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Carlos Velloso responde à revista Época

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Da Redação

terça-feira, 1 de julho de 2008

Atualizado às 08:31


Resposta de Velloso

A última edição da revista Época afirma, em reportagem, que o ex-presidente do STF Carlos Velloso estaria "na mira" por ter sido chamado a depor na PF. Para prestar os devidos esclarecimentos, o advogado enviou carta ao periódico. Entre as ponderações, Velloso diz que a reportagem lhe causou intenso sofrimento.

  • Leia abaixo a carta na íntegra e logo depois a reportagem.

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Carta

Brasília, DF, 30 de junho de 2008.

À Revista Época.

Época nº 528, de 30.O6.2008, publica reportagem afirmando que estaria eu "na mira", por ter sido chamado a depor, na Polícia Federal. Primeiro que tudo é preciso deixar claro que prestei depoimento na Polícia Federal como testemunha, conforme esclareceu para a imprensa o Sr. Delegado Federal. Por ter prestado depoimento como testemunha isto me colocaria "na mira"? O fato de que teria eu participado é este: o prefeito do Município de Timóteo teve o seu mandato cassado pelo TRE/MG. Interpôs ele, contra essa decisão, recurso especial para o TSE e pediu cautelar para o fim de conferir efeito suspensivo ao recurso, medida comum, quase sempre requerida em tais casos. Um grupo de pessoas esteve no nosso escritório de advocacia, em Brasília, em outubro ou novembro de 2007, levado pelo Deputado Virgílio Guimarães, do PT/MG. Cerca de dois advogados, o prefeito de Timóteo e mais uma ou duas pessoas que não identifiquei. Expuseram-me o caso. Tratava-se justamente do recurso especial mencionado. Declarei que não poderia assumir o patrocínio da causa, porque me encontrava cumprindo a "quarentena" de três anos da EC 45/2004. Ficaram, ao que me pareceu, contrariados. Disse-lhes, então, que em Brasília havia uma constelação de bons advogados especializados na matéria eleitoral, como, por exemplo, os Drs. Torquato Jardim, Sérgio Banhos, Fernando Neves, Henrique Neves, dentre outros, que poderiam ser procurados. Despedimo-nos e nunca mais tomei conhecimento da questão.

Esta é a verdade inteira, que pode ser verificada nos autos da ação.

Insinua-se que teria eu tentado influir no julgamento, no TSE. Isto é uma inverdade, que contém injúria e difamação. Jamais, nesses dois anos e meio em que estou aposentado, fui a qualquer gabinete de Ministro do TSE. Jamais tratei com qualquer deles de assunto referente a questões que ali estão para julgamento, mesmo porque esses juízes não se deixam impressionar por conversa fora dos autos e não admitem esse tipo de conversa, seja com quem for. A ilação que é tirada é injuriosa, portanto, não somente ao signatário desta, mas aos próprios ministros.

Confirmo que, no dia 10 de abril deste ano, marquei com o então Corregedor Jirair Megueriam, no TRF/1ª. Região, audiência, a que compareci. Assim procedi porque, primeiro, iria tratar com uma autoridade administrativa; segundo, procurava um amigo, que sabia também amigo do Sr. Tanure. Desejava me informar sobre o que ocorrera. Iniciei a minha conversa dizendo ao Sr. Megueriam que estava ali para compartilhar preocupações: o que ocorrera ? O Sr. Tanure era um idoso, com 75 anos, muito obeso e hipertenso. O Sr. Megueriam perguntou-me se eu conhecia os termos da decisão que proferira. Respondi que não, porque ali não fora como advogado e sim como um amigo comum dele e meu, desejoso de saber o que oorrera. E diante da informação de que nada poderia ser feito, agradeci a gentileza de ter ele me recebido e me despedi, tendo o Corregedor me levado ao elevador. No dia seguinte, embarquei para Belo Horizonte, a fim de atender compromisso ali assumido. Jamais procurei qualquer outro Juiz do TRF/1ª. Região ou de qualquer outro Tribunal para tratar desse assunto.

Informo que não sei o que significa Grupo SIM, não conheço os integrantes desse grupo, jamais conversei com qualquer deles.

