) os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios, as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no §3º deste artigo".

5. É de se notar, que o escopo do legislador ao elaborar a aludida norma foi o de preservar os meios necessários à subsistência do executado, mantendo livre da penhora a remuneração do devedor, em razão de seu caráter alimentar.

6. No caso, não se trata de execução, ou de penhora de numerário na conta corrente, mas de retenção pelo Banco credor de valores depositados a favor do cliente, pelo empregador como verba salarial, em sua conta corrente mantida com a instituição financeira, para quitação de débitos lançados na conta corrente.

Tal como descrito, o desconto é vedado pelo ordenamento jurídico vigente, posto que o intuito da norma adjetiva civil (art. 649, IV) é preservar a subsistência do devedor, mantendo livre de constrição a remuneração percebida.

6.1. Os valores creditados em conta corrente a título de salário, não são passíveis de retenção para quitação de saldo devedor ou outras dívidas de mútuo comum, em virtude de sua natureza alimentar, nos termos do Princípio Constitucional de proteção salarial pela natureza alimentar, incluindo-se também no rol de impenhorabilidade, nos termos do art. 649, IV do Código de Processo Civil.

6.2. Se de fato existe um débito perante a instituição financeira, cabe ao credor obter o pagamento mediante provocação da jurisdição, em ação judicial própria, e não por meio de retenção dos proventos do devedor.

Autorizar que o banco faça o desconto diretamente na conta corrente em que é depositado os proventos do trabalhador, é fazer tabula rasa da impenhorabilidade do salário. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será a instituição privada autorizada a fazê-lo.

A atitude do banco, no sentido de resguardar seu crédito, acaba indo além dos estritos termos de seu direito, ingressando no terreno da ilicitude.

7. Ainda que a instituição financeira tenha sustentado que realizou a retenção com base em contrato entabulado entre as partes, não há qualquer prova nos autos neste sentido.

Frente ao princípio do ônus da prova, cabia ao apelante fazer prova segura e eficaz de suas alegações, não o fazendo, não há como prosperar a pretensão de exercício regular de direito.

7.1. Registre-se, que até mesmo quando tal autorização de débito existe, em se tratando de conta onde se recebe salário, o Superior Tribunal de Justiça2 não tem admitido qualquer débito na referida conta, cabendo à instituição financeira valer-se dos meios judiciais para o recebimento do seu crédito.

7.2. Nesse sentido, a jurisprudência do eg. Tribunal de Justiça do Paraná: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMPRÉSTIMO. DESCONTO EM CONTA CORRENTE. RETENÇÃO DO SALÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO ATUAL DA CÂMARA. FORÇA VINCULANTE DOS CONTRATOS. INEXISTÊNCIA. CLÁUSULA NULA. 1. "Havendo proteção constitucional ao salário e prevendo ser ilícita sua retenção, não pode a entidade bancária apropriar-se dos vencimentos de funcionário público depositados em sua agência." 2... 3.

Tratando-se de cláusula contratual que ofende normas de ordem pública, inclusive de envergadura constitucional, esta se revela inválida, não podendo se invocar a força vinculante dos contratos a fim de impor o seu cumprimento. Apelação Cível 1 parcialmente provida. Apelação Cível 2 não-provida." 3

8. Eventual cláusula que permita à instituição financeira apoderar-se do salário do correntista, que lhe é entregue em depósito pelo empregador, encontra óbice não só pelo art. 649, IV, como no art. 7°, X da Constituição Federal.

Tratando de cláusula contratual que traduz ofensa a norma de ordem pública, é inegável a nulidade da disposição contratual. Sendo cláusula inválida, não vinculará a parte contratante, de forma que não cabe invocar a força vinculante dos contratos.

9. Quanto ao desconto de 30% da remuneração do apelado, vale destacar que a retenção parcial de salário para pagamento de empréstimos bancários tem sido permitida, exclusivamente nos empréstimos por margem salarial consignável, com base na legislação infraconstitucional especial, e desde que tenha sido expressamente pactuado, o que não é o caso dos autos.

9.1. Esta a jurisprudência dominante no eg. Superior Tribunal de Justiça: "DIREITO BANCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTA-CORRENTE. PROVENTOS APOSENTADORIA. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. - Não se confunde o desconto em folha para pagamento de empréstimo garantido por margem salarial consignável, prática que encontra amparo em legislação específica, com a hipótese desses autos, onde houve desconto integral dos proventos de aposentadoria depositados em conta corrente, para a satisfação de mútuo comum. - Os proventos advindos de aposentadoria privada de caráter complementar têm natureza remuneratória e se encontram expressamente abrangidos pela dicção do art. 649, IV, CPC, que assegura proteção a "vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal". - Não é lícito ao banco reter os proventos devidos ao devedor, a título de aposentadoria privada complementar, para satisfazer seu crédito. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será a instituição privada autorizada a fazê-lo. - Ainda que expressamente ajustada, a retenção integral do salário de correntista com o propósito de honrar débito deste com a instituição bancária enseja a reparação moral. Precedentes. Recurso Especial provido".4

"RECURSO ESPECIAL. CONTA-CORRENTE. SALDO DEVEDOR. SALÁRIO. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. - Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta-corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. - Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo".5

10. Ante todo o exposto, deve ser mantida a r. sentença que determinou a abstenção da retenção do salário da apelada para quitação de débitos bancários.

Astreintes - multa diária

11. Pretende ainda o apelante a reforma da sentença, sustentado a desnecessidade de aplicação da multa diária, ou a sua redução. Alega ainda a necessidade de fixação de multa em valor único.

Em que pese a argumentação apresentada, também não merece acolhida o recurso neste tópico.

11.1. A sentença condenou o banco ao pagamento apenas de multa cominatória no valor de R$500,00 para cada dia de descumprimento.

Referida multa diária, denominada pela doutrina de "astreintes", tem como escopo assegurar a própria efetividade da prestação jurisdicional, sendo assente no meio doutrinário o entendimento de que este instituto não tem natureza de forma de ressarcimento, mas sim de meio de coação, destinado, sobretudo, a estimular o réu a dar pronto cumprimento à ordem expedida pelo juiz.

11.2. Nesse enfoque, válido destacar os ensinamentos de Nelson Nery Junior, a respeito de tema: Deve ser imposta a multa, de ofício ou a requerimento da parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das "astreintes" não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista do seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo Juiz.6

11.3. Com efeito, dada a função inibitória da multa, diretamente ligada aos efeitos concretos do cumprimento da ordem judicial, impõe-se manter a importância fixada na sentença, no valor de R$500,00 (quinhentos reais).

É o voto que proponho.

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1 STJ. REsp 831774/RS, Rel. Min Humberto Gomes de Barros,3ª. Turma, DJ 29/10/2007 p. 221.

2 REsp 1021578/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/12/2008, DJe 18/06/2009.

3 TJPR - 15ª C.Cível - AC 0705397-2 - Rel. Des. Jucimar Novochadlo - Unânime - J. 06.10.2010.

4 STJ. REsp 1012915/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 03/02/2009.

5 STJ. REsp 831774/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª. Turma, DJ 29/10/2007 p. 221.

6 In Código de Processo Civil e legislação extravagante em vigor, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 4ªed., 1999, pág. 911.

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