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Aids

Transmissão consciente do vírus HIV configura lesão corporal grave

Delito está previsto no artigo 129, parágrafo 2º, do CP.

Da Redação

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Atualizado às 08:36

A transmissão consciente do vírus HIV, causador da Aids, configura lesão corporal grave, delito previsto no artigo 129, parágrafo 2º, do CP. O entendimento é da 5ª turma do STJ e foi adotado no julgamento de HC contra decisão do TJ/DF.

Entre abril de 2005 e outubro de 2006, um portador de HIV manteve relacionamento amoroso com a vítima. Inicialmente, nas relações sexuais, havia o uso de preservativo. Depois, essas relações passaram a ser consumadas sem proteção. Constatou-se mais tarde que a vítima adquiriu o vírus. O homem alegou que havia informado à parceira sobre sua condição de portador do HIV, mas ela negou.

No seu voto, a ministra Laurita Vaz, relatora, salientou que a instrução do processo indica não ter sido provado que a vítima tivesse conhecimento prévio da situação do réu, alegação que surgiu apenas em momento processual posterior. A relatora lembrou que o STJ não pode reavaliar matéria probatória no exame de HC.

A Aids, na visão da ministra Vaz, é perfeitamente enquadrada como enfermidade incurável na previsão do artigo 129 do CP, não sendo cabível a desclassificação da conduta para as sanções mais brandas no capítulo III do mesmo código. "Em tal capítulo, não há menção a doenças incuráveis. E, na espécie, frise-se: há previsão clara no artigo 129 do mesmo estatuto de que, tratando-se de transmissão de doença incurável, a pena será de reclusão, de dois a oito anos, mais rigorosa", destacou.

Veja a íntegra do acórdão.

____________

HABEAS CORPUS Nº 160.982 - DF (2010/0016927-3)

RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ

IMPETRANTE: ANTONIO CARLOS ALVES LINHARES - DEFENSOR PÚBLICO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

PACIENTE: I.M.C.

EMENTA

HABEAS CORPUS. ART. 129, § 2.º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. PACIENTE QUE TRANSMITIU ENFERMIDADE INCURÁVEL À OFENDIDA (SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA). VÍTIMA CUJA MOLÉSTIA PERMANECE ASSINTOMÁTICA. DESINFLUÊNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA UM DOS CRIMES PREVISTOS NO CAPÍTULO III, TÍTULO I, PARTE ESPECIAL, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. SURSIS HUMANITÁRIO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DAS INSTÂNCIAS ANTECEDENTES NO PONTO, E DE DEMONSTRAÇÃO SOBRE O ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADO.

1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 98.712/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO (1.ª Turma, DJe de 17/12/2010), firmou a compreensão de que a conduta de praticar ato sexual com a finalidade de transmitir AIDS não configura crime doloso contra a vida. Assim não há constrangimento ilegal a ser reparado de ofício, em razão de não ter sido o caso julgado pelo Tribunal do Júri.

2. O ato de propagar síndrome da imunodeficiência adquirida não é tratado no Capítulo III, Título I, da Parte Especial, do Código Penal (art. 130 e seguintes), onde não há menção a enfermidades sem cura. Inclusive, nos debates havidos no julgamento do HC 98.712/RJ, o eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, ao excluir a possibilidade de a Suprema Corte, naquele caso, conferir ao delito a classificação de "Perigo de contágio de moléstia grave" (art. 131, do Código Penal), esclareceu que, "no atual estágio da ciência, a enfermidade é incurável, quer dizer, ela não é só grave, nos termos do art. 131".

3. Na hipótese de transmissão dolosa de doença incurável, a conduta deverá será apenada com mais rigor do que o ato de contaminar outra pessoa com moléstia grave, conforme previsão clara do art. 129, § 2.º inciso II, do Código Penal.

4. A alegação de que a Vítima não manifestou sintomas não serve para afastar a configuração do delito previsto no art. 129, § 2, inciso II, do Código Penal. É de notória sabença que o contaminado pelo vírus do HIV necessita de constante acompanhamento médico e de administração de remédios específicos, o que aumenta as probabilidades de que a enfermidade permaneça assintomática. Porém, o tratamento não enseja a cura da moléstia.

