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Educação da mulher

Da Redação

sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Atualizado em 24 de novembro de 2005 11:16


Educação da Mulher


(Assembléia de Pernambuco Sessão em 22 de março de 1879)

"A questão do poder moderador e outros ensaios brasileiros"- Tobias Barreto.


O SR. TOBIAS: Sr. Presidente, trata-se, ao que parece, de uma questão importante; e eu não tive a felicidade de assistir às duas primeiras discussões do projeto, que foram, segundo consta, de um valor científico não comum.Não tenho também, portanto, a vantagem de me achar com o espírito esclarecido pela observação do muito, que de bom e luminoso aqui se tenha porventura enunciado, para entrar, como agora entro, com a minha parte de interesse e dedicação convicta, na matéria que se debate.

E não é só isto. Além de não ter a vantagem, de que falo, acresce ainda que me sinto embaraçado pela consideração do perigo, a que me exponho, de vir talvez repetir, sem sabê-lo alguma cantiga já conhecida, e o destarte reduzir as minhas palavras a não serem mais do que uma segunda ou terceira dinamização do que outros já tenham dito, fenômeno que não é raro nas nossas corporações falantes.

Esse perigo, que corro, como ocorrem todos em iguais condições, inquieta-me sobremodo, e é por isso, Sr. presidente que meu primeiro e maior trabalho será de esforçar-me para evitar um tal escolho, para não repisar o terreno pisado, para não comer o sobejo alheio, quero dizer, não servir simplesmente de caixa de ressonância daquilo que nesta casa foi ouvida, quer a favor, quer contra o projeto de discussão. Cada coisa tem as suas nove faces, diz o provérbio.

Por mais que os ilustres deputados, que tomaram parte na questão, tenham perscrutado todas as dobras, de que ela se compõe, é sempre de presumir que algum ponto importante passasse despercebido, ou pelo menos não fosse devidamente apreciado.

Eu ouso pois confiar na boa causa que trato de defender, e de culto rendido às excelências do belo sexo, ouso confiar, repito, que poderei também contribuir com algumas verdades, seriamente meditadas e francamente expressas, para arredar desta assembléia a imensa responsabilidade de um pecado imperdoável contra o santo espírito do progresso, de um crime de lesa-civilização, de lesa-ciência, qual seria sem dúvida o de ficar aqui decidido, barbaramente decidido e assentado, que a mulher não tem capacidade para os misteres que demandam uma alta cultura intelectual.

VOZES: Muito bem!

O SR. TOBIAS: Existe, Sr. presidente, um certo gênero de assuntos, sobre os quais é mais fácil escrever um livro, do que fazer um discurso. A este gênero pertence o tema, que nos ocupa; não considerado em sua forma primitiva, como ele se acha contido na modesta petição de uma menina inteligente, que veio impetrar da província uma subvenção para ir estudar medicina, mas sim tal qual o tornaram, com as proporções, que lhe deram, levando-o para o chamado campo científico, onde aliás é certo que a teoria sustentada pelo nobre deputado, o Sr. Dr. Malaquias, já de há muito retirou-se do combate, envergonhada de si mesma, teoria decrépita, sem razão de ser, pretendida fisiológica, da mulher condenada por natureza à incapacidade e ao atraso mental, teoria que já hoje, no mundo da ciência, representa o mesmo papel, que representa, no mundo poético, a insula maldição clássica dos vates indignados contra as Marílias sempre ingratas, as Márcias sempre cruéis, as Jônias sempre traidoras.

Quando digo, Sr. presidente, que este assunto presta-se mais a um livro do que a um discurso, não viso por certo um livro de doutrina, porém um livro de história, no qual se narrassem todas as fases, por que tem passado a questão aqui suscitada, e o estado em que ela se acha. Tal é o muito que se tem escrito a respeito e tanto que essa questão possui, por si só, uma imensa literatura. Se pois alguma coisa me pode causar admiração, é ver um espírito culto, qual é o nobre deputado, combatente do projeto, um digno representante da medicina entre nós, por capricho ou mau humor...

O SR. MALAQUIAS: Não apoiado.

O SR. TOBIAS... abraçar-se com o cadáver de uma teoria inanida, que já não pertence aos nossos tempos, que deve ser enterrada na mesma fossa, em que dorme o pobre dogma do pecado original, de quem ela é filha bastarda, o dogma da queda de Adão por causa de Eva, e o terrível veredictum:...sub viri postestate eris et ipse dominabitur tui!... Sim, é isto que me admira, e esta admiração sobe de ponto, quando considero que foi em nome da ciência, que o ilustre deputado pretendeu falar; que foi em nome da ciência, e pela força única do advérbio fisiologicamente, que pretendeu demonstrar a inferioridade da mulher, sua dependência perpétua em relação ao homem, sua inatitude para os estudos sérios: tudo isto escrito como ele pensa, no próprio cérebro feminino: o que, entretanto, não passa de uma espécie de buena dicha, pela qual se tem a pretensão de ler na massa cerebral da mulher o seu predestino, os limites do seu desenvolvimento, o acanhado de sua inteligência.

O SR. MALAQUIAS: Pretensão muito legítima.

O SR. TOBIAS:...da mesma forma que as boêmias feiticeiras lêem na palma da mão a sorte boa ou má de quem quer que a elas para isso se ofereça.Dar-se-á que a fisiologia seja também uma cigana?Dar-se-á que ela se arrogue o dom de predizer e ser infalível em suas predições?...A fisiologia, da qual aliás diz um homem competente, que deve ser muito autorizado para o nobre deputado, o Sr. Augusto Laugel, bien connu dans lês sciences physiques, como dele exprime-se Litré...a fisiologia, sim, da qual diz esse sábio que, como todas as ciências na infância, está sobrecarregada de observações, ou falsas, ou incompletas?!...