Acho estranho a afirmativa de que o meu nome teria sido "citado em conversas gravadas pela PF." O Sr. Delegado Federal não me deu tal informação. Informou-me que, no escritório do Grupo SIM havia um papelucho com dois nomes que poderiam exercer influência sobre mim para que eu aceitasse patrocinar a causa do prefeito de Timóteo: o Sr. Arger e o Sr. Tanure. Quanto ao Sr. Arger, informo que uma das últimas decisões minhas no STF, em 2005, foi para indeferir liminarmente reclamação por ele proposta, em que pretendia ser nomeado Conselheiro do TC/MG. Nem com relação à questão pessoal sua foi ele capaz de exercer influência sobre mim. No que concerne ao Sr. Tanure, reafirmo que se trata de pessoa com quem mantenho relações de amizade. Tanure nunca me pediu nada irregular, não posso admitir que se disporia ele a tentar influenciar-me. E é bom relembrar que o nosso escritório de advocacia não aceitou patrocinar a causa do prefeito de Timóteo.

Penso que estou sendo vítima de retaliações. Primeiro, divulgam notícia de que teria eu concedido liminar ao Prefeito de Timóteo, liberando milhões de reais, liminar deferida em fins de 2007, ocasião em que não era eu mais juiz. E a cautelar deferida pelo TSE não liberava dinheiro, simplesmente conferia efeito suspensivo ao recurso especial. Segundo, que teria eu assumido a defesa do Prefeito, quando justamente ocorreu o contrário. Eu não aceitei a causa. Terceiro, insinuam que teria eu exercido influência para a concessão da cautelar. Nesses dois anos e meio em que abracei a advocacia - e o fiz para continuar servindo ao direito e à justiça - jamais me dirigi a qualquer gabinete de Ministro do TSE, sequer dirigi uma palavra a qualquer deles sobre questão sob sua apreciação. Estudo a possibilidade de requerer ao Conselho Nacional de Justiça a abertura de procedimento para comprovação do que ora afirmo. Esclareço que não fui chamado a depor -- e chamado a depor como testemunha, conforme esclareceu o Sr.Delegado para a imprensa -- "num caso de compra de decisões judiciais", como publicado. Penso que ninguém teria a coragem de afirmar que, no TSE, isso seria possível.

Não há qualquer insinuação, ao que pude apurar com o Sr. Delegado da Polícia Federal, relativamente a minha magistratura no STF. No ponto, felizmente, não vi na reportagem algo relacionado com a minha magistratura no STF.

Informo, ao fim e ao cabo, que a reportagem causou-me e a minha família, intenso sofrimento. Servi como magistrado cerca de quarenta anos, sem qualquer mácula. O mal que me foi causado, portanto, é intenso e extenso. Peço-lhes que tentem reparar esse mal, esclarecendo toda a questão.

Atenciosamente,

Carlos Velloso

Reportagem da revista Época

Balcão de sentenças

O ex-ministro do Supremo Carlos Velloso é chamado para depor na polícia num caso de compra de decisões judiciais

Às 11 horas da manhã da quinta-feira, um agente da Polícia Federal (PF) bateu à porta do apartamento do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso, em Belo Horizonte. Foi a filha dele, Ana Flávia, quem atendeu. O policial estava ali para entregar uma intimação, destinada ao próprio Velloso. O documento convocava o ex-ministro da mais alta corte judicial do país a comparecer à Delegacia de Repressão ao Crime Organizado, no bairro vizinho de Cidade Jardim. Velloso foi chamado a prestar depoimento numa investigação que começou modesta, destinada a mapear desvio de dinheiro em prefeituras, mas acabou por esquadrinhar um esquema muito maior, com pagamento de propina a autoridades e suspeitas de compra de sentenças judiciais.

A PF intimou Velloso para saber o que o motivou a visitar o Tribunal Regional Federal de Brasília (TRF-1), no dia 10 de abril, para pedir a libertação do advogado Wander Tanure, preso um dia antes na Operação Pasárgada. Tanure é acusado de envolvimento num esquema de desvio de verbas do Fundo de Participação dos Municípios, mecanismo que transfere recursos do governo federal para prefeituras. Segundo a PF, gravações telefônicas, documentos apreendidos em diligências e depoimentos revelam que Tanure se valia de suas relações com juízes para obter decisões favoráveis a seus clientes. Tanure e Velloso trabalharam juntos na Justiça Federal em Minas Gerais. Velloso era juiz, e Tanure diretor do tribunal.

