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Collor perde ações contra Revista Veja

Da Redação

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Atualizado às 08:17


Collor perde duas ações contra Veja

Ex-presidente se sentiu ofendido com matérias que comparavam o escândalo do "mensalão" com as turbulências vividas em sua passagem pela Presidência

Foram, pelo menos por enquanto, infrutíferas as tentativas do ex-presidente e senador eleito por Alagoas, Fernando Collor de Mello, de ser indenizado pela revista Veja.

Numa primeira ação, o ex-presidente se dizia ofendido por uma matéira veiculada em 6/7/05, intitulada "O Elo se Fechou", que reproduziu discurso do deputado Roberto Jefferson dizendo que PC Farias, o tesoureiro de Collor, seria "Pinto" perto de Marcos Valério (v. abaixo).

Na ação, Collor sustentava sustenta que essa declaração não é de Roberto Jefferson e sim do hebdomadário. Pedia indenização a ser arbitrada e publicação de sentença.

O ex-presidente reclamou que a revista "abusou do direito de informar" ao fazer a desonrosa analogia. Além disso, Collor argumentou que fora inocentado pelo STF de todas as acusações por falta de provas e que, portanto, seu caso não poderia ter sido mencionado pela revista.

Os desembargadores da 15ª Câmara Cível do TJ/RJ confirmaram a sentença de primeiro grau, negando, por unanimidade, o recurso collorido. O relator, desembargador Celso Ferreira Filho, não sem antes ressaltar que é árdua a missão do julgador em contrabalancear princípios, considerou que a comparação histórica feita pela revista seria válida.

"Embora possamos avaliar a indignação do autor, o certo é que não pode a imprensa apagar da história o que representou na vida política do País o processo de impeachment desferido contra ele."

Os advogados Alexandre Fidalgo e Thaís Matos, do escritório Lourival J. Santos - Advogados (banca que representa a Editora Abril), ao pedirem a confirmação de sentença de primeiro grau, que isentou a empresa, sustentaram que seria "uma confirmação do dever de documentar e divulgar fatos relevantes que envolvem a história da nação".

Em outra ação, já malfada em primeiro grau, Collor teria se ofendido com um artigo de André Petry, publicado em 29 de março de 2006 (v. abaixo), e por isso também ajuizou ação de indenização por danos morais.

Em sua coluna, o jornalista Petry colocava a seguinte chamada : "O governo do operário ético faz com o caseiro tudo o que o governo do corrupto desvariado não ousou fazer com o motorista".

Por conta dos termos "corrupto desvairado", Collor diz ter suportado prejuízos em sua vida pública e privada.

A juíza da 47ª vara cível do Rio de Janeiro, Mirela Erbisti Halmosy Ribeiro, concordando que os termos sejam fortes e contundentes, observa que "não se afastam da imagem que o próprio autor construiu à época em que esteve à frente da Presidência da República." E, por conta disso, indeferiu o pedido, entendendo que a "honra e a imagem do autor não foram abalados com a matéria".

 

 
 
 
 
 
 
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Revista Veja
Edição 1912 - 6 de julho de 2005

Corrupção - O elo se fechou

 

O empresário Marcos Valério, que dizia não ter nada a ver com o PT, negociou e avalizou empréstimo de 2,4 milhões para o partido. Mais: a SMPB, uma de suas agências, que trabalha para o governo, bancou uma parcela, pagando 350 000 reais

O empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, dono de duas

agências de publicidade, tem sido acusado de ser o operador do mensalão, apelido dado ao dinheiro que o PT distribuiria para deputados do PP e do PL. Ele nega. Nega ter participado do tal mensalão e nega até mesmo que tenha relações próximas com o próprio PT. Em entrevista publicada na edição passada de VEJA, Marcos Valério disse que é amigo íntimo do tesoureiro Delúbio Soares, mas nada tem a ver com o partido. Admitiu que já esteve treze vezes na sede do PT em Brasília apenas neste ano, mas garantiu que foi para "tomar um cafezinho" com o amigo Delúbio Soares e discutir "futilidades e um pouco de política". Na mesma entrevista, questionado sobre ter sido avalista do PT num empréstimo bancário, o empresário não confirmou nem negou, mas, três horas depois, orientado por seu advogado, pediu para retificar sua resposta: "Não fui avalista do PT". Na semana passada, VEJA descobriu que, como já se desconfiava, nada disso é verdade. A verdade é muito pior. Marcos Valério tem uma sociedade secreta com o PT cujos elos são financeiros. O homem da mala e o partido que foi eleito para moralizar a política estão umbilicalmente ligados por obscuras transações envolvendo dinheiro, muito dinheiro. E o que é pior para todos: dinheiro público.