O SR.MALAQUIAS: Dá um aparte.

O SR. TOBIAS: Este estranho modo de pensar da parte do nobre deputado faz-me compreender a exatidão, com que há pouco tempo o grande zoólogo alemão Carl Semper, um dos mais fortes adversários de Ernesto Haeckel, escreveu que no domínio das ciências verifica-se a mesma lei natural, que se dá na vida dos povos, a saber: o vencido tem sempre alguma influência sobre o vencedor; e assim vemos que a zoologia está prestes a admitir o método praticado naquela ordem de idéias, contra a qual ela tem preferência combatido, e crê ter ganho vitória, isto é, está prestes a admitir a fé absoluta em dogmas, que por se dizerem científicos não são menos incompreensíveis que os dogmas religiosos.

Neste caso está o dogma impertinente, o artigo da fé tradicional, que se quer impor como baseado em provas fisiológicas, relativo a não sei que incompetência natural da mulher para o cultivo completo de suas faculdades mentais.

Costuma-se dizer, Sr. presidente, que, na esfera política, nada existe de mais terrível do que a ditadura da espada. Pois bem: conheço alguma coisa de semelhante, alguma coisa de igualmente horrível na esfera científica: é a ditadura do escalpelo.

Mas eu me iludo: estou querendo fazer a fisiologia, ou qualquer outra ciência medica, responsável por um modo de ver pessoal, por uma insistência no erro da parte de quem quer ainda creia poder provar, com fatos científicos, que a mulher é, por natureza, medíocre.

O SR. MALAQUIAS: É a lei quem o diz.

O SR. TOBIAS: Que tem mais que ver a fisiologia, a ciência do homem em geral, com semelhante anacronismo?

Sr. presidente, permita-se S. Exa que eu conte uma pequena história. Há cerca de 25 anos existiu na capital da Bahia um velho filólogo, latinista e helenista, doctus sermonis utriusque linguae, a quem uma vez ocorreu a lembrança de tentar provar, por meio da álgebra, que a alma humana é imortal.Firme neste propósito, meteu as mãos à obra, e estabelecendo a sua equação com o competente X , depois de muito suar e lidar , achou enfim o que queria, ficando ufano e contentíssimo da sua descoberta; e morreu convicto de ter com efeito demonstrado a imortalidade da alma, algebricamente!...

É preciso todo o sério, que inspira o espetáculo dos túmulos, para conter o ris o diante de tal tentativa, diante dessa espécie de delit manque filosófico de um pobre espírito que assim se finou na graça de Deus e da madre Igreja, com cheiro de idiotismo.

Ora, a esta classe de demonstração, mutatis mutandis, exceptis excipiendis, pertence aquela que se julga feita fisiologicamente, com o fito de deixar claro que a mulher é incapaz de compartilhar com o homem de todos os esforços e todos os proventos da civilização e do progresso.

Seja-me lícito, Sr. Presidente, repetir aqui as palavras de um grande espírito contemporâneo, um notável professor da universidade de Copenhague:

"Na sociedade moderna, diz ele, o indivíduo que nela entra e com ela vive encontra, por assim dizer, um antigo vestuário de prejuízos, que ele deve ajeitar ao seu corpo. Como assim? pergunta o mísero condenado a enfiar, malgrado seu, o uniforme social, é indeclinavelmente preciso que eu me embrulhe neste manto esburacado? Não posso dispensar a velha roupa que todos vestem? É inevitável que me pinte o rosto, ou que ponha também a minha máscara? Devo eu necessariamente crer que Polichinelo não tem giba, que Pierrô é um homem honesto, e Arlequim um homem sério? Não se concede, neste sentido, uma graça em favor de alguém?... Nenhuma graça se concede se tu não queres ser açoitado por Polichinelo, escoiceado por Pierrô e palmatoriado por Arlquim".

Magníficas palavras que subscrevo de coração porque elas exprimem perfeitamente a triste verdade das coisas.

Ora pois: eu afronto impávido o látego de Polichinelo e a férula de Arlequim, para dize-lo alto e bom som: um desses antigos vestuários de prejuízos e errôneas opiniões consagradas, uma dessas peças de roupa velha, mas anacrônica e ridícula do que os coletes de paisagem e as calças de alçapão dos nossos antepassados é a idéia preconcebida, a opinião extravagante de que a mulher não tem talento para a cultura cientifica.

O nobre deputado, a quem aprouve dar à presente questão uma cor, que não se fazia aqui precisa, e chamá-la para um terreno, onde ela correu, se ainda não corre o risco de ter uma solução desfavorável à jovem peticionaria; o nobre deputado, que pôs o seu talento a serviço de uma causa má, porque importa a sustentação de uma teoria atrasada, permitirá que lhe diga: ou S. Exª acha-se ao fato de que existe de assentado a respeito da aptitude feminina para os estudos médicos, e suficientemente informado sobre as fases que tem atravessado essa questão; ou não se acha. No caso afirmativo, S. Exª não tem desculpa de haver guardado segredo, de haver escondido o que há de mais novo sobre a matéria, para tomar um ponto de vista inadequado e prejudicar assim a pretensão da impetrante. Se porém ignora, o que duvido, ainda menos desculpável é S. Exª, pois que devendo inteirar-se do verdadeiro estado da questão, e não o fazendo, não pode insistir, como tem insistido, na defesa de sua opinião, que é mal segura, desde que em torno dela não se agrupam fatos comprobatórios e argumentos fornecidos por uma teoria mais vigente. (Apoiados)

Sr. Presidente, a questão que aqui hoje nos ocupa, a questão de saber se a mulher pode estudar e exercer a medicina, já não é uma tal, já não tem caráter problemático para o alto mundo cientifico. Pode-se até fazer-lhe a história e enumerar os seus momentos diversos. Foi em dezembro do ano de 1867, que na Europa se deu o primeiro impulso para um dos maiores movimentos dos tempos modernos, sendo conferido a uma mulher, em ato solene o grau de doutora em medicina por uma universidade célebre, a universidade de Zurique. Essa mulher é uma russa e seu nome Nadeschda Suslowa. Foi esta, sim, a primeira vez que se resolveu ali praticamente e de modo satisfatório o problema inquietante dos estudos universitários da mulher, em comum com estudantes do sexo masculino. Até então não se tinha suscitado dúvida séria sobre a competência, ou incompetência dela, para as funções especiais de médico.

