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Organização do registro de empresas mercantis no Brasil - Parte II

terça-feira, 2 de maio de 2017

Atualizado às 07:54

Vitor Frederico Kümpel e Giselle de Menezes Viana

Como visto na última coluna, o sistema registral mercantil, tradicionalmente associado ao Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), sofreu drástica mudança com a extinção deste órgão, em 2003, pelo decreto 8.001.

Muito embora o fim efetivo do DNRC tenha sido (literalmente) decretado em maio de 2003, o fato decisivo para tal extinção se deu pouco tempo antes, por ocasião de promulgação da lei 12.792, em março daquele mesmo ano. Foi justamente esse diploma que criou a Secretaria da Micro e Pequena Empresa (SMPE), que viria a assumir, dois meses após seu nascimento, as atribuições registrais do quadragenário DNRC.

A referida lei, com esse intuito, acrescentou o inciso XIII ao art. 1º da lei 10.683 de 2003 (Lei de organização da Presidência da República e dos Ministérios), de modo a incluir a SEMPE no rol de órgãos integrantes da Presidência da República, com status de Ministério, bem como criou o art. 24-E, dispondo acerca da estruturação e atribuições conferidas ao novo órgão1, e modificou o inciso II do § 1º do art. 8º, incluindo neste o novo cargo de Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, que passaria a integrar o Conselho de Desenvolvimento2.

Em suma, à SEMPE competia assessorar direta e imediatamente o Presidente da República nos assuntos relacionados às micro e pequenas empresas. De outro lado, a lei 10.683/2003 revogou a alínea "h" do inciso IX do art. 27 da lei 10.683/2003, assim suprimindo, do rol de competências do antigo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a de formular "política de apoio à microempresa, empresa de pequeno porte e artesanato", já que essa função caberia, a partir de então, à nova Secretaria.

A lei 12.792 criou a SMPE com o objetivo de garantir maior eficiência na condução e articulação de medidas e projetos relacionadas ao tema, tendo em vista a "reduzida estrutura" dispensada, a tal mister, pelo então Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior3, incompatível com a importância desse setor na economia brasileira4.

Portanto, o escopo originário da SMPE era, em tese, obrar pelas Micro e Pequenas empresas, de modo a "aumentar seu grau de legalização, redução dos custos de constituição e extinção, diminuição de exigências estatais - restando a dúvida de quais seriam essas exigências reduzidas -, para proporcionar aumento da taxa de sobrevivência" dessas espécies empresárias5.

Foi com esse propósito que a SMPE foi criada, o que fica claro ao se analisar sua lei criadora. A lei 12.792/2013, com efeito, incluiu na lei 10.683/2003 um novo artigo, de número 24-E, prevendo o rol originário de competências da SMPE, dentre os quais cita-se: a formulação, coordenação e articulação de políticas, diretrizes, programas e ações voltados ao apoio, incentivo, qualificação, e promoção das micro e pequenas e empresas de pequeno porte (caput, I a III); e a participação na formulação de políticas acerca do microempreendedorismo e ao microcrédito (§ 1º).

Importante notar, neste ponto, que as frentes de atuação da SMPE se enfeixavam em torno de um objetivo muito bem definido, inferível não apenas do texto legal, nem apenas da carta de intenções que motivou sua criação, mas de seu próprio nome: o apoio às micro e pequenas empresas.

A despeito dessa vocação, o legislador, apenas dois meses depois, parece ter entendido que seria pertinente ampliar o foco da SMPE, incluindo em seu objeto a coordenação de toda a atividade registral relativa a todas as modalidades empresariais. Para isso, o decreto 8.001/2013 criou um órgão específico no bojo da SMPE, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), integrante da Secretaria de Racionalização e Simplificação.

Seguindo essa linha, o decreto 8.001/2013 determinou a transferência do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM)6, até então vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (que era, como visto, o Ministério responsável por questões dessa ordem, em especial no seio do DNRC), para a órbita da SEMPE.

O DREI, criado neste contexto, as funções de supervisionar e fiscalizar a atuação das Juntas Comerciais (âmbito administrativo) e de editar normas, principalmente por meio de Instruções Normativas, com a finalidade fundamental de padronizar os atos de registro público das empresas mercantis (no plano técnico-jurídico). Assim, as Juntas Comerciais, até então coordenadas pelo DNRC, passaram a estar vinculadas em caráter técnico ao DREI.

A lei 12.792/2013, visando adaptar a Lei Complementar 123 (Lei Geral da Micro e Pequena Empresa) à nova realidade normativa, alterou seus arts. 1º, § 5º, 76, caput e parágrafo único, e 85-A, § 3º, transferindo as atribuições até então conferidas ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, à nova Secretaria da Micro e Pequena Empresa.

A primeira questão que aflora desse singelo relato remete à divisão constitucional de competências entre os entes da Federação. Questionável, em primeiro lugar, a reforma efetuada pelo decreto 8.001/2013, considerando que o DNRC foi criado por lei, e extinto por um decreto, sendo que, em tese, seria inadmissível a extinção de cargos e órgãos públicos por meio de decreto7.

