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Princípio da insignificância não alcança furto de empregada em casa de patrão

O STJ negou a aplicação do princípio da insignificância a um caso de furto de R$120, cometido por uma empregada doméstica, na residência em que trabalhava, em Porto Alegre/RS. A 6ª turma considerou que o princípio não é aplicável a situações em que há abuso da confiança, em que o profissional usa do crédito conferido para tirar proveito pessoal.

Da Redação

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Atualizado às 16:16


Confiança

Princípio da insignificância não alcança furto de empregada em casa de patrão

O STJ negou a aplicação do princípio da insignificância a um caso de furto de R$120, cometido por uma empregada doméstica, na residência em que trabalhava, em Porto Alegre/RS. A 6ª turma considerou que o princípio não é aplicável a situações em que há abuso da confiança, em que o profissional usa do crédito conferido para tirar proveito pessoal.

O roubo aconteceu em 2007 e a empregada já trabalhava na residência havia dois anos e meio. Ela tirou R$ 100 da gaveta do escritório e R$ 20 da carteira do patrão. A câmera do escritório registrou a cena. Inicialmente, a ré negou a autoria do furto, mas, diante das imagens, confessou o crime. A empregada admitiu que já havia furtado a vítima em outra ocasião.

A ré foi absolvida perante o juízo de primeiro grau e o TJ/RS, por atipicidade de conduta. Aqueles magistrados entenderam que o crime não tinha relevância penal suficiente a justificar uma condenação, ainda mais tendo em vista que o patrão recuperou o dinheiro furtado.

O MP sustentou, no STJ, que a inexistência de prejuízo à vítima, pela restituição posterior do dinheiro, não torna a conduta atípica, pois houve quebra da relação de confiança. O órgão pediu a condenação da ré, tendo em vista a periculosidade social e o significativo grau de reprovação da conduta.

Para caracterizar o princípio da insignificância, é necessário o cumprimento de alguns requisitos, como a mínima ofensa da conduta do réu, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau da reprovação do comportamento e inexpressividade da relação jurídica. Segundo o relator, ministro Og Fernandes, o crime não é atípico, por ser altamente reprovável socialmente e não ser de pequeno valor.

O ministro destacou em seu voto que o furto ocorreu com nítido abuso de confiança, e o valor subtraído era quase um terço do salário mínimo à época, de R$380, sem contar a reincidência da ré. "As circunstâncias em que o crime foi cometido não podem ser ignoradas ou se destoaria por completo o princípio da insignificância", concluiu.

O princípio da insignificância não está expressamente previsto em lei, mas é constantemente aplicado nos tribunais. O ministro explicou que, no caso de furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com de valor insignificante. O de valor insignificante exclui o crime pela ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado.

O ministro ressaltou ainda que o crime de pequeno valor pode justificar o privilégio previsto no § 2º, do artigo 155, do CP (clique aqui), que permite a substituição da pena de reclusão pela de detenção, ou ainda a diminuição de um a dois terços da pena, se o réu é primário e tem bons antecedentes.

Veja abaixo a decisão.

__________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.179.690 - RS (2010/0024903-6)

RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RECORRIDO : I.A.M.

ADVOGADO : ROSÂNGELA T DE CASTRO

EMENTA

PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. ABUSO DE CONFIANÇA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Para a incidência do princípio da insignificância, são necessários a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC n.º 84.412/SP, Ministro Celso de Mello, Supremo Tribunal Federal, DJ de 19/11/2004).

2. No caso, a conduta perpetrada pela recorrida não pode ser considerada irrelevante para o Direito Penal. Sua atitude revela lesividade suficiente para justificar a ação, havendo que se reconhecer a ofensividade do seu comportamento, já que praticou furto de R$ 120 (cento e vinte reais), com nítido abuso de confiança de seu patrão.

3. Princípio da insignificância afastado.

4. Recurso especial a que se dá provimento para, cassando a sentença e o acórdão recorrido, determinar o prosseguimento da ação penal de que aqui se cuida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Brasília, 16 de agosto de 2011 (data do julgamento).

MINISTRO OG FERNANDES

Relator

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Cuida-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, fundamentado na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça local.

Colhe-se dos autos que a recorrida foi denunciada como incursa no art. 155, § 4º, II, do Código Penal. O Juiz de 1.º Grau absolveu a ré, por atipicidade da conduta, em razão da adoção do princípio da insignificância.

Inconformado, o Parquet Estadual interpôs apelação, e o Tribunal de origem, por unanimidade de votos, negou provimento ao recurso em acórdão assim ementado (e-fl. 128):

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. ABUSO DE CONFIANÇA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA CONFIRMADA. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO.

Para a aplicação do princípio da insignificância, como excludente de tipicidade, além do valor da res furtiva, deve ser considerado o "desvalor da conduta", as circunstâncias do fato, a conduta do agente, a intensidade do dano causado à vítima e a repercussão social do fato. Em outras palavras, é necessário que o fato se mostre irrelevante penalmente.

No caso, tratando-se de furto de R$ 120,00, integralmente restituídos à vítima, viável o reconhecimento do crime bagatelar.

À unanimidade, negaram provimento ao apelo ministerial, confirmando a sentença absolutória proferida em primeiro grau.

Daí o presente recurso especial, no qual se alega violação do art. 155, § 4º, II, do Código Penal.

Sustenta o recorrente que a conduta da recorrida é penalmente relevante, não sendo possível a aplicação do princípio da insignificância, porquanto praticada por empregada doméstica contra seu patrão, em nítido abuso de confiança.