Este fato, que na ocasião tomou proporções de um acontecimento, não deixou de ter sua influência. O exemplo de Nadeschda Suslowa atraiu a Zurique outras aspirantes; e três anos depois, a 12 de março de 1870, recebia igualmente o grau doutoral a segunda médica daquela universidade, uma moça inglesa Elisabeth Morgan, sobre cujo caráter e talento se exprimiram do modo mais honroso, na ocasião do grau, diversos professores da escola. Tal foi a impressão do ato e do brilhante papel da moça médica que não resistiram ao desejo de manifestar a sua admiração. Ao decano da faculdade, o professor Biermer, coube argui-la a respeito da dissertação, que tratava do seguinte ponto: Sobre a atrofia progressiva dos músculos . Creio que é um ponto científico e de alguma importância. Creio, digo eu, porque nestas matérias sou um simples devoto, um simples crente; posto que, é verdade, quando menino, na minha terra, ouvisse muitas vezes alguns devotos discutirem teologia com o vigário. (Riso). A moça doutoranda respondeu a todas as objeções de um modo tão vantajoso, que o professor não pôde conter seu entusiasmo, dirigindo-lhe entre outras as seguintes palavras: "Vós tendes, mademoiselle, uma boa parte na solução do grande problema social que aqui nos ocupa. Pelo vosso sério científico vos tornastes um modelo para as mulheres que aqui estudam; e eu não duvido um só instante, que, em vosso próprio interesse e para bem de muitas outras, haveis de aplicar dignamente os conhecimentos entre nós adquiridos".

Do meio dos moços estudantes, pois que naquela universidade têm eles o direito, que oxalá existisse também nas nossas faculdades, de argüirem os doutorandos, ergueram-se então duas vozes a atacar duas teses, não sei se por um ato de grosseria, ou de simples galanteio, e a ambos os opoentes, diz o autor, a quem devo estas informações, a candidata respondeu tranqüila e satisfatoriamente. Terminado o ato da promoção de Miss Morgan a doutora de medicina, cirurgia e obstetrícia, um outro professor universitário, na alocução que proferiu, disse-lhe ainda: "... Acabais de dar-nos uma nova garantia do bom êxito da experiência, que fazemos em Zurique, para a solução da questão social, que hoje mais que qualquer outra preocupa o mundo: a questão da mulher".

Isto dava-se em março de 1870. Em outubro de 1871 e no ato do doutoramento de outra médica da mesma universidade, o anatomista professor Hermann Meyer dizia também à jovem aspirante: "Mostrastes pelo vosso exemplo que é possível à mulher dedicar-se com todo o sério à vocação medical sem por isso renegar o caráter feminino".

Como se vê, o fato estava assentado e ninguém ousava contestá-lo. Eis que, porém, nesse mesmo ano de 71, levantou-se uma voz, uma única voz autorizada para protestar contra ele, e tentar ainda convencer o público da incapacidade feminina para os misteres médicos. Essa voz foi a do Dr. Frederico Bischoff, professor de fisiologia na universidade de Munique, o qual escreveu uma obra especialmente destinada ao assunto, que tem por título: Do Estudo e do Exercício da Medicina pelas Mulheres.

Aparecendo este livro, no qual, depois de apresentar todos os argumentos e considerações teóricas, em apoio de sua opinião, Bischoff teve a franqueza de declarar que nunca tinha ensinado a mulher alguma, nem jamais admiti-las-ia entre os seus discípulos, foi como que uma provocação aos professores de Zurique, e a refutação não se fez muito esperar. Os Drs. Victor Boemert e Hermann, não aquele, de que já falei, mas um outro lente da fisiologia, saíram ao encontro de Bischoff, o primeiro no escrito: O Estudo das Mulheres, Segundo as Experiências da Universidade, e o segundo em outro escrito: O Estudo das Mulheres e os Interesses da Escola Superior de Zurique. Dois pequenos livros, em que as idéias preconcebidas de Bischoff são de todo combatidas e mostra-se claramente o anacrônico da sua obra, o fraco da sua argumentação, que ainda se baseia em grande parte na ordem providencial do destino da mulher e, sobretudo a singularidade de falar a priori de uma coisa, sobre que não tinha conhecimentos práticos.

Não ficou aí. Alguns outros professores ainda acharam ocasião de dar o seu parecer sobre o ponto questionado; e homens, como Frey, lente de anatomia e histologia comparada, e o já mencionado Biermer, decano da faculdade e lente de clínica, se expressaram de maneira a não deixar a mínima dúvida: "De acordo com as minhas experiências, diz Frey, que todas se fundam na instrução prática, sou forçado a reconhecer em um grande número de cabeças femininas uma alta capacidade para o estudo das disciplinas anatômicas, e até para os pontos mais difíceis da anatomia superior... Exatamente na microscopia, parte importantíssima da medicina moderna, a mulher tem um futuro." E Biermer exprime-se assim: "Na clínica muitas mulheres se têm distinguido e assinalado por uma cuidadosa indagação e uma excelente diagnose".