5. Não pode ser conhecido o pedido de sursis humanitário se não há, nos autos, notícias de que tal pretensão foi avaliada pelas instâncias antecedentes, nem qualquer informação acerca do estado de saúde do Paciente.

6. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado.

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. TRANSMISSÃO DO VÍRUS HIV. ABSOLVIÇÃO. INVIABILIDADE. INTEGRIDADE FÍSICA. BEM JURÍDICO INDISPONÍVEL. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INOCORRÊNCIA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. ART. 59, DO CP. FUNDAMENTAÇÃO. REDUÇÃO DA PENA.

1. A absolvição delitiva mostra-se inviável quando as provas existentes nos autos, em conjunto com a confissão do condenado, demonstram, inequivocadamente, a prática descrita na denúncia. Ademais, se o apelante sabia desde o início que era portador do vírus HIV e, ao manter relações sexuais com a vítima sem a devida proteção, assumiu o risco de transmitir-lhe a enfermidade incurável, impõem-se a sua condenação.

2. Não há que se falar em excludente de ilicitude referente ao consentimento da vítima quando o bem jurídico protegido é indisponível.

3. Impossível falar em inexigibilidade de conduta diversa quando o ato poderia ter sido praticado de outra forma.

4. Incabível a fixação da pena-base acima do mínimo legal, quando inexistirem circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu.

5. Apelo parcialmente provido." (APR 20060310262636, Rel. Des. ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, 2ª Turma Criminal, DJe de 13/01/2010.)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do pedido e, nessa parte, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ) e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 17 de maio de 2012 (Data do Julgamento)

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de I.M.C., contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, assim ementado (fl. 54):

Narra o Impetrante que o Paciente foi condenado, como incurso no art. 129, § 2.º, inciso II, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, tendo sido substituída a reprimenda privativa de liberdade por duas sanções restritivas de direito. Inconformada, a Defesa interpôs recurso de apelação, que restou parcialmente provido pela Corte de origem, a fim de reduzir a reprimenda do Paciente para 02 (dois) anos de reclusão, mantidos o regime inicial e a substituição da pena.

No presente writ, alega, em suma, que o delito previsto no art. 129, § 2.º, inciso II, do Código Penal, não se consumou, tendo em vista que, conforme se constata do laudo de exame de corpo de delito, a ofendida é portadora assintomática do vírus HIV, pelo que não restou demonstrado o efetivo dano à sua incolumidade física.

Sustenta, também, que o Paciente faz jus ao sursis humanitário.

Requer, em liminar, seja determinado ao Juízo das Execuções Penais que se abstenha de executar a pena a que o Paciente foi condenado, até a apreciação final do presente writ.

No mérito, pugna pela concessão da ordem, para que a conduta do Paciente seja enquadrada "em alguma daquelas constantes do Capítulo III, Título I, Parte Especial, do Código Penal" (fl. 10); e para que lhe seja concedido o sursis humanitário.

O pedido liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 70/71.

As judiciosas informações foram prestadas às fls. 77/79, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 102/107, opinando pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

Inicialmente, apenas esclareço que na espécie não há constrangimento ilegal a ser reparado de ofício, por não ter sido levado o caso a julgamento pelo Tribunal do Júri. Isso porque o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 98.712/RJ - cujo Paciente, ciente de sua condição de portador do vírus do HIV, transmitiu a doença para Vítimas com quem mantinha relacionamentos amorosos -, entendeu não se tratar o caso de homicídio. Confira-se a ementa do julgado:

"MOLÉSTIA GRAVE - TRANSMISSÃO - HIV - CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA VERSUS O DE TRANSMITIR DOENÇA GRAVE.

Descabe, ante previsão expressa quanto ao tipo penal, partir-se para o enquadramento de ato relativo à transmissão de doença grave como a configurar crime doloso contra a vida. Considerações." (HC 98.712/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 17/12/2010.)

Passo a analisar, assim, o pedido para que seja desclassificada a conduta, para "alguma daquelas constantes do Capítulo III, Título I, Parte Especial, do Código Penal" (fl. 10).