VEJA teve acesso a documentos bancários guardados nos arquivos do Banco Central cuja leitura prova que o PT fez um empréstimo de 2,4 milhões de reais no dia 17 de fevereiro de 2003 no BMG, em Belo Horizonte. O empréstimo teve a assinatura de três avalistas. Dois são dirigentes conhecidos e têm cargo formal na direção do partido. Um é José Genoíno, que preside a legenda. O outro é Delúbio Soares, o tesoureiro. O terceiro é ele mesmo: Marcos Valério. Sua assinatura, cujos círculos lembram aqueles grandes rolos de arame farpado usado em trincheiras, está colocada no documento sobre a seguinte identificação: "Avalista e devedor solidário". Desmascara-se, assim, a maior mentira do empresário: ele foi, sim, avalista do PT. Na realidade, ainda é, pois a dívida ainda não foi quitada. Na semana passada, VEJA perguntou ao presidente José Genoíno se Marcos Valério assinou algum aval para o partido. "Não sei de nada disso, não. Eu tenho de me informar. Acabei de descer do avião", disse Genoíno. Eram 9h37 da manhã de sexta-feira passada e ele acabara de desembarcar em São Paulo. "Acho que não tem isso. Vou me informar. Me ligue em uma hora."

Uma hora depois, Genoíno já estava na sede do PT em São Paulo e travou-se o seguinte diálogo:

Veja - E então?

Genoíno - Olha, não tem isso, não. O que temos com o Marcos Valério são dívidas de campanhas de políticos que ele fez para a gente como publicitário.

Veja - Ele nunca foi avalista do PT em alguma operação bancária?

Genoíno - Nunca. Ele nunca foi avalista do PT. Não tem isso, não.

À primeira vista, fica difícil entender por que o PT faz tanta questão de esconder que Marcos Valério já foi seu avalista. Em tese, seu amigão Delúbio Soares poderia ter pedido que, num gesto de gentileza, concordasse em ser avalista no empréstimo de 2,4 milhões de reais. Não há crime numa operação assim. Examinando-se o negócio mais a fundo, porém, descobre-se um motivo para o despiste: Marcos Valério não foi apenas "avalista e devedor solidário", mas chegou a pagar uma das prestações, no valor de 350.000 reais. O dinheiro saiu da conta da agência publicitária SMPB Comunicação, no Banco Rural. Em valores exatos, o pagamento foi de 349.927,53 reais e aconteceu no dia 14 de julho de 2004. Seria até compreensível que o PT fizesse algum depósito em favor da SMPB, que, afinal, é uma agência de publicidade, trabalha em campanhas eleitorais e pode ter feito, conforme diz José Genoíno, algum serviço publicitário para o PT. Mas o contrário, a agência dar dinheiro ao partido, é uma transação comprometedora. É prova de que a SMPB e o PT estão entrelaçados em um casamento clandestino - mas, ainda assim, um casamento, daqueles em que se é fiel na alegria e na tristeza. SMPB e o PT ajudam-se mutuamente nas urgências financeiras. Até aí se entende. Afinal, cada um se casa com quem quer. É assunto privado. Só deixa de sê-lo quando as ajudas são feitas com a participação do dinheiro público. É esse justamente o caso de PT e Valério.

Uma das fontes de receita da SMPB é o governo do PT. Isso mostra a existência de um ciclo conhecidíssimo, mas que raramente se consegue trazer à luz com tanta nitidez como agora: o dinheiro sai dos cofres públicos, faz uma escala na conta da agência de publicidade e acaba aterrissando no caixa do PT. Simples. Muito simples. De uma simplicidade tal que qualquer homem comum entende se tratar de grossa corrupção. A SMPB de Marcos Valério tem dois contratos de publicidade com o governo. Um é com os Correios, pelo qual a agência já recebeu, só neste ano, 15 milhões de reais. O outro é com o Ministério do Esporte, de 650.000 reais. A SMPB tem também contrato com a Câmara dos Deputados, assinado na gestão do petista João Paulo Cunha, pelo qual já recebeu 10,7 milhões de reais. Sua outra agência, a DNA, possui três contratos com o governo. O maior deles é com o Banco do Brasil, que rendeu cerca de 105 milhões de reais à agência no ano passado. Depois, vem o contrato com a Eletronorte, cujo valor total é de 12,5 milhões de reais. Há, ainda, um terceiro contrato, selado com o Ministério do Trabalho, pelo qual a agência recebeu neste ano 506.000 reais.