Já isto seria bastante, quando mesmo fosse tudo. Mas não é tudo. Saiba mais o nobre deputado, meu ilustre e respeitável antagonista na questão debatida, que quase por esse mesmo tempo, em que tais coisas se davam na Suíça, admitira-se na universidade de Edimburgo o ensino das mulheres. Sucedeu, porém, que os estudantes ingleses, impelidos não sei por que motivo, entenderam dever fazer barreira à tendência dominante, e reunindo-se para isso peticionaram à faculdade, e esta resolveu por 6 votos contra 4, a exclusão das discípulas. Contra uma tal exclusão protestou o lente de anatomia, Dr. Handyside, e o seu protesto é tanto mais digno de consideração, quanto é certo que foi feito, sem intenção possível de lisonjear o belo sexo, em uma carta particular, dirigida ao Dr. Boemert, em que ele declarou que os estudantes tinham feito aquele movimento levados de pretextos frívolos (on very frivolous pretences). E terminou a carta (o nobre deputado tome nota das expressões de seu colega) dizendo: "É ridículo, em nossa profissão, querer-se ainda lutar contra a corrente, pois as mulheres são sem dúvida admiravelmente conformadas para brilhar (to excel) em anatomia, cirurgia, obstetrícia, farmácia e muitos outros departamentos da profissão médica".

Eu creio, Sr. Presidente, que em presença de tantos e tais fatos, confirmados pelo testemunho de homens competentes, não é possível insistir no modo de ver contrário. Onde existe a cultura, existe de parceria com ela a docilidade. O meu honrado colega, combatente do projeto, há de convir que neste ponto deixou-se mais conduzir por um mau humor...

O SR. MALAQUIAS: Não apoiado.

O SR. TOBIAS: ... por um capricho, por um desses ímpetos de momento...

O SR. BARÃO DE NAZARÉ: Quem sabe se o defeito não está no signatário projeto?...

O SR. TOBIAS: ...pois tendo bastante habilitação, como lhe reconhecemos...

O SR. BARÃO DE NAZARÉ: Apoiado.

O SR. TOBIAS: ... sendo mesmo autoridade na matéria por ele discutida, deve saber e concordar que não se trata de uma questão teórica, de uma questão que se possa resolver com dados apriorísticos, porém de uma que só no terreno experimental pode ser elucidada. Ora, no terreno experimental, esta questão está resolvida do modo mais favorável à mulher.

O SR. BARÃO DE NAZARÉ: Apoiado.

O SR. MALAQUIAS: Não apoiado.

O SR. TOBIAS: Os fatos aí estão e com eles o testemunho de homens notabilíssimos. Não é mais possível insistir de encontro ao que já é verdade reconhecida; salvo, se se pretende qualificar todos esses homens de incompetentes, ou animados de paixões inconfessáveis, o que não é admissível. São homens sérios, que estudaram a matéria com a seriedade da ciência.

O SR. ERMÍRIO COUTINHO: Autoridades.

O SR. MALAQUIAS: Existem também muitas em contrário.

O SR. TOBIAS: Agora, Sr. Presidente, passarei a apreciar outro ponto da argumentação do nobre deputado. Segundo constou-me, a maior parte das considerações feitas por S. Exª contra a idéia contida no projeto referiu-se ao cérebro da mulher. Eu disse nas minhas palavras iniciais que a teoria professada pelo nobre deputado é uma teoria decrépita. Não foi isto um dito da ocasião, mas um dito de convicção.

Essa teoria, repito, que ensina a determinar o grau de inteligência unicamente pelo peso do cérebro, é coisa um pouco desacreditada e não faz muita honra a quem quer que ainda queira basear-se nela. É quase o mesmo ponto de vista da velha doutrina de Gall.

E não é preciso ser espiritualista, como eu não o sou, no sentido vulgar da palavra, para assim pensar. Se para ser materialista, no sentido científico, se faz necessário, indeclinavelmente necessário, que se comunguem tais doutrinas, então não sou também materialista, porque não admito essa mecânica cerebral, essa proporção entre a massa do cérebro e o grau de inteligência. Acho-a incompreensível e acho-a assim porque não vejo razão alguma de força, que a possa sustentar.

O SR. MALAQUIAS: As leis fisiológicas.

O SR. TOBIAS: Quais são elas?

O SR. MALAQUIAS: Quanto mais bem desenvolvido é o órgão, melhor é a função.

O SR. TOBIAS: E isto já será decerto uma lei? O maior peso do cérebro é por si só uma prova de maior desenvolvimento? A fisiologia , que até hoje, como diz pessoa competente, não se tem ocupado nem com as funções do desenvolvimento, nem com o desenvolvimento das funções, bem poucas leis apresenta, que não possam sofrer contestação; e nesse número não se contam as que dizem respeito ao cérebro.

Basta-me o seguinte fato: Nós temos conhecimento do peso cerebral de alguns grandes homens. Perguntarei pois ao nobre deputado ou a outro qualquer que siga a mesma teoria, como pode explicar este fenômeno: o cérebro de Byron, por exemplo, pesou 2.238 gramas, e o de Dupuytren 1.436, um peso tal que oferece para com o primeiro uma diferença de 802 gramas, uma libra e três quartas, pouco mais ou menos. Ora, a uma diferença tamanha no peso do cérebro deveria corresponder uma notável diferença intelectual entre os dois espíritos. Mas porventura Byron, como poeta, foi maior do que Dupuytren, como cirurgião?...


O SR. MALAQUIAS: Como cirurgião foi o primeiro do seu século.

