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STJ começa a definir a quem compete tratar da aquisição de um banco por outro: se Cade ou Bacen

O pedido de vista do ministro Castro Meira interrompeu a discussão na 1ª Seção acerca da compra do Banco de Crédito Nacional S/A - BCN - pelo Bradesco S/A. As instituições financeiras questionam a legalidade da decisão do Cade que determinou a aplicação complementar da Lei Bancária (4.595/65) e da Lei Antitruste (8.884/94) ao caso.

Da Redação

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Atualizado às 09:06


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STJ começa a definir a quem compete tratar da aquisição de um banco por outro: se Cade ou Bacen

O pedido de vista do ministro Castro Meira interrompeu a discussão na 1ª seção acerca da compra do Banco de Crédito Nacional S/A - BCN - pelo Bradesco S/A. As instituições financeiras questionam a legalidade da decisão do Cade que determinou a aplicação complementar da Lei Bancária (4.595/64 - clique aqui) e da Lei Antitruste (8.884/94 - clique aqui) ao caso.

A interrupção se deu após a relatora do recurso, ministra Eliana Calmon, votar pela competência exclusiva do Bacen para apreciar atos de concentração envolvendo instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. É a primeira vez que o STJ aprecia a aquisição de um banco por outro. No recurso em questão, conforme explica a ministra, o que se busca definir, na verdade, é justamente de quem é a competência para decidir esses atos de concentração.

O caso teve início no mandado de segurança impetrado contra a determinação do presidente do Cade, para que ambas as instituições financeiras apresentassem a operação de aquisição do controle do BCN pelo Bradesco. Em 1ª instância, o juiz desconstituiu o ato do presidente do Cade. A autarquia protestou, e o TRF da 1ª região reformou a sentença, sob o argumento de que a Lei Bancária e a Lei Antitruste devem ser aplicadas com base na complementaridade, sendo possível a coexistência das duas. A decisão levou o BCN e o Bradesco a recorrerem ao STJ, sustentando que o Cade não poderia ter determinado, por meio de uma interpretação retroativa, que fosse submetida à sua análise a operação de aquisição realizada muitos anos antes, já aprovada pelo Bacen.

O entendimento da relatora

Se prevalecer o entendimento da ministra Eliana Calmon, a decisão de primeiro grau fica restabelecida. A ministra partiu da premissa de que o ordenamento brasileiro só permite ao administrador decidir como previsto em lei, estando o princípio da legalidade presente em todo e qualquer ato governamental. Realidade da qual não se pode fugir, afirma.

O Parecer GM-20 foi emitido pela AGU em 28/3/2001, em um conflito de competência entre o Bacen e o Cade, e aprovado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso no dia 5 seguinte. O documento afirma que, de acordo com a lei vigente, a competência para analisar e aprovar os atos de concentração das instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, bem como de regular as condições de concorrência entre instituições financeiras, aplicando-lhes as penalidades cabíveis, é privativa do Bacen, excluindo qualquer outra autoridade, inclusive o Cade. Para a AGU, esse é o modelo adotado pela legislação em vigor e qualquer outro exige modificar a lei 4595/1964, o que só pode ocorrer mediante lei complementar.

Para a ministra, a partir da LC 73/1993 (clique aqui), o parecer deveria ser suficiente para solucionar a questão, sem necessidade de interferência do Judiciário, considerando-se que tanto o Cade quanto o Bacen são entidades integrantes da Administração Pública Federal e, nessa condição, submetem-se aos pareceres da AGU, que têm caráter vinculante.

A relatora contesta o argumento do Cade de que a CF/88 só reservou à lei complementar a organização e funcionamento da AGU e, assim, inexistiria previsão constitucional de lei complementar. Dessa forma, a LC 73 teria status de lei ordinária e o seu artigo 40, parágrafo 1º, teria que ser interpretado em harmonia com a lei 8.884/94. O entendimento da autarquia é que, sendo a lei que trata do Cade posterior à do Bacen, deve prevalecer a mais recente, a qual impede a administração direta de controlar as suas decisões, quando proferidas em relação à sua atividade-fim. Para o Cade, o presidente da República não poderia aprovar parecer da AGU capaz de anular ou limitar decisão proferida pela autarquia nessa condição, sob pena de tornar inócua a independência indispensável que precisa para atuar como órgão antitruste.

Eliana Calmon entende que a tese não pode prevalecer. A CF/88 (clique aqui), explica a ministra, confere ao presidente da República o poder-dever de exercer a direção superior da Administração Federal, podendo dispor sobre a organização e funcionamento de seus órgãos e entidades. O sistema financeiro é regulado por dispositivos que impõem algumas restrições à lei 8.884/94, inexistindo previsão legal para a atuação decisória do Cade nesse "específico e sensível" setor, explica. "Acolher a tese defendida pelo Cade nesse ponto, além de vulnerar o princípio da legalidade, importa em atribuir à autarquia poderes superiores aos do dirigente máximo da nação, conferidos diretamente pelo próprio constituinte originário", afirma.

O perfil do órgão, ressalta a relatora, é eminentemente técnico e seus dirigentes mantêm-se equidistantes das decisões e nomeações eminentemente políticas, próprias dos chefes de poder. Nem por isso poderia o Cade, como agência reguladora, deixar de subordinar-se às regras da política econômico-financeira ditadas pelo presidente da República, acredita.

O artigo 50 da lei 8.884/94 não tem o alcance imaginado pelo Cade. "A menção do legislador no sentido de que as decisões do Cade não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo deve ser interpretada no contexto em que está inserida, ou seja, com relação aos julgamentos proferidos nos processos administrativos que se desenvolvem dentro de um rito próprio, como disciplinado na Lei Antitruste, a partir do artigo 30", afirma. Há dois tipos de decisão do Cade: as tomadas no âmbito do Executivo, no exercício de sua competência, e as adotadas pelo colegiado, a partir de um processo administrativo, que confere ao órgão antitruste o poder decisório. "Estas últimas são imutáveis pela administração, porque submetidas ao pleno controle da legalidade", afirma.

"O que não se pode aceitar é a afirmação de que as decisões do Cade, mesmo técnicas, fiquem em posição superior à decisão do chefe do Executivo, subtraindo-se do presidente da República a competência que lhe foi outorgada expressamente pela Constituição Federal para decidir acerca do funcionamento dos órgãos e entidades da Administração Pública", assevera.

Para a relatora, enquanto as normas da lei 4.595/64 estiverem em vigor, a competência para apreciar atos de concentração envolvendo instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional é do Banco Central. Seja em razão do parecer vinculante emitido pela AGU, seja pelo princípio inserido no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução do CC (clique aqui), devem ser aplicadas as normas da lei 4.595/64, que conferem ao Bacen a competência exclusiva para apreciar esses atos envolvendo instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

A ministra Eliana Calmon ressalta, contudo, que o regime defendido pelo Cade consta do PLC 344/2002, em trâmite no Congresso Nacional, visando alterar a lei 4.595/64. O que, segundo entende, "é a prova maior de que, em juízo de estrita legalidade, não se pode desprezar o direito posto, até que ocorra a aprovação de um novo sistema".

Ainda não há data para que a discussão seja retomada pela 1ª seção.

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