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Corporativismo

Veja: Embate de artigos entre Approbato e Augusto Nunes

Da Redação

quinta-feira, 17 de abril de 2003

Atualizado em 10 de abril de 2003 11:14

 

Corporativismo

Veja abaixo a resposta de Rubens Approbato em Migallhas para o artigo de Augusto Nunes, jornalista do JB.

''Jornalista Augusto Nunes, defensor intransigente da liberdad de imprensa e, por conseqüência, do pensamento como apanágio da liberdade, li seu artigo A praga do corporativismo (9/4), recebendo-o com a humildade e o respeito necessários.

Percebi, porém, que, para atacar as minhas idéias, foi feita a opção de tentar desqualificar o texto. Prefiro, contudo, a discussão do mérito, razão pela qual deixo de fazer críticas e reparos à forma do seu artigo. A observação que o ilustre articulista fez, apesar de não se limitar a uma crítica, traz uma leitura enviesada e, para usar sua expressão, tergiversada, do meu artigo e do papel do advogado.

Usasse boas lentes, poderia pinçar do texto as seguintes conclusões:

  1. Em um verdadeiro Estado de Direito Democrático, todo cidadão tem direito a ampla defesa, aí incluídos os acusados de crimes; fora disso é a barbárie;
  2. Nem o presidente da OAB nem a entidade defendem que advogados, ultrapassando limites éticos, saiam por aí dando declarações espantosas sobre operações envolvendo clientes, sendo que, nesse ponto, a Ordem, sem corporativismo, pune quem transgride tais preceitos;
  3. Os condenados devem ser punidos rigorosamente, em decorrência de uma sentença justa, aplicando-se as penas definidas em Lei;
  4. Os advogados, como os jornalistas e demais profissionais, por uma questão de foro íntimo, até podem recusar trabalhar para quem os contrata, independente da origem dos recursos que possam retribuir o seu serviço, mas essa não é uma condição absoluta para a contratação. Se assim fosse, os jornais, nos seus classificados diários, não estariam recebendo por publicações de nítido apelo à prostituição.No mais, quero destacar a defesa do primado da Lei, do Direito, da Ordem, da Constituição, da Justiça e da Cidadania, que, ao longo dos anos, tem iluminado minha consciência cívica e, certamente, a sua, um dos mais experimentados jornalistas deste país.''

Atenciosamente,

Rubens Approbato Machado

Presidente nacional da OAB

Brasília, 9 de abril de 2003."

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A praga do corporativismo (fim)

 

Veja a redargüição de Augusto Nunes publicada no JB, na última quarta-feira.

 

Como nos filmes de tribunal que Hollywood anda produzindo, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado, deixou para o fim da performance a exibição do trunfo contundente, da prova inesperada que daria outro rumo à história e mudaria seu desfecho. Deveria explodir como tiro de canhão. Fez tanto estrago quanto balas de festim.

Na edição de 9 de abril, o colunista criticara a leniência com que a OAB vem contemplando o desempenho afrontoso de profissionais confessadamente remunerados pelo dinheiro sujo do narcotráfico. Machado foi à réplica na edição do dia seguinte, com uma carta publicada na íntegra pelo JB. Segue-se, sem cortes nem correções, o parágrafo concebido para resultar na brusca alteração do enredo:

''Os advogados, como os jornalistas e demais profissionais, por uma questão de foro íntimo, até podem recusar trabalhar para quem os contrata, independente da origem dos recursos que possam retribuir o seu serviço, mas essa não é uma condição absoluta para a contratação. Se assim fosse, os jornais, nos seus classificados diários, não estariam recebendo por publicações de nítido apelo à prostituição.''

Na abertura da carta, o presidente da OAB queixou-se: em vez de discutir o conteúdo do assunto em questão, insisto em discorrer sobre a forma. Como prometi permanecer na essência do debate, vou fingir que não notei as agressões ao idioma. Mas o bacharelês de Machado requer tradução. Tentemos tornar menos torturado o parágrafo acima reproduzido.

Ele quer dizer mais ou menos o seguinte. Os classificados dos jornais incluem anúncios nos quais prostitutas oferecem seus serviços. Isso equivale a fazer propaganda da prostituição, o que é um crime. Tais anúncios fazem parte das fontes de renda que formam a receita de onde saem os salários pagos aos jornalistas. Que, portanto, também estariam trabalhando em troca de dinheiro cuja origem é criminosa. Como os advogados de Luiz Fernando da Costa, dito Fernandinho Beira-Mar.

Se fosse mesmo um filme, a platéia deveria nesse momento pedir de volta o dinheiro do ingresso: o paralelo tem tanta solidez quanto o sistema de segurança das cadeias brasileiras. Mas tratemos de recomeçar, e com uma observação singela: peças publicitárias publicadas na imprensa são, em princípio, autorizadas por lei. Se algumas não forem, o presidente da OAB deve apontá-las e solicitar sua proscrição.

Mais: jornalistas não são contratados por anunciantes, mas por empresas de comunicação, cujas publicações incluem páginas comerciais e editoriais. (Se Machado conhecer algum jornalista contratado por qualquer anunciante, mande o nome à coluna: aqui o corporativismo não tem vez). Cumpre aos profissionais das redações lidar com fatos, apurar a verdade, contar o que está acontecendo. Com freqüência, reportagens contrariam interesses de anunciantes ou colidem com o conteúdo de peças publicitárias.

Rubens Machado decerto leu muitos textos sobre prostituição. Nenhum fez o elogio da atividade nem contribuiu para disseminá-la. A imprensa denuncia reiteradamente exploradores do lenocínio agora dedicados ao recrutamento de menores. Eles não têm cúmplices em publicações sérias. Não lhes faltam advogados.

E sobram advogados dispostos a defender bandidos que pagam honorários com procissões de zeros, em cédulas manchadas de sangue. Num trecho da carta, o presidente da OAB declama, com a pompa de quem redigiu o 11º mandamento, uma obviedade: ''Em um verdadeiro Estado de Direito Democrático, todo cidadão tem direito a ampla defesa, aí incluídos os acusados de crimes; fora disso é a barbárie''.

Nenhum homem sensato discorda disso. (A tese é rejeitada por gente como os militantes do crime organizado, que instituíram seus próprios tribunais próprios e vêm aplicando a pena de morte sem permitir que o condenado sequer abra a boca. Assim têm sido executados policiais, promotores e juízes de Direito). Machado só não ressalvou que os chamados defensores públicos existem também para atuar em processos que advogados muito éticos preferem manter a distância.

Indicados pelo Estado, e apesar dos honorários quase simbólicos, defensores públicos não costumam omitir-se nos casos para os quais são convocados. Buscam atenuantes, tentam reduzir penas, fazem o possível para vislumbrar frestas de luz na escuridão. Mas não se reduzem à condição de empregados de um Beira-Mar.

Essa figura não tem, nunca teve, emprego legal. Sempre viveu metido com o narcotráfico. Está recolhido à cadeia já faz tempo. Como consegue pagar (e muito bem) o bando de advogados? Quem o ajuda a providenciar dinheiro para remunerar pelo menos cinco bacharéis?

A reação dos leitores atesta que os brasileiros, e com eles a imensa maioria dos advogados, buscam respostas para essas perguntas. Sobretudo, querem o fim do corporativismo. Essa praga, que ataca tantas profissões, sempre faz mal aos olhos e prejudica a audição. Às vezes, reduz o volume de neurônios mesmo em cérebros bem-intencionados.

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