O SR. TOBIAS: Como Byron também o primeiro poeta. Admitindo, pois, que a massa cerebral tivesse a significação, que se lhe quer dar, se ao peso de 2.238 gramas corresponde um gênio poético da estatura de Byron, ao peso de 1.436 não poderia corresponder um gênio cirúrgico do quilate de Dupurytren.

Mas isto não diz tudo; a questão tem ainda uma outra face. Na pergunta que vou fazer, está a morte da teoria que combato. Eis aqui o que vai mata-la: qual é o peso normal do cérebro humano? (Pausa).

O SR. MALAQUIAS: Há uma média.

O SR. TOBIAS: Uma média não é peso normal.

Peço ao nobre deputado que me dê um peso certo e determinado.

Quantos cérebros já foram encontrados com peso igual uns aos outros? Não se conhece. Sempre oferecem diferenças e estas diferenças estão dizendo que não há normalidade, não há uma lei fixa a respeito.

Além disto, ainda temos a considerar o seguinte: a teoria do peso do cérebro, como medida intelectual, é anacrônica e insustentável, não só pelas razões, que acabo de expender, como também por um outro motivo que peço ao nobre deputado se digne de apreciar. Nós sabemos da grande importância, do grande desenvolvimento, que tem tido a doutrina da seleção natural de Darwin, sobretudo reformada e engrandecida em mais de um ponto por Ernesto Haeckel. Pois bem: entre as leis da conformação ou adaptação indireta, de que fala Haeckel, está em primeiro lugar aquela que ele chama da adaptação individual, e segundo a qual os indivíduos de uma mesma espécie nunca são totalmente iguais.

Ora, pergunto eu: a diferenciação cerebral não é mesmo um efeito desta lei? O peso do cérebro não se explica também por essa adaptação individual pela qual nunca se encontrarão dois indivíduos com igualdade de massa cerebral? E, sendo assim, como querer-se, comparando a mulher com o homem, deduzir de pequenas diferenças no órgão do pensamento de uma enorme distância entre um e outro na capacidade intelectual?!...

É inadmissível.

Sr. presidente, a questão que se ventila tem duas faces: uma face particular, a que nos diz respeito, no caso determinado, e uma face geral, aquela que se refere às grandes idéias do século, que se prende ao movimento do mundo civilizado. Aqui falou-se da emancipação da mulher, com o propósito consciente de prejudicar a peticionaria...

O SR. BARÃO DE NAZARÉ: Apoiado.

O SR. TOBIAS: ... Mas essa mesma questão da emancipação da mulher não é uma coisa extravagante; é o nome dado a um dos mais sérios assuntos da época, em toda sua complexidade. Ela oferece três pontos de vista distintos: o ponto de vista político, civil e social. Quanto ao primeiro, a emancipação política da mulher, confesso que ainda não a julgo precisa, eu não a quero por ora.

Sou relativista: atendo muito às condições de tempo e de lugar. Não havemos mister, ao menos no nosso estado atual, de fazer deputadas ou presidentas de província.

Um SR. DEPUTADO
: V. Exª é oportunista.

O SR. TOBIAS: Pelo que toca, porém, ao ponto de vista civil, não há dúvida que se faz necessário emancipar a mulher do jugo de velhos prejuízos, legalmente consagrados. Entre nós, nas relações da família, ainda prevalece o princípio bíblico da sujeição feminina. A mulher ainda vive sob o poder absoluto do homem. Ela não tem, como devera ter, um direito igual ao do marido, por exemplo, na educação dos filhos; curva-se, como escrava, à soberana vontade marital. Essas relações, digo eu, deveriam ser reguladas por um modo mais suave, mais adequado à civilização.

O SR. CLODOALDO: Com igualdade absoluta de direitos é impossível a família.

O SR. TOBIAS: Igualmente absoluta! São termos que se repelem, pois a igualdade é uma relação.

O SR. CLODOALDO: O que eu quero dizer é que não compreendo a sociedade conjugal sem uma autoridade.

O SR. TOBIAS: Esta autoridade estaria na lei. O que eu desejava, pois, era que a lei regulasse as relações da família de tal maneira, que não pudesse aparecer nem a anarquia nem o despotismo.


O SR. CLODOALDO: E é o que temos.

O SR. TOBIAS: Perdão! Nós temos o despotismo na família.

O SR. CLODOALDO: Não apoiado.

O SR. TOBIAS: Se, por um lado, podemos apresentar exemplos, somente devidos a uma boa índole, de maridos que seguem os conselhos de suas mulheres, que condescendem com a vontade delas, por outro lado, encontramos muitas vezes verdadeiros déspotas, semelhantes aos reis do Oriente, para quem a vida claustral é a missão suprema da mulher e que, fazendo todo o uso de seu direito, querem porque querem, mandam porque podem... et terra siluit in conspectu eius.

Mas vamos ao lado social da questão. Aí é que está compreendida a emancipação cientifica e literária da mulher, emancipação que consiste em abrir ao seu espírito os mesmos caminhos que se abrem ao espírito do homem; e a este lado é que se prende o nosso assunto. Se pois não se trata de fazer uma concessão de tal natureza, que venhamos daqui a anos ter uma deputada ou aspirante à presidência da república; se não se trata mesmo de conceder à mulher esta ou aquela liberdade no domínio do Direito Civil propriamente dito; se é unicamente um passo dado para a emancipação social, no sentido em que falei; se é este o primeiro exemplo que vamos dar, a primeira porta que vamos abrir, um incentivo que vamos criar para o belo sexo em geral; por que não fazer essa concessão, quando ela é tão pequena; quando é um favor tão simples, que quase nada custa à província? (Apoiados).

Examinemos ainda uma vez a teoria, ou antes a opinião caprichosa do nobre deputado.

