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Entrevista - Eduardo Pereira Santos

O presidente do Tribunal de Alçada Criminal

Da Redação

quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

Atualizado às 10:32

 

Entrevista

 

Leia abaixo entrevista com o presidente do Tribunal de Alçada Criminal (Tacrim), juiz Eduardo Pereira Santos, publicada no jornal O Estado de S. Paulo de hoje.

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'Unificação dos tribunais não muda nada'

 

Presidente do Tacrim diz que a fusão, decretada na reforma do Judiciário, não vai acelerar o andamento dos processos

 

A fusão dos tribunais, polêmica medida que a reforma do Judiciário decretou e que entra em vigor amanhã, deixou a toga alvoroçada. A ansiedade tira o sono de muitos juízes de São Paulo. Eles se dizem angustiados, admitem estar desorientados. "A unificação não vai adiantar, não vai mudar nada, todo mundo sabe", avalia o presidente do Tribunal de Alçada Criminal (Tacrim), juiz Eduardo Pereira Santos. "Também não vai dar celeridade ao andamento dos processos."

 

Maior tribunal penal da América Latina - 55 mil processos, 1,2 mil servidores, 82  magistrados -, o Tacrim deixou de existir formalmente dia 8, como impôs a Emenda Constitucional 45, a ser publicada amanhã, quando tal providência passa a valer, de fato. Mas a fusão não entusiasma Eduardo. Ao contrário, ele se diz assustado com a súbita  mudança. "Assusta muito", diz em seu gabinete, no 13.º andar do Fórum João Mendes Júnior, enquanto faz anotações numa agenda de compromissos. Num canto, à direita da página, rabisca dados sobre o IPVA de 2005. "Isso também assusta", protesta, sem revelar o valor a desembolsar.

 

Eduardo foi eleito em novembro, dia 26, para dirigir o Alçada Criminal por dois anos. A maioria o escolheu para a missão. Cinqüenta  e três magistrados, de um total de 80, o conduziram à presidência. Para o cargo de vice foi eleito o juiz Antonio Carlos Mathias Coltro.

 

Com a fusão, porém, o mandato de Eduardo - e também o de seu vice - expira daqui a alguns dias. Na prática, permanecerá no poder até 31 de janeiro, prazo que o TJ dá para que a transição seja concluída.

 

Nascido em Taubaté, no Vale do Paraíba, Eduardo ingressou na magistratura em janeiro de 1972. Antes, atuou oito anos como escrevente do I Tribunal do Júri da capital, um dos maiores do mundo, onde ganhou singular experiência na condução de processos criminais.

 

Aos 62 anos, Eduardo Pereira Santos é reconhecido entre seus pares, e também entre advogados e juristas, como um juiz moderno, prático. Na semana passada, ele falou sobre os bastidores da grande transição. À sua direita, acompanhava-o o vice, juiz Mathias Coltro. À sua frente, sobre a mesa, a agenda pessoal e O Anticristo, de Friedrich Nietzsche.

 

Os juízes estão apreensivos?

 

Existe uma ansiedade geral, a angústia é grande. O processo de fusão assusta muito. Os juízes estão aflitos. Ninguém sabe onde vai parar. A fusão não vai mudar nada, os operadores do Direito sabem disso, todo mundo sabe disso, sabe que não vai adiantar nada. Na ponta da linha, não haverá benefício imediato para o usuário. Vai demorar para ter repercussão.

 

Onde está o problema?

 

Coma unificação, cada juiz herdará de uma só vez 1,5 mil processos. Atualmente, cada desembargador recebe, por semana, de 15 a 20 processos. O que assusta é o processo de fusão. A emenda dá prazo de 6 meses, mas tudo terá que estar ajustado no máximo em um mês. Parodiando JK, vou ter que fazer dois anos em 20 dias. A todo momento recebo  queixas em meu gabinete. Apelos são muitos, há uma aflição generalizada.  Constantemente, levo ao TJ esse clima de inquietação.