O nome de Velloso é citado em conversas gravadas pela PF. Aparece também em anotações apreendidas na casa de um dos líderes do esquema com as prefeituras, o empresário Sinval Drummond. Drummond é sócio do Grupo SIM-Instituto de Gestão Fiscal. Dono de contratos milionários em mais de 200 prefeituras de Minas e outros Estados, o SIM é acusado de pagar propina a prefeitos, auditores, conselheiros de tribunais de contas e juízes que, em troca, adotariam decisões favoráveis ao grupo.

Velloso é suspeito de participar, com Tanure, de uma articulação para salvar o mandato de um prefeito de Minas Gerais, cliente do SIM. A ÉPOCA, o ex-ministro disse que é amigo de Tanure há 40 anos. Mas negou ter recebido qualquer pedido dele para interferir em decisões judiciais. "Fui procurado em meu escritório, mas recusei a causa do prefeito por estar de quarentena na Justiça Eleitoral", afirma. Ele diz ter apenas sugerido nomes de outros advogados.

Velloso diz que foi ao tribunal para "compartilhar  preocupação" com a prisão de amigo

Depois de ler a intimação da PF, Velloso telefonou para o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Queixou-se dos termos do mandado, que considerou desrespeitosos. Por ordem de Gilmar Mendes, o STF informou à PF que, mesmo aposentado, Velloso tem prerrogativa para marcar data e hora para seu depoimento. Velloso diz que foi ao TRF "compartilhar a preocupação" com a prisão de Tanure pelo fato de ele ter 75 anos e ser "muito gordo".De acordo com Velloso, o envolvimento de seu nome na investigação da PF parece retaliação. "Tenho protestado contra as prisões pirotécnicas de advogados e criticado os juízes que decretam prisões provisórias sem nenhuma necessidade", afirma.

De acordo com a PF, Tanure e Drummond estariam envolvidos numa dessas operações de compra de sentença judicial. O objetivo seria anular no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cassação do mandato de um prefeito ligado ao esquema de desvio de verbas que eles comandavam. Trata-se de Geraldo Nascimento Oliveira (PT), prefeito de Timóteo, município da rica região do Vale do Aço, em Minas Gerais. O mandato de Oliveira fora cassado pelo uso de dinheiro público na campanha. Como ele tinha um contrato milionário com o Grupo SIM, reverter sua cassação passou a ser encarado como um negócio estratégico pela turma.

A operação foi assumida por uma força-tarefa. Peças do processo impetrado na Justiça Eleitoral para reconduzir Oliveira ao cargo foram apreendidas pela PF na casa de Tanure, mesmo ele não tendo nenhuma atuação formal na ação. A primeira tentativa de reconduzir Oliveira ao cargo, em novembro passado, não deu certo. O ministro Marcelo Ribeiro, do TSE, manteve a cassação. O caso retornou, então, ao Tribunal Regional Eleitoral mineiro. Ali, os bastidores foram acompanhados de perto pela PF, que gravou as negociações e fotografou encontros.

Nessa tarefa, a PF flagrou conversas entre os supostos integrantes do esquema de compra de sentenças e o desembargador Francisco Betti, do Tribunal Regional Federal, em Brasília. Em uma das conversas foi acertada a entrega de "seis apostilas" ao juiz Betti. Para a PF, tratava-se de um código: as apostilas na verdade seriam dinheiro. Em conversas telefônicas gravadas pela polícia, Betti falava abertamente de dinheiro com os integrantes da quadrilha desarticulada pela PF. Os investigados queriam a ajuda dele para apressar uma decisão do TRE a favor ou contra o prefeito Oliveira para o processo retornar rapidamente a Brasília, onde apostavam num desfecho favorável. Tiveram sucesso. O processo voltou para Brasília. Um mês depois, o TSE reconduziu Oliveira ao cargo.

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