O SR. MALAQUIAS: Não apoiado.

O SR. TOBIAS: Essa teoria tem sua história. Como eu disse ao princípio, ela é filha bastarda do dogma impertinente do pecado original. Passou do Velho para o Novo Testamento e incorporou-se às doutrinas de São Paulo, o qual na sua Primeira Epístola a Timóteo, capítulo II, v. 11 e 12, assim se exprime: - "Mulier in silentio discat cum omni subjetcione... Docere autem mulieri non permitto, neque dominari in virum; sed esse in silentio.

E quer agora ver o nobre deputado que razão aduziu S. Paulo para fazer uma tal proibição e impor à mulher tão bárbara lei? Ele mesmo diz: é que Adão foi criado primeiro!... Adam enim primus formatus est, deinde Eva...! O órgão das funções lógicas estava um pouco desarranjado no grande criador do catolicismo. Mas a sua razão prevaleceu, e até hoje a mulher tem estado e ainda se quer que esteja em silêncio.

Já se vê que a doutrina do nobre deputado é a mesma velha doutrina da Igreja, filha da Bíblia sagrada...

O SR. MALAQUIAS: Não apoiado.

O SR. TOBIAS: ... é a doutrina de S. Paulo, a doutrina do catolicismo, cuja influencia se fez sentir na jurisprudência italiana da Idade Média, e não só nesta, como também na jurisprudência alemã dos séculos XV, XVI e XVII. É assim que Paulo Zachias, médico- legista desse tempo, resumiu tudo o que pensava sobre a mulher nas seguintes palavras: Das Weib ist geboren, um zu gebären. Textual: a mulher nasceu para ter filhos.

E os juristas italianos, como quase todos da época, tinham frases feitas para designar a inferioridade feminina, consilium invalidum, imbecillitas, infirmitas, animi, etc... o que tudo, queria dizer que a mulher não tem cabeça, que é fraca de juízo!... Eis aí!

Eu não sei, Sr. presidente, como o nobre deputado, antagonista do projeto, espírito emancipado, pode chegar, sob este ponto de vista, a abraçar-se com a santa Igreja, a abraçar-se com S. Paulo. (Apoiados). Ora aí está, meus senhores: acabo de fazer uma conversão, converti o Sr. Dr. Malaquias.

O SR. MALAQUIAS: Perdão: eu estou nos braços da ciência.

O SR. TOBIAS: Engana-se; está com o catolicismo, está com S. Paulo, está com os santos padres, que tinham dúvidas sobre a alma racional da mulher, como hoje se duvida do seu cérebro, está com a jurisprudência católica da Idade Média, está com toda essa gente...

O SR. GERVÁSIO CAMPELLO: Então está salvo. (Riso)

O SR. TOBIAS: Se não se tratasse de um espírito emancipado, como acabo de qualificar o nobre deputado, não lançaria mão desta ordem de considerações, pois que ela, em relação a outro, não teria razão de ser. É um argumento ad hominem, que só tem força, aplicado ao nobre deputado que tem idéias livres e não faz nenhum mistério do seu modo de ver anticatólico. E é justamente por isso que a atitude de S. Ex. seria pata mim uma coisa inconcebível, se eu não visse nela um mero arroubo de ocasião.

O SR. MALAQUIAS: Não apoiado.

O SR. TOBIAS: Com efeito, Sr. presidente, dizer que a mulher não tem competência para os altos estudos científicos é, além do mais, um erro histórico, um atentado contra a verdade dos fatos. Seja-me lícito aqui, lançando de passagem uma vista retrospectiva, indicar uma série de mulheres extraordinárias, cujo brilhante papel na história não foi ainda superado, comparando-se mesmo com os grandes homens.

Assim vemos apresentarem-se na Grécia, além de Safo, Mirtis e Corina, também poetisas, a quem cabe a glória de terem sido mestras do maior lírico daquela nação, mestras de Píndaro. E não somente a poesia, a filosofia teve igualmente suas dignas representantes. Desarte nomeia-se como primeira filósofa Clobulina, filha de Cleóbulo, que floresceu na época dos sete sábios. Pitágoras contou, entre os seus discípulos, grande número de mulheres. Diz-se mesmo que ele aprendeu a filosofia com sua irmã Temistocléia, e que a sua mais aplicada discípula foi Teano, sua mulher. Nomeia-se ainda a Targélia, de Mileto, mestra de Aspácia, a mulher de Péricles, a mestra de Sócrates.

Nos tempos posteriores e saltando por sobre a Idade Média onde a mulher desaparece de todo pelo voto religioso, pelo isolamento da vida claustral, posto que, mesmo assim, mais de uma, nessa época, se possa mostrar, bem digna de louvor e admiração, sabemos, por exemplo, de uma Nina Siciliana, de uma Olímpia Morata. A tradição fala de Helena Calderini, filha de Giovanni Andréa Calderinni, professor de Direito Canônico na universidade de Pádua, a qual costumava substituir a seu pai, quase sempre ocupado em missões diplomáticas; e quando isto fazia, subindo à cadeira, era escondida por detrás de uma cortina, para não distrair, com a sua beleza, a atenção dos seus ouvintes! É fato histórico incontestado que ainda no século passado quatro mulheres preencheram cadeiras magistrais na universidade de Bolonha. Foram elas: Laura Bassi, professora de filosofia; Anna Morandi Manzolini, professora de anatomia; Gaetana Agnesi, professora de geometria, e Clotilde Tambroni, professora de grego. Não são fatos convincentes da capacidade feminina?...