A ordem não pode ser concedida no ponto.

Na denúncia, a conduta que ensejou a condenação do ora Paciente foi assim narrada (fls. 11/12):

"No período compreendido entre abril de 2005 e outubro de 2006, nesta Cidade-satélite de Ceilândia/DF, o denunciado, de forma livre e consciente, mediante meio biológico, ofendeu a saúde da vítima N.S.S., transmitindo a esta o vírus HIV, sabendo ser portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids).

Consta da inclusa peça informativa que o denunciado e a vítima, durante o período acima noticiado, mantiveram relações sexuais constantes no período em que mantiveram envolvimento afetivo. Em princípio, as relações sexuais eram feitas mediante o uso de preservativos, mas, com o tempo e à medida que passaram a ter mais afinidade um para com o outro, deixaram de fazer uso do referido meio de prevenção, embora desde o ano de 1999 I. soubesse ser portador do vírus HIV, fato este inicialmente não dado a conhecimento de N.

O denunciado, voluntária e conscientemente, mesmo ciente de seu estado de saúde, continuou mantendo relações sexuais sem o uso de preservativo e, somente após uma discussão do casal, o mesmo informou à N. que já era portador do vírus HIV, constatação esta atestada também pelo laudo de exame de corpo de delito produzido no curso das investigações.

Ao ser interrogado, o denunciado admitiu o relacionamento afetivo com a vítima e a prática de relações sexuais desprotegidas, mesmo com prévia ciência de sua infecção pela dita enfermidade e do notório risco em transmiti-la à parceira."

Inicialmente, quanto à alegação de que não teria havido consumação do delito, mencione-se o que esclareceu o Paciente, em Juízo (fl. 57):

"[...]. Que é verdadeira em parte a acusação que lhe é feita na denúncia; Que informa que conheceu N. em 2005 e ambos passaram a namorar; Que desde à época em que se conheceram, o interrogando informou à vítima que era portador do vírus HIV; Que relatou que era soropositivo antes de manter relação com a vítima; Que ainda informa que informou N. a respeito da doença quando ela perguntou ao interrogando o motivo pelo qual o interrogando fazia uso de transporte coletivo de passageiros sem pagar, tendo o interrogando esclarecido que era em razão de possuir essa doença; Que mesmo ciente de que o interrogando possuía HIV, N. concordou em manter relação sexual e no início faziam uso de preservativo, mas em duas ocasiões, o preservativo se rompeu; Que a partir de então, N. sugeriu ao interrogando que mantivessem relação sexual sem o uso do preservativo, pois ela disse que possuía o 'sangue forte' e afirmou que Deus a protegeria e jamais seria contaminada; Que o interrogando inocentemente concordou com a proposta e desde então passou a manter relação sexual com N. sem qualquer tipo de proteção [...]."

Porém, os graus de jurisdição antecedente inferiram que o Paciente transmitiu enfermidade incurável à Vitima conscientemente, e que esta, na verdade, não sabia da condição de saúde do seu parceiro. É o que consta expressamente, inclusive, o depoimento da vítima, ocorrido durante a instrução do processo-crime (fls. 57/58):

"[...] Que informa que conheceu o denunciado, salvo engano em maio de 2004 ou 2005 e passou a manter relacionamento sexual com o réu; Que inicialmente o acusado fazia uso de preservativo, mas em seguida, parou de fazer uso desse método contraceptivo de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; Que em data posterior às ocasiões em que o denunciado e a depoente mantiveram relação sexual sem uso de preservativo, o acusado revelou à depoente durante uma discussão que estava contaminado com o vírus HIV, indicando que a depoente também poderia estar contaminada; Que a depoente fez três exames para detecção do vírus e o primeiro deu resultado negativo, contudo, os demais identificaram a presença da doença; (...); Que não tem como precisar, mas calcula que a depoente e o acusado mantiveram aproximadamente trinta relações sexuais sem uso de preservativo antes que o acusado revelasse estar contaminado com o vírus HIV; (...); Que foi o acusado quem sugeriu inicialmente que deixassem de fazer uso de preservativo durante as relações sexuais, uma vez que ele não se sentia confortável e a depoente acabou concordando com a proposta, pois confiava no denunciado e em razão disso não se opôs à dispensa do método contraceptivo; (...); Que não tinha conhecimento que o acusado estava doente até ele revelar à depoente a contaminação pelo vírus HIV; Que não tinha conhecimento que o acusado possuía passe livre de transporte público".