Qual o total de dinheiro nosso entregue ao camarada Valério para prestar serviços de propaganda ao governo? 144,4 milhões de reais. Quando se contabilizam contratos de prazos maiores, a conta passa de 400 milhões. Quanto disso entrou na ciranda financeira do casamento entre o PT e a SMPB? Não se pode precisar. Mas é, sem dúvida, uma boa linha de investigação para os órgãos competentes. O que se sabe com certeza é que existe uma sociedade entre o partido e o falso publicitário - e que ambos se favorecem dela. No início do ano passado, a empresa de participações de Valério, a Graffiti, que controla a agência de publicidade DNA, contraiu um empréstimo de mais de 15 milhões de reais e deu como garantia a receita de um contrato publicitário que, pouco antes, fora firmado entre a SMPB e os Correios.

O empréstimo de 2,4 milhões de reais foi pedido por Delúbio Soares assim que o presidente Lula tomou posse, no começo de 2003. Verificando-se os bastidores do negócio, constata-se que Marcos Valério entrou em cena logo no início. Sua participação foi decisiva:

  • Ao saber que Delúbio pedira o empréstimo mas não estava tendo sucesso, Valério entrou na operação para reforçar o pedido.
  • Ao perceber que o PT enfrentava dificuldades na negociação, Valério fez questão de participar das conversas com a direção do banco.
  • Com a intenção de mostrar os músculos do PT no governo, Valério levou a direção do banco a visitar o então ministro José Dirceu, da Casa Civil. Quem? José Dirceu, aquele que se propõe a incendiar a militância petista em defesa da luta contra a corrupção e em defesa do governo.
  • Por fim, para viabilizar o empréstimo, Valério resolveu usar a força de seu patrimônio pessoal. Assinou o contrato como avalista do empréstimo de 2,4 milhões.

No depoimento que prestou à Polícia Federal na semana passada, Valério mentiu sobre esse assunto. Disse que nunca agendou nenhum encontro "pessoal ou oficial" com o então ministro José Dirceu, da Casa Civil. Disse ainda que só esteve com Dirceu "em reuniões sociais, tais como um churrasco comemorativo do aniversário de um deputado" de cujo nome não se lembra. Antes, em entrevista publicada em VEJA, contou que esteve "três ou quatro vezes" com Dirceu e "quatro ou cinco vezes" na sua ante-sala no Palácio do Planalto, onde jogava conversa fora com a assessora-chefe da Casa Civil, sua amiga Sandra Cabral. Na negociação do empréstimo de 2,4 milhões de reais, porém, os caminhos de Valério e Dirceu se cruzaram. Num dado momento, dirigentes do BMG reuniram-se com Valério e Delúbio no hotel Blue Tree, em Brasília, para discutir o empréstimo. Ainda em Brasília, Valério levou os dirigentes do banco à presença do então ministro José Dirceu. De quem? José Dirceu. Depois disso, o empréstimo foi liberado. Os 2,4 milhões de reais foram depositados na conta bancária do PT no Banco do Brasil.

Procurado por VEJA, que deixou três recados em seu gabinete, o deputado José Dirceu não retornou as ligações. Contudo, o ex-ministro já afirmara que não tinha relações nem políticas nem pessoais com Valério, a quem recebeu, segundo ele, apenas duas vezes na Casa Civil. Valério também foi procurado pela revista, que queria saber as razões que o levaram a mentir sobre o aval ao PT. Ele acionou seu advogado, Rogério Tolentino. "Por orientação dos advogados, ele não vai fazer nenhuma afirmação que possa conflitar com a defesa", disse Tolentino. "Por isso, ele não pode confirmar, desmentir nem dar nenhum esclarecimento. Hoje ele está quieto", arrematou. VEJA também procurou a direção do BMG para um esclarecimento: por que o banco não executou as garantias do empréstimo já que a operação não foi quitada pelo PT? A assessora de imprensa do banco, a jornalista Angélica Appelt, enviou uma nota à revista na qual se lê: "A direção do banco BMG não pode comentar as informações levantadas pela revista em respeito à lei do sigilo bancário".