Nos últimos tempos vemos em França, além da célebre Staël, e a não menos célebre Sand, uma Delphine Gay, uma Louise Collet, Marie Deraisme, Julie Danbié, Clémence Royer, Daniel Sterne; vemos na Alemanha Fanny Lewald, Elisa Schmidt, Hahn Hahn, Betty Paoli, Durisgsfeld, Jenny Hirsck e tantas outras; na Inglaterra uma Martineau, uma Sommerville; na Itália uma Ferrucci, uma Alaíde Beccari, mulher admirável, que padecendo de uma paralisia e só podendo escrever com a mão esquerda, é todavia a redatora constante de um jornal publicado em Veneza e consagrado à defesa dos direitos do belo sexo, sob o título La Donna.

Onde está pois, Sr. presidente, o fundamento das pretensões em contrário? Como teimar-se em opinar que a mulher é por natureza destituída de força suficiente para uma séria cultura intelectual?

Os argumentos que de ordinário se manejam contra a inteligência feminina são do gênero daquele que empregou o velho Aristóteles, quando disse que havia escravos natos, que havia homens nascidos para a escravidão. Pela existência e condição social do escravo, cujos efeitos, em virtude da lei da herança, foram se transmitindo de geração em geração, era natural que o seu cérebro passasse por alguma alteração, que ficasse de algum modo atrofiado, não se prestando ao exercício desta ou daquela faculdade mental. Daí o engano do filósofo, que, observando o homem escravo já nesse estado do desenvolvimento histórico, pôde concluir que ele efetivamente nascera para a escravidão.

É o que se dá, pouco mais ou menos, quanto ao modo de julgar a mulher: porque ela não tem tido, no correr dos tempos, uma educação suficiente e dessa mesma falta de educação tem resultado para o sexo um tal ou qual acanhamento, chegou-se também ao ponto de supor que ela não é suscetível de cultivar-se e ilustrar-se da mesma forma que o homem. Mas aí é que está o erro, e nós devemos reconhecê-lo. A mulher tem as mesmas disposições naturais para os estudos superiores; o que há mister é cultura, trabalho e esforço; o que há mister é que se lhe franqueie o templo da ciência. Dizia há pouco uma escritora alemã, a Sra. Hedwig Dohn, em um livro intitulado A Emancipação Científica da Mulher: "Nós não queremos bater à porta dos parlamentos, queremos bater à porta da ciência, à porta das universidades; é esta somente que nós pedimos que se nos abra".

Eis a verdade; não se quer mais do que isto e o que se quer é justo. Assim, não se continue a lançar mão de argumentos prejudicados, que já não ferem a questão, que são caducos, que não provam mais coisa alguma.

É possível que, procedendo-se a uma análise das qualidades masculinas e femininas, descubra-se realmente no homem maior grau de desenvolvimento; mas este fenômeno se explica pela razão que acabei de indicar e que é incontestável: a educação incompleta, a cultura escassa da mulher. Até hoje educada só e só para a vida íntima, para a vida da família, ela chegou ao estado de parecer que é esta a sua única missão, que nasceu exclusivamente para isto. E tal é a ilusão, em que laboramos: tomando por efeito da natureza o que é simplesmente um efeito da sociedade, negamos ao belo sexo a posse de predicados que aliás ele tem de comum com o sexo masculino.

Entretanto, é para notar que, até certo ponto, a mulher como que foi talhada mais do que o homem para os estudos científicos. A proposição parece paradoxal; mas não o é; e eu tratarei de prová-la, sendo mesmo o nobre deputado, meu ilustre antagonista, quem me há de fornecer as armas.

Não é exato, pergunto eu, que para o estudo sério de qualquer ciência, tem-se necessidade de muito esforço, de muito trabalho? Não é também exato que esse mesmo trabalho e esforço envolvem a necessidade de uma vida sedentária, de uma vida de gabinete? Mas agora ainda pergunto: quem está mais no caso de suportar um tal modo de vida, o homem ou a mulher?

O SR. BARÃO DE NAZARÉ: A mulher.

O SR. TOBIAS: Porquanto não é certo, como dizem os competentes, que a mulher tem menos necessidade de oxigênio do que o homem?

O SR. MALAQUIAS: V. Exª, está agora pedindo à fisiologia argumentos que ainda há pouco combateu.

O SR. TOBIAS: Eu não combati a fisiologia, V. Exª não tem razão. Disse apenas que a considerava ainda uma ciência incompleta para querer estabelecer certas leis e leis que regulem relações de ordem tão complexa, como se dá na questão que debatemos.

Demais, eu creio que no ponto mencionado já vai de envolta outra ciência. Indagar se há no homem ou na mulher preponderância de carbono, ou de oxigênio, já não é simplesmente fisiologia.

O SR. MALAQUIAS: Mas a química é a base da fisiologia.

O SR. TOBIAS: Dizia, pois, Sr. presidente, que a mulher tem menor necessidade de oxigênio do que o homem, e é por isso que o homem sente mais do que a mulher o ímpeto da vida exterior, o desejo do ar livre. Ora, se para uma contínua aplicação e estudos profundos é mister uma vida sedentária, de solidão e recolhimento, não há dúvida que a mulher por este lado sobrepuja o homem em disposições naturais para o cultivo das ciências. Pouco importa o fato, que eu não nego, de haver no mundo feminino um certo predomínio da sentimentalidade...

Efeito da educação, e não da natureza, esse fenômeno cessará, desde que cesse a sua causa. Como não se chegar a semelhante resultado, como não dar-se na mulher essa preponderância do sentimento sobre a razão, se até hoje a sua educação tem sido preponderantemente sentimental? Começa pela educação moral, que ainda é de preferência dirigida à sensibilidade, e afinal completa-se a obra com o despertar do sentimento estético, - é o piano, é o canto, é a música em geral. Isto por anos, através de muitas perações, não podia deixar de produzir as conseqüências que aí vemos.