Por isso, consignou expressamente o Relator do recurso, que proferiu o voto condutor do julgado (fl. 59):

"Em seu depoimento, a vítima afirmou que manteve relação sexual sem preservativo porque confiava em I. e não sabia de sua condição de infectado. Ainda que houvesse consentido, não caberia falar em excludente de ilicitude, eis que a sua integridade física é considerada, neste caso, bem jurídico indisponível [...]."

Assim, firmou o Desembargador, definitivamente, que (fl. 58):

"Verifica-se, portanto, que o apelante sabia desde o início que era portador do vírus HIV e, ao manter relações sexuais com a vítima sem a devida proteção, assumiu o risco de transmitir-lhe a enfermidade incurável, impondo-se a sua condenação."

Com efeito, as conclusões das instâncias ordinárias - soberanas quanto à análise de fatos e provas -, ao examinarem todo o conjunto probatório, não podem ser reavaliadas por esta Corte Superior, a quem compete, na via estreita do habeas corpus, apenas apreciar matéria de direito.

Ressaltada tal compreensão, verifica-se, sem maiores dificuldades, que os fatos que ensejaram a condenação na hipótese efetivamente correspondem ao paradigma proibido previsto no art. 129, § 2.º, inciso II, do Código Penal, que assim preceitua:

"Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

[...].

§ 2° Se resulta:

I - [...];

II - enfermidade incurável;

[...].

Pena - reclusão, de dois a oito anos."

Veja-se a lição de Nucci:

"Enfermidade incurável: é a doença irremediável, de acordo com os recursos da medicina na época do resultado, causada na vítima. Não configura a qualificadora a simples debilidade enfrentada pelo organismo da pessoa ofendida, necessitando existir uma séria alteração na saúde." (Nucci, Guilherme de Souza, 10.ª ed. rev. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 210, p. 642)

É o caso da Síndrome da Imunodeficiência adquirida.

Assim, não é cabível a desclassificação para uma das condutas punidas com sanções mais brandas, tratadas no Capítulo "Da periclitação da vida e da saúde" (art. 130 e seguintes). Em tal Capítulo, não há menção a doenças incuráveis. E, na espécie, frise-se mais uma vez: há previsão clara no art. 129 do mesmo Estatuto de que, tratando-se de transmissão de doença incurável, a pena será de reclusão, de dois a oito anos, mais rigorosa.

Acrescento, ainda, que não me olvido de que a Suprema Corte, ao decidir o já mencionado HC 98.712/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, não definiu a capitulação jurídica da conduta questionada nos autos. Naquele caso, o Pretório Excelso apenas excluiu da atribuição do Tribunal do Júri o julgamento da controvérsia, afirmando, porém, que conferiria ao Juízo Singular a competência para determinar a classificação do delito.

Entretanto, verifico haver, no voto proferido pelo eminente AYRES BRITTO, judiciosas citações doutrinárias - no sentido de que condutas idênticas à ora em análise deveriam ser definidas como lesão corporal grave -, e que ora reproduzo:

"[...]

11. Posição diametralmente oposta é a de Andrei Zenkner Schimidt, para quem, "quando o portador do vírus omite conscientemente essa sua condição para as pessoas que praticam, com ele, atos capazes de produzir o contágio, sem a devida proteção, ou quando o infectado obriga, moral ou materialmente, a vítima não-infectada a expor-se a arriscada aventura, ou induz a erro (...) tendo em vista a atuação finalística orientada à transmissão da doença, deve haver imputação do delito de lesão corporal qualificada por enfermidade incurável, na forma do art. 129, § 2.º, II, do CP Brasileiro." (In: Aspectos Jurídico-Penais da transmissão da AIDS. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.37, ano 10, jan/mar. 2002, p. 231.)