 

Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também recebem processos em larga escala.

 

De fato, o STJ já trabalha assim, seus ministros recebem grandes quantidades de processos e ninguém morreu por isso. Mas cada gabinete de ministro dispõe de 30 funcionários. No Tacrim, cada juiz tem ao seu lado apenas um escrevente e dois assistentes. O STJ tem estrutura bem maior. Em São Paulo, o Tribunal de Justiça pediu dois assistentes jurídicos,  mas o projeto travou na Assembléia Legislativa. O desassossego é grande. A cada dia surge uma novidade. Estamos engatinhando nesse processo de fusão.

 

O senhor é contra a fusão?

 

Eu era contra a extinção dos alçadas. O princípio da boa administração implica descentralização, células pequenas.O gigantismo do tribunal não é saudável. O Tribunal de Justiça vai virar um monstro, vai ficar mais inchado do que nunca. Isso vai na contramão da melhor administração. Para o jurisdicionado, a fusão será uma confusão.

 

Não há saída?

 

A saída pode estar na criação de câmaras especializadas ou por regiões. Eu não estou dizendo que a fusão não tem saída. Mas recomendo que ela não seja executada assim, de afogadilho. A reforma levou 13 anos para sair do papel, agora querem fazer a fusão dessa forma,em apenas 6meses.Não sabemos o motivo desse açodamento,  mas ele é um absurdo, incompreensível.

 

Quem defende a extinção dos alçadas sustenta que a fusão vai dar agilidade aos processos.

 

Não vai. O que vai acelerar os processos é uma reforma na legislação processual. Esqueceram que os alçadas atingiram outros objetivos. Os alçadas funcionam muito bem, tudo funciona nos três tribunais, que vivem uma evolução constante, tanto no plano  administrativo quanto na parte processual. São tribunais informatizados. Equacionamos os problemas. No Tacrim, cada magistrado julga de 80 a 100 processos. É uma produção exemplar.

 

A Associação dos Magistrados Brasileiros declarou apoio à emenda da extinção e argumenta que a unificação dos tribunais vai trazer economia.

 

A AMB apoiou por interesses corporativos dos juízes. Alegou que diminuiria um grau de recurso. Mas recorrer aos alçadas é como se recorresse ao TJ. O Tacrim herdou, em 2003, todos os processos sobre uso e tráfico de drogas. Logo colocou o serviço em dia. Agora, vai tudo se pôr a perder.

 

Como será a redistribuição do acervo dos alçadas?

 

Todos os processos criminais e civis serão incorporados ao movimento do TJ. Mas é uma mudança virtual. O papel não vem, é virtual, pelo computador o juiz chama os autos para o seu gabinete. Cada processo tem, em média, 10 a 15 volumes. Tem processo com 54 volumes. É desesperador.

 

Como os juízes se preparam para a mudança de área?

 

Existe uma ansiedade geral, uma angústia, ninguém sabe onde vai parar.Na fusão, câmaras vão ser extintas.É vestir um  santo para despir o outro. É muito preocupante o deslocamento de juízes especializados em direito penal, em processos criminais, para atuarem em ações de natureza civil, de direito processual civil. Muitos juízes até cancelaram viagens de fim de ano que já haviam sido programadas com antecedência. Estão desorientados. Outro problema se refere aos mais de mil servidores. Onde acomodar tantos funcionários, tanta gente qualificada.

 

O que o senhor acha do controle externo do Judiciário?

 

Sou contra, já temos um sistema de controle suficiente. Outras instituições não têm. O Judiciário está mais a salvo da corrupção. É claro que temos nossas mazelas, mas sabemos como combatê-las. O Judiciário e a imprensa não podem sofrer qualquer tipo de controle ou censura. Admito o Conselho Nacional de Justiça, desde que não haja interferências externas na atuação dos juízes.

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