Tome-se outra direção; e outros também serão os resultados. Qualquer reforma, neste sentido, não será decerto útil para a geração presente; mas isto não é razão para que deixemos de ir logo dando os primeiros passos.

É possível, ainda insisto, descobrir atualmente no homem um grande número de qualidades espirituais superiores às da mulher.É possível mesmo que o mais bonito homem seja sempre superior em beleza à mais bonita mulher, como já houve quem dissesse, posto que, de minha parte, não duvide em opinar diversamente; e sendo sabido, como é, que Bryron, por exemplo, foi um homem formosíssimo, todavia eu preferia sem hesitação dar um beijo no pé da Guiccioli a beijar a fronte do grande poeta

O SR. CLODOALDO: Somos dois.

O SR. TOBIAS: Tudo é possível, menos , porém, sustentar-se, com razões plausíveis, que a mulher não deve estudar, por não dispor de um cérebro acomodado às mais difícies funções do pensamento.

Quanto é falso este modo de ver, acabo de mostrar exuberantemente, e não simplesmente com razões lógicas, porém com fatos e com atestação de homens autorizados.

O SR. BARÃO DE NAZARÉ: Apoiado.

O SR. TOBIAS: Na questão que nos ocupa, e que já está praticamente resolvida, as mulheres fizeram justamente, como Diógenes, o filósofo grego, para quem o melhor modo de responder ao sofista, que negava o movimento, foi caminhar, foi mover-se. Assim procederem elas. Àqueles que lhe negavam capacidade para os estudos superiores, máxime para o estudo da medicina, elas disseram: aqui estamos, eis- nos no meio de vós a praticar com vantagem a ciência médica.

E foram então aparecendo mulheres, como as irmãs Blackwell, nos Estados Unidos, duas médicas famosas, que chegaram a ter um rédito anual de 15 a 20 mil dólares.A mais velha, delas Elisabeth Blackwell, foi afinal residir em Londres, e a outra, Emily Blackwell, ficou em Nova Iorque, como professora no Medical College. Sobre aquela, há até notável, como diz um biógrafo, que ao princípio não se sentia com vocação alguma para o mister, nem mesmo pensava nisso; mas sucedeu que, assistindo à doença de uma sua amiga, ouvisse-a continuamente lamentar que a medicina não fosse exercida pelas mulheres, para obstar que as pobres doentes se viessem obrigadas a confiar-se a um homem.E daí nasceu a sua deliberação de fazer-se médica; o que realizou a despeito de sacrifícios.

Além das irmãs Blackwell, aponta-se ainda na América uma Clémece Eozier, uma Harriot Hunt, ambas célebres por uma vida de trabalho e a dedicação à causa da ciência que professam.Na Europa, entre outros, o nome de uma Miss Garret importa a mais completa refutação das opiniões adversas ao estudo e exercício da medicina pelas mulheres.

Voto, pois, Sr. presidente, em favor do projeto.


Entretanto, seja-me permitido oferecer um aditivo. Já disse uma vez que essa concessão à inteligente menina, filha do Sr. Romualdo Alves de Oliveira, era uma concessão pequenina, era um favor de pouca monta para província.

Votando, portanto, como desde já empenho o meu voto em favor do projeto, eu ouso adicionar-lhe uma emenda, em prol de um outro espírito esperançoso e prometedor, de quem tive, por algum tempo, a honra de ser mestre e mestre que muitas vezes teve de possuir-se de uns certos receios diante do talento de sua discípula. Refiro-me à Sra. D. Maria Amélia Florentina, filha do Sr. João Florentino Cavalcanti.

Esta moça estudiosa, aproveitando a ocasião que mais azada se lhe oferece, dirige assim, por meu intermédio, à representação de sua província um pedido que já há algum tempo projetara dirigir-lhe, para ver se consegue levar a efeito o seu mais íntimo desejo, que é o desejo de ilustrar o seu espírito, o desejo de instruir-se.

E eu justamente encarreguei-me de apresentar aqui o seu pedido, porque tenho pleno conhecimento do seu talento, como conheço perfeitamente quanto pode a sua inteligência, e tenho convicção de que saberá tirar toda a vantagem, para si e para a província, do favor que se lhe faça. Já tem, pelo menos, instrução preparatória suficiente para habita-la, em pouco tempo, aos estudos universitários.

Não sei se os meus nobres colegas conhecem a moça, de quem eu falo; não sei se têm tido ocasião de apreciar de perto o seu grande talento.

Mas posso afiançar-lhes e sem exageração, que é um espírito elevado, é uma dessas mulheres, que nasceram para o estudo, que nasceram para o livro, dotada de uma certa curiosidade científica, que não é comum nos próprios homens, naqueles mesmos, que se têm na conta de muito devotados à ciência.

Mando à mesa a minha emenda, e, ao concluir, Sr. presidente, peça à casa, e ao nobre deputado a quem de preferência me dirigi, que , se porventura, não correr da minha argumentação, escapou-me alguma coisa menos conveniente ou ofensiva, dignem-se de me desculpar, pois decerto não foi voluntária, nem houve de minha parte o mínimo propósito de ofender a quem quer que seja.

É de esperar, e que espero da assembléia, que comece desta vez a abrir a porta da ciência ao belo sexo de Pernambuco, que muito necessito de instrução: e talvez seja esta mesma a mais urgente necessidade da província
. (Apoiados).

Todo homem tem sua mania; e é infeliz aquele que não a tem: a minha mania, senhores é pensar que grande parte, senão a maior parte dos nosso males vem exatamente da falta da cultura intelectual do sexo feminino. (Apoiados).(Muito bem, muito bem. O orador é cumprimento).


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