Marcos Valério entrou para o epicentro do escândalo no dia 12 de junho, quando o deputado Roberto Jefferson, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, apresentou seu nome ao país e acusou-o de ser o homem da mala do PT . De lá para cá, todos os indícios que já apareceram conferem à perfeição com as suspeitas. Jefferson disse que Valério era o operador do mensalão e que, nessa condição, fazia viagens freqüentes a Brasília, nas quais levava malas de dinheiro retirado do Banco Rural. De fato: Valério esteve 31 vezes em Brasília, apenas no período de maio a dezembro de 2003 - o que dá uma viagem por semana. Na véspera de suas viagens a Brasília havia saques vultosos nas contas de suas empresas, e os saques eram mesmo feitos no Banco Rural. Cruzando-se as datas das viagens com as dos saques, tem-se um balé perfeitamente simétrico. Entre julho e dezembro de 2003, Valério sacou 11,2 milhões de reais de suas empresas. Desse total, 6,2 milhões foram retirados na véspera de suas visitas a Brasília ou no dia em que se achava na capital federal.

A agenda de sua ex-secretária Fernanda Karina Somaggio, que depôs no Conselho de Ética da Câmara, trouxe um dado adicional. Há uma anotação indicando que Valério lhe pedia que reservasse suítes com cofre nos hotéis em Brasília. Em seu depoimento, Karina contou que ouviu sua colega Simone Vasconcelos, que costumava acompanhar Valério nas viagens a Brasília, reclamar que andava cansada de ficar em quartos de hotel "contando dinheiro" e assistindo ao "entra-e-sai de homens". Na semana passada, Jefferson, com o olho esquerdo avariado pela - diz ele - queda de um armário, acrescentou novos detalhes às peripécias de Valério e, de novo, os indícios não tardaram a vir. Disse que o empresário fazia pagamentos do mensalão numa agência do Banco Rural no 9º andar de um shopping em Brasília. Pois bem: os registros da portaria do prédio informam que Valério esteve lá pelo menos uma vez, em 19 de agosto de 2003. No mesmo dia, 150.000 reais foram sacados da conta da DNA no Rural, em Belo Horizonte.

Com tantos indícios conferindo com as suspeitas, Marcos Valério transformou-se em peça-chave das denúncias. Jefferson, em seu depoimento da semana passada, disse que o célebre PC Farias, o tesoureiro de Collor que enriqueceu a si e ao patrão fazendo traficâncias dentro e fora do governo, "é pinto" perto de Valério. Ele define o falso publicitário como uma "versão moderna e macaqueada" de seu antecessor PC Farias. A comparação é um lance de retórica, mas existem alguns paralelos entre os dois: eram ambos obscuros até que as denúncias rasgassem o anonimato, circulavam discretamente pelos gabinetes poderosos da República, tinham uma penca de empresas e, sempre que eram questionados sobre seus negócios, davam explicações que não resistiam à primeira checagem. Há, no entanto, uma diferença fundamental. PC Farias atuava com autorização expressa do então presidente Collor, e o produto de suas propinas era dividido entre os dois. Agora, sabe-se que Valério tinha salvo-conduto de dirigentes do PT, mas não se conhece nenhuma ligação entre ele e o presidente da República. A amigos, Lula tem dito que nunca ouvira falar do empresário.

A descoberta de que Valério e o PT se cruzam em negócios bancários reforça as suspeitas de que o empresário atua em nome do partido, mas também provoca um dano imenso à imagem do PT. Em seus 25 anos de vida, a legenda virou um partido poderoso e parecia ter percorrido sua trajetória sem perder as qualidades originais, entre as quais se ressaltava o compromisso com a ética e a moralidade pública. Esse era seu diferencial, o que fez da estrela vermelha um símbolo de esperança para o Brasil. Agora, o cenário é outro. Na quinta-feira passada, o tesoureiro Delúbio Soares, ex-professor de matemática, aproveitou um evento que reuniu trabalhadores da educação na Assembléia Legislativa de Goiás, em Goiânia, e fez o discurso que lhe resta diante de tantas evidências: disse que o impeachment de Lula está sendo urdido pela "direita", acusou a imprensa de trabalhar a favor dos "setores conservadores", incluindo VEJA no rol dos criticados, e acabou conclamando a militância do PT a lutar contra os golpistas. A militância do PT, outrora tão aguerrida, parece apática e perplexa diante da lama. A atual liderança do partido é incapaz de arrastar multidões às ruas. Também era o que faltava: esperar que pessoas honestas, só porque são de esquerda, marchem sob a bandeira do falso publicitário e do tesoureiro do PT gritando a palavra de ordem: "Dinheiro / público / É do Valério e do Delúbio".