12. Refutando também a possibilidade de enquadramento da transmissão dolosa do vírus HIV como homicídio doloso, o professor Juarez Tavares (Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 290) leciona que:

"Tomemos, afora, um exemplo um tanto polêmico: alguém infectado pelo vírus da AIDS mantém relações sexuais com outra pessoa, transmitindo-lhe a doença.

[...].

[a] questão que se põe é acerca de que tipo, afinal, o agente realiza, se homicídio ou lesões corporais graves. Aqui, o critério a vigorar será o de que o dolo, como vontade de realização da ação e do resultado, deve referir-se a uma ação imediata, e não a uma ação que, por sua cronicidade, conduza à morte. Portanto, só pode haver crime de lesão corporal grave e não homicídio"."

Mais. Nos debates havidos no referido julgamento, o eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, ao excluir a possibilidade de a Suprema Corte, naquele caso, conferir à conduta a classificação de "Perigo de contágio de moléstia grave" (art. 131, do Código Penal), esclareceu que, "no atual estágio da ciência, a enfermidade é incurável, quer dizer, ela não é só grave, nos termos do art. 131".

Assim, após as instâncias ordinárias concluírem que o Agente tinha a intenção de transmitir doença incurável na hipótese, tenho que a capitulação do delito por elas determinada (art. 129, § 2.º, inciso II, do Código Penal) é correta.

Prosseguindo, é completamente desinfluente à solução da controvérsia a alegação de que, no caso, a Vítima não apresenta manifestações da doença. Ora, o fato é que, para que a moléstia eventualmente possa permanecer assintomática, o contaminado pelo vírus do HIV necessita de constante acompanhamento médico, com administração de remédios que aumentam sua a expectativa de vida. Porém, como é de notória sabença, não há cura para a referida enfermidade, não havendo dúvidas de que o Paciente transmitiu doença incurável à ofendida.

Já o pedido concessão do sursis humanitário não pode ser conhecido. Isso porque não há, nos autos notícia, de que tal pleito foi formulado nas instâncias antecedentes, nem qualquer informação acerca do estado de saúde do Condenado. Nesse sentido:

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO EM SEDE DE APELAÇÃO CRIMINAL, PELO TRIBUNAL A QUO. SURSIS HUMANITÁRIO. PACIENTE PORTADOR DO VÍRUS HIV. MATÉRIA NÃO EXAMINADA NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. RECOLHIMENTO À PRISÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA PRESUMIDO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ.

1. O pleito de imediato reconhecimento do direito subjetivo do paciente à concessão do benefício do "sursis humanitário" não foi apreciado no Tribunal de origem, razão pela qual não há como sequer conhecer deste pedido, sob pena de incorrer em vedada supressão de instância.

2. Consoante reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a custódia do sentenciado em cárcere, decorrente de sua condenação na instância ordinária, em sede de recurso de apelação, é providência compatível com o sistema processual vigente.

3. Os recursos especial e extraordinário, se interpostos e admitidos, não possuem efeito suspensivo capaz de impedir o regular curso da execução da decisão condenatória.

4. Ordem parcialmente conhecida e denegada." (HC 29.460/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJ de 03/11/2003.)

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO. PENA ALTERNATIVA. SURSIS HUMANITÁRIO.

1. Por reclamar profunda investigação probatória, a estreita via do habeas corpus não comporta pleito de desclassificação da conduta prevista no artigo 12 da Lei nº 6.368/76 para aquela do artigo 16 deste diploma legal.

2. A Lei dos Crimes Hediondos, porque faz incompatíveis os delitos de que cuida com as penas restritivas de direitos, exclui a incidência da Lei nº 9.714/98, modificativa da parte geral do Código Penal, por força do artigo 12 do próprio diploma penal material brasileiro ("As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.").

3. Incabe a análise do pedido de sursis humanitário quando, além de não ter sido provado ser o paciente portador do vírus HIV, sequer demonstrou debilitação no seu estado de saúde.

4. Ordem conhecida parcialmente e denegada nesta extensão." (HC 12.193/MG, 6.ª Turma, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 18/12/2000.)

Ante o exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE da impetração e, nessa extensão, DENEGO a ordem.

É o voto.

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

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