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Censura

PGR, Defensoria e Bienal do RJ pedem que STF barre censura de livros LGBT

Decisão do TJ/Rj permitiu que prefeitura recolha obras LGBT destinada a público infantojuvenil que não estivessem lacras e com aviso.

Da Redação

domingo, 8 de setembro de 2019

Atualizado às 10:43

Uma série de reclamações foram impetradas na manhã deste domingo 8, no STF, pedindo que a Corte barre a censura de livros na Bienal do RJ em razão de seu conteúdo. Os pedidos vêm da PGR, da Defensoria Pública do RJ e da empresa que organiza a Bienal do Livro no município.

A reação se deu após o prefeito do Rio mandar recolher quadrinhos com desenho de personagens homens se beijando. A bienal conseguiu liminar para impedir o recolhimento de obras em razão de seu conteúdo, mas a liminar foi derrubada pelo presidente do TJ/RJ.

O pedido da Bienal foi distribuído ao ministro Gilmar Mendes (Rcl 36.742). Mas, se atendido o pedido de urgência, quem deverá analisá-lo é o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, responsável pelo plantão. O pedido de suspensão de liminar de Raquel Dodge (SL 1.248) foi feito diretamente à presidência da Corte. 

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"Censura genérica"

Um dos pedidos (SL 1.247) vem da procuradoria-Geral da República. Raquel Dodge requer a suspensão da decisão do presidente do TJ/RJ afirmando que a mesma é "absolutamente contrária ao interesse público e lesiva à ordem pública'. "Este pedido de suspensão visa a impedir a censura ao livre trânsito de ideias, à livre manifestação artística e à liberdade de expressão no país."

Afirma, ainda, que a decisão do presidente do TJ "fere frontalmente a igualdade, a liberdade de expressão artística e o direito à informação, que são valorizados intensamente pela Constituição de 1988, pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e, inclusive, por diversos precedentes do E. Supremo Tribunal Federal".

Ela continua dizendo que o ato da prefeitura discrimina pessoas por sua orientação sexual e ideologia de gênero ao determinar embalagem lacrada somente para obras com a temática do homotransexualismo; e que "ofende a igualdade que pauta a convivência humana".

"Trata-se, na verdade, de censura genérica à abordagem de um determinado tema, o que é inadmissível de acordo com a Constituição de 1988."

"Censura e violação à liberdade de expressão"

A GL Events Ehxibitions Ltda, empresa organizadora da Bienal do Livro no Rio, argumenta que a decisão do presidente do TJ/RJ viola uma série de precedentes do STF. Afirma, também, que a Bienal possui um importante papel transformador na sociedade brasileira "ao dar espaço para vozes abafadas ou reprimidas, que possuem um espaço para expor seus anseios, dúvidas e desejos", e que o Poder Público tem a obrigação de respeitar manifestações de expressão.

"Assim, a pretexto de se dar cumprimento ao ECA, caracteriza-se evidente ato de censura por parte das autoridades do Município do Rio de Janeiro, fundamentados, de fato, apenas em visão ideológica e religiosa, incompatível com valores e regras expressas da Constituição Federal."

A petição ainda destaca que "o suposto dano que a comercialização do livro causaria é infinitamente desproporcional em relação ao decorrente da prática ostensiva de censura". Requer, assim, liminar "urgente e imprescindível".

A petição é assinada pela advogada Anna Maria da Trindade dos Reis (Trindade & Reis Advogados Associados) e outros.

"Evidente ato de censura"

Também contra a decisão do desembargador Cláudio de Mello Tavares, a Defensoria Pública do RJ alega que o caso "contempla evidente ato de censura realizado pelo Município do Rio de Janeiro, que pretende privar os munícipes de ter contato com obra literária que, a seu juízo, viola a ordem pública".

A defensoria destaca que pessoas se beijando são fatos corriqueiros e que acontecem em espaços públicos. Afirma que todas as famílias - as hetero e as homossexuais - gozam de igual proteção estatal. "Desse modo, a menos que se pretenda ter uma conclusão inconsistente e impossível, porque discriminatória e reconhecedora de apenas um tipo de família, é que se pode considerar imprópria uma cena de beijo de pessoas do mesmo sexo, ou qualquer obra com conteúdo 'homotranssexual', para ser comercializada a criança."

"Em um contexto em que perseveram desigualdades sociais e raciais, o ato administrativo que considera impróprio um beijo entre pessoas da comunidade LGBTI+ reforça a dinâmica de invisibilidade que paira sob esse grupo vulnerável, indo na contramão do pluralismo que alicerça o Estado Democrático de Direito."

Requer, assim, o deferimento de liminar para suspender a decisão do presidente do TJ, restabelecendo liminar que impedia o recolhimento das obras.

Até o momento, há pelo menos quatro pedidos no STF que apontam censura no ato da prefeitura. Mais cedo, entidades representativas da população LGBTI+ - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, ingressaram com Rcl para que seja derrubada censura perpetrada pelo prefeito do RJ, e referendada pelo presidente do TJ/RJ, ao mandar recolher livros da Bienal que tenham temática homossexual e que não estejam lacrados.

O caso

Na última quinta-feira, 5, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, pediu para recolher exemplares dos quadrinhos "Vingadores, a cruzada das crianças" (Salvat), que tem a imagem de um beijo entre dois personagens masculinos.

Na sexta-feira, 6, uma liminar assinada pelo desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, da 5ª câmara Cível do TJ/RJ, impediu a prefeitura de buscar ou apreender obras da Bienal em razão de seu conteúdo, "notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo".

A liminar, no entanto, foi derrubada no sábado, 7, por decisão do presidente do TJ/RJ, desembargador Cláudio de Mello Tavares, que permitiu que fossem recolhidos os livros com temática LGBT que fossem voltados ao público infanto-juvenil e que não estivessem lacrados e com advertência para conteúdo.

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Reação

Em nota, o ministro Celso de Mello, teria classificado como "fato gravíssimo" a censura a livros da Bienal do Rio. Em nota à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o ministro afirma que "um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância".

"Sob o signo do retrocesso -cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado-, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático!"

Para Celso de Mello, "mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo e apologistas de uma sociedade distópica erigem-se, por ilegítima autoproclamação, à inaceitável condição de sumos sacerdotes da ética e dos padrões morais e culturais que pretendem impor, com o apoio de seus acólitos, aos cidadãos da República".

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