As cinco pontas do dinheiro

O empréstimo do PT pago parcialmente por Marcos Valério é parte de um ciclo em que o dinheiro público sai dos cofres de estatais e volta para a cúpula petista. O ciclo tem cinco fases

1. O DINHEIRO SAI

As agências de publicidade de Valério ganham ou renovam contratos com empresas estatais. Em apenas um ano ele recebeu 144 milhões de reais nesses contratos

2. MANOBRA DO EMPRÉSTIMO

No caso específico da transação desvendada por VEJA, Valério aparece como avalista de um empréstimo de 2,4 milhões de reais feito pelo PT

3. O SOCORRO AO PT

O PT não paga as parcelas do empréstimo. Elas vão se acumulando. As empresas de Valério socorrem o PT e pagam uma parcela de 350 000 reais

4. A RECOMPENSA

Pelos bons serviços financeiros prestados ao PT, as empresas de Valério continuam ganhando contratos oficiais

5. O OUTRO PAGAMENTO

Para tentar manter a sociedade secreta em funcionamento, Valério mente à Polícia Federal sobre suas reais vinculações com o PT. De quebra, tenta envolver políticos tucanos

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Revista Veja

Edição 1949 - 29 de março de 2006


André Petry

O Estado policial

"O governo do operário ético faz com o caseiro tudo o que o governo do corrupto desvariado não ousou fazer com o motorista"

O ministro Antonio Palocci, ao reaparecer em público na sexta-feira passada, depois de duas semanas escondido, disse que está vivendo um inferno. Dá para imaginar, então, o que deve estar vivendo o caseiro que o denunciou. Afinal, o caseiro resolveu contar o que viu no casarão do Lago Sul em Brasília e, em menos de dez dias, passou a ser investigado pela Polícia Federal sob a acusação de lavagem de dinheiro! Entrou na máquina de moer reputações. Primeiro, calaram-lhe a boca, depois quebraram-lhe o sigilo bancário e, agora, aterrorizam-no com um inquérito. Coisa de Estado policial. Na opinião do presidente da OAB, Roberto Busato, "coisa de gângster, de sindicato do crime".

O governo de Fernando Collor não fez nem um décimo disso contra Eriberto França, o motorista que prestou um depoimento devastador e terminal sobre as traficâncias do presidente e seu ex-tesoureiro de campanha. É preciso, em nome da verdade histórica, que se reconheça: o governo do operário ético faz com o caseiro tudo o que o governo do corrupto desvariado não ousou fazer com o motorista. E repare-se numa diferença: o motorista derrubou o governo literalmente. O caseiro derrubou o governo moralmente.

Na construção de seu inferno, Palocci teve em excesso tudo o que faltou ao caseiro. Examinemos:

A vida pessoal. O ministro jamais teve sua vida pessoal e familiar devassada. A própria imprensa, durante meses a fio, por respeito à privacidade do ministro, limitou-se a divulgar que o casarão era um ponto diurno de lobistas. Só noticiou que era também um ponto noturno de prostitutas quando isso se tornou um dado fundamental para entender o Paloccigate. No caso do caseiro, seu drama pessoal e familiar de filho bastardo foi revelado por inteiro em questão de dias, expondo a vida pregressa de sua mãe, Benta Soares, autora da frase mais reveladora da essência do governo Lula. Disse ela: "Peço ao presidente que não faça nada com meu filho".

O sigilo bancário. As contas do ministro Palocci estão devidamente preservadas, como aliás deve acontecer em qualquer nação civilizada. Nem se pediu que fosse quebrado seu sigilo bancário. Nem mesmo quando Rogério Buratti denunciou à polícia que Palocci retinha parte das propinas pagas por fornecedoras da prefeitura de Ribeirão. No caso do caseiro, sua vida bancária é um livro abertíssimo - ilegalmente abertíssimo. Depois disso, o caseiro decidiu abrir voluntariamente todos os seus sigilos, telefônico e fiscal, inclusive. Pediu que os outros seguissem sua atitude. Paulo Okamotto não se manifestou. Lulinha, o filho, também não.

O direito de falar. Palocci fala quando quiser, onde quiser, embora nos últimos dias tenha reivindicado seu direito de ficar em silêncio e, de preferência, longe dos holofotes. O caseiro não. O governo não deixa que abra a boca numa CPI. Só autoriza, e neste caso alegremente, que abra a boca no inquérito policial, no qual responde a perguntas na condição de acusado. O ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, achou mesmo que o caseiro não devia falar na CPI. Em seu despacho, o ministro explicou que seu depoimento seria inútil devido à "condição cultural" do caseiro. Se a moda pega, pobres e pouco instruídos devem viver calados.

Num Estado policial, a moda é capaz de pegar.

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