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Denunciação da lide só é vedada em relação de consumo em caso de defeito em produto, conclui o STJ

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Da Redação

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

Atualizado às 08:42


Denunciação da lide só é vedada em relação de consumo em caso de defeito em produto, conclui o STJ

Apenas em caso de defeitos em produtos não é possível chamar à ação o banco em razão de corte por inadimplência quando paga a conta. A conclusão é da Terceira Turma do STJ, que, seguindo a ministra Nancy Andrighi, entende que, em se tratando de defeito na prestação de serviços, é possível a denunciação da lide.

Segundo Ovídio Baptista, a denunciação da lide é "o ato pelo qual o autor ou o réu chama a juízo um terceiro a que se liguem por alguma relação jurídica de que decorra, para este, a obrigação de ressarcir os prejuízos porventura ocasionados ao denunciante, em virtude de sentença que reconheça a algum terceiro direito sobre a coisa por aquele adquirida, ou para que este o reembolse dos prejuízos decorrentes da demanda".

Um consumidor entrou na Justiça pedindo indenização contra a Telet S/A, empresa que controla a Claro, operadora de telefonia celular, em razão do corte indevido do serviço. A operadora alegava falta de pagamento da fatura vencida em 9 de janeiro de 2004, mas o consumidor afirmava, e comprovou com documentos, que a fatura estava paga. O fato levou à troca de operadora e ao cancelamento do contrato, contudo a Claro se opôs à rescisão argumentando que esta não poderia ser concretizada enquanto persistisse a suposta inadimplência. Esse o motivo do pedido de indenização.

A empresa contesta, afirmando que o valor que o consumidor diz ter pago não lhe foi repassado pelo Banco do Brasil. Dessa forma, pediu a denunciação da lide à instituição financeira.

O banco, por sua vez, contesta, impugnando a denunciação. Afirma que o BB seria mero intermediário entre o consumidor e a empresa, dessa forma, se os serviços de telefonia foram suspensos, embora tenham ocorrido reiterados contatos do consumidor afirmando a quitação da dívida, a instituição não poderia ser responsabilizada pelos danos decorrentes.

Além disso, entende que a denunciação da lide não teria cabimento em processo em que se discute relações de consumo. Isso porque o artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor afirma que "na hipótese do artigo 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide". Por sua vez, o artigo 13 afirma que o comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; ou não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Em seu parágrafo único afirma-se que aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na motivação do evento danoso.

Em primeiro grau, a denunciação da lide foi rejeitada. Decisão mantida pelo Tribunal de Justiça gaúcho, levando a Telet a recorrer ao STJ. Entende a empresa que, ao determinar a citação do banco, o juiz já havia deferido a denunciação, não podendo indeferi-la posteriormente.

Ao apreciar o pedido, a relator, ministra Nancy Andrighi, afasta a alegação de que o juiz de primeiro grau não poderia ter indeferido o pedido. "Se a determinação da citação tivesse tal eficácia, não haveria qualquer sentido na norma do artigo 75, inciso II, do Código de Processo Civil", entende. "Com efeito, se é possível que o terceiro compareça ao processo exclusivamente para negar sua qualidade de litisdenunciado, é evidente que a decisão sobre a admissibilidade ou não dessa medida poderá ser tomada pelo juízo após sua oitiva".

Em relação à denunciação da lide em ações de consumo, contudo, a ministra deferiu o pedido. Para ela, o artigo 13 do CDC trata de norma introduzida com a nítida intenção de facilitar o exercício dos direitos do consumidor em juízo. Explica a relatora que isso significa dizer que, sempre que não houver identificação do responsável pelos defeitos nos produtos adquiridos, ou que sua identificação for difícil, autoriza-se que o consumidor simplesmente litigue contra o comerciante, que perante ele fica diretamente responsável. Posteriormente, em uma nova demanda, sem a participação do consumidor - que já terá seus direitos satisfeitos - autoriza-se a ação de regresso do comerciante para que o prejuízo seja suportado pelo verdadeiro causador do dano.

Essas hipóteses de que trata o artigo 13 não se confundem com as do artigo 14. "Nas primeiras, regula-se os defeitos apresentados em produtos comercializados a consumidores. Na segunda, fala-se de defeitos na prestação de serviços", esclarece.

O artigo 14 dispõe que "o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos". Mas não há - ressalta a relatora - para os casos de prestação defeituosa de serviços, nenhuma regra equivalente á do artigo 13. "Como os serviços são naturalmente prestados de maneira direta pela pessoa física ou jurídica contratada pelo consumidor - ou, quando muito, por intermédio d empregados ou de prepostos -, não há a necessidade de se facilitar a propositura da ação, pelo consumidor. O prestador sempre será perfeitamente identificável".

O artigo 88, que proíbe a denunciação da lide, refere-se expressamente às hipóteses do artigo 13, não se referindo às do artigo 14. "Sendo assim, a vedação á apresentação de denunciação da lide em uma demanda envolvendo relação de consumo existe exclusivamente para as hipóteses em que o comerciante foi demandado em lugar do fabricante do produto. Jamais em ações em que se discute prestação de serviços", afirma a relatora.

Assim, considerando-se que a discussão judicial envolve o ressarcimento dos danos causados em caso de prestação de serviços de telefonia, e não de fornecimento de produtos, não é proibida a denunciação da lide.

A ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelos demais ministros da Turma, anulou a decisão da Justiça gaúcha de modo que o pedido de denunciação da lide seja devidamente apreciado.
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