Alega que a inexistência do prejuízo à vitima, decorrente da restituição posterior do produto do crime, não tem o condão de tornar a conduta atípica.

Aduz, ainda, não se poder confundir pequeno valor com valor insignificante.

Com as contrarrazões, a Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo provimento do recurso, em parecer assim ementado (e-fl. 193):

RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. OBJETO DE PEQUENO VALOR. ABSOLVIÇÃO EM APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 155, § 4º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL CARACTERIZADA. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): Para a incidência do princípio da insignificância, são necessários a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, como na lição do Supremo Tribunal Federal (HC n.º 84.412/SP, Ministro Celso de Mello, DJ de 19/11/2004).

No caso, a conduta perpetrada pelo agente não pode ser considerada irrelevante para o Direito Penal.

Com efeito, consta da denúncia que (e-fl. 3):

No dia 20 de agosto de 2007, por volta das 13h00min, na Rua Mariland, 1510/102, Bairro Mont Serrat, nesta capital, a denunciada, I.A.M., subtraiu, para si ou para outrem, com abuso de confiança, coisa alheia móvel de propriedade da vítima Thomas Wihan, a saber, a importância de R$ 120,00 (cento e vinte reais).

Na ocasião, a denunciada, que era empregada doméstica e trabalhava na residência da vítima havia dois anos e meio, subtraiu R$ 100,00 da gaveta do escritório do patrão, além de R$ 20,00 da sua carteira. A webcam do escritório da vítima registrou a cena da denunciada abrindo a gaveta e retirando o dinheiro. Ao chegar em casa e dar falta do dinheiro, a vítima chamou o porteiro do prédio para que testemunhasse o momento em que conversava com a funcionária a respeito do assunto. Inicialmente, a denunciada negou a autoria do furto, mas diante das imagens que lhe foram mostradas pelo patrão, confessou a subtração do dinheiro, e admitiu que, além dos R$ 120,00, já havia furtado um total de R$ 270,00 em outras ocasiões. A denunciada devolveu a quantia que havia furtado naquela data.

Diante disso, vítima e acusada dirigiram-se à Delegacia para registrar ocorrência policial.

Assim, a atitude da ré revela lesividade suficiente para justificar uma condenação, havendo que se reconhecer a ofensividade, a periculosidade social e o significativo grau de reprovabilidade do seu comportamento.

A uma, porque a ação se deu com nítido abuso de confiança; a duas, porque não há como considerar o valor subtraído, R$ 120,00 (cento e vinte reais), de valor bagatelar, notadamente tomando-se por base o salário mínimo vigente à época (ano de 2007), de R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais); a três, porque há notícias nos autos de que a ora recorrida já havia furtado da vítima, em ocasiões anteriores, além desses R$ 120,00 (cento e vinte reais), mais R$ 270,00 (duzentos e setenta reais) (e-fls. 3 e 124).

Assim, tais circunstâncias não podem ser ignoradas sob pena de se destoar por completo das hipóteses em que esta Corte vem aplicando o princípio ora invocado.

No caso do furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com de valor insignificante. Este, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância; aquele, eventualmente, pode caracterizar o privilégio previsto no § 2º do art. 155 do Código Penal, já prevendo a Lei Penal a possibilidade de pena mais branda, compatível com a pequena gravidade da conduta.

Assim, a subtração de bens, cujo valor não pode ser considerado ínfimo, não pode ser tido como um indiferente penal, na medida em que a falta de repressão de tais condutas representaria verdadeiro incentivo a pequenos delitos que, no conjunto, trariam desordem social.

A exemplo, vejam-se os seguintes precedentes:

HABEAS CORPUS. (...)

1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e

jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.

2. Entretanto, é imprescindível que a aplicação do referido princípio se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.04).

3. Na hipótese em apreço, embora o valor do objeto furtado (cartucho de tinta para impressora) possa ser considerado ínfimo, eis que avaliado em R$ 25,70, o fato de pertencer ao Centro de Progressão Penitenciária onde o paciente cumpre pena por delito anterior denota o alto grau de reprovabilidade da conduta, afastando a possibilidade de incidência do referido princípio ao caso concreto. Precedentes do STJ.

4. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial. (HC nº 163.435/DF, Relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 8/11/2010)

HABEAS CORPUS. (...)

1. Consoante entendimento jurisprudencial, o "princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentaridade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. (...) Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público." (HC nº 84.412-0/SP, STF, Min. Celso de Mello, DJU 19.11.2004).

2. Hipótese em que o paciente, em concurso com outro corréu, subtraiu uma frente removível de aparelho toca-cd, avaliado em R$ 30,00. Para tanto, adentrou à residência da vítima, na garagem onde estava estacionado o seu veículo, e cometeu o crime mediante arrombamento. A res furtiva não foi recuperada.

3. A despeito do pequeno valor do bem subtraído, não é irrelevante a conduta praticada pelo paciente, especialmente considerando que se trata de vítima pessoa física, que sofreu prejuízo em razão da não restituição da res, bem como em razão das circunstâncias do delito, cometido mediante arrombamento, a indicar uma maior reprovabilidade social do comportamento.

4. Ordem denegada.

(HC 130.365/SP, Relator Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 1º/2/2011)

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para, cassando a sentença e o acórdão recorrido, determinar o prosseguimento da ação penal de que aqui se cuida.

É como voto.

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