O exercício do poder regulamentar do Presidente da República, de fato, é balizado pela norma jurídica, ficando assim vinculado ao que foi assentado em lei8 (princípio da reserva da norma), sob pena de deturpar a divisão constitucional dos poderes9. Afinal, a própria finalidade do decreto regulamentar é assegurar a fiel execução da lei10, e não criar um novo status quo jurídico (o que deve ser feito, em situações de urgência, por Medida Provisória), muito menos alterar a lei que deveria regulamentar.

Aliás, o art. 84, VI, "a", da Constituição Federal, é expresso ao afirmar que a competência do Presidente da República para expedir decretos sobre a organização e funcionamento da administração federal não é absoluta, já que não pode acarretar o aumento de despesa, nem a extinção de órgãos públicos. Ora, foi exatamente isso o que decreto 8.001/2013 fez.

A segunda questão, também no viés constitucional, diz respeito à alteração implementada pela lei 12.792, já que em tese a modificação de uma Lei Complementar não poderia ter sido feita por lei ordinária. Não obstante, a alteração foi considerada constitucional pela Câmara dos Deputados, na medida que teria natureza "meramente administrativa", em nada afetando a matéria tributária11.

A terceira questão a causar estranheza na mudança em comento é de ordem lógica. Observe-se que toda a competência até então exercida pelo DNRC (órgão, como visto, então vinculado ao Ministério da Indústria e do Comércio), passou a ser atribuída ao DREI, que passou a ser o órgão de cúpula do SINREM12. O grande problema é que o DREI, que passou a estar incumbido das questões registrais atinentes a todas as modalidades empresariais (inclusive sociedades anônimas de grande vulto), foi criado como órgão subordinado à Secretaria da Micro e Pequena Empresa. O DREI, portanto, em que pese a amplitude de sua vocação, foi criado no seio de uma Secretaria cujo nome já denota o principal alvo de suas preocupações13, como acima enfatizado.

Novas mudanças, contudo, não tardaram a ocorrer, e os problemas até então identificados na história do Sistema de Registro das Empresas Mercantis estão longe de ser os últimos, como se verá na próxima coluna.

Sejam felizes, até mais!

__________

1 O art. 24-E, tal como formulado pela lei 12.792, dispunha: "À Secretaria da Micro e Pequena Empresa compete assessorar direta e imediatamente o Presidente da República, especialmente: I - na formulação, coordenação e articulação de: a) políticas e diretrizes para o apoio à microempresa, empresa de pequeno porte e artesanato e de fortalecimento, expansão e formalização de Micro e Pequenas Empresas; b) programas de incentivo e promoção de arranjos produtivos locais relacionados às microempresas e empresas de pequeno porte e de promoção do desenvolvimento da produção; c) programas e ações de qualificação e extensão empresarial voltadas à microempresa, empresa de pequeno porte e artesanato; e d) programas de promoção da competitividade e inovação voltados à microempresa e empresa de pequeno porte; II - na coordenação e supervisão dos Programas de Apoio às Empresas de Pequeno Porte custeados com recursos da União; III - na articulação e incentivo à participação da microempresa, empresa de pequeno porte e artesanato nas exportações brasileiras de bens e serviços e sua internacionalização. § 1o A Secretaria da Micro e Pequena Empresa participará na formulação de políticas voltadas ao microempreendedorismo e ao microcrédito, exercendo suas competências em articulação com os demais órgãos da administração pública federal, em especial com os Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Fazenda, da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Trabalho e Emprego. § 2o A Secretaria da Micro e Pequena Empresa tem como estrutura básica o Gabinete, a Secretaria Executiva e até 2 (duas) Secretarias".

2 O cargo foi incluído, pela referida lei, no então inciso II do § 1º do art. 8º da lei 10.683.

3 Ponto 3 da Exposição de Motivos da lei 12.792 de 2013.

4 Cumpre transcrever, quanto ao tema, os argumentos de ordem econômica apontados na exposição de motivos da lei: "2.11.1 É propício destacar alguns dados relativos às micro e pequenas empresas na atualidade brasileira. São dados do IBGE. Assim, por exemplo, elas correspondem a cerca de 98% do total das empresas formais. Sabendo-se que temos mais de 9,5 milhões de empresas informais no Brasil, em conjunto todas essas empresas seriam responsáveis por algo em torno de 20% do Produto Interno Bruto - PIB, isto representando aproximadamente 60% da mão de obra do País. 2.11.2 Em vários setores da economia se destacam as MPEs, dentre os quais os do comércio varejista, materiais de construção, materiais de escritório, prestação de serviços etc. 2.11.3 Há uma tendência de crescimento significativo do número de MPEs, no curto e médio prazos, até pelo menos 2015, o que representará a média de uma empresa para cada grupo de 24 pessoas. (...) 2.11.4 Cabe assinalar que, em alguns segmentos, já se destacam MPEs com agenda de exportação, em negócios e produtos com maior densidade tecnológica, embora sua participação no comércio exterior brasileiro ainda seja pouco significativa. (...) 2.11.5 Só por essas razões, já se pode perceber a grande importância do Projeto em exame, principalmente pelo fato de poder concentrar e melhor coordenar as ações governamentais voltadas ao fortalecimento dessas empresas".

5 Rocha, Gustavo, Substituição: sai o DNRC, disponível in.

6 O CGSIM, que também passou a ser subordinado a SEMPE, possui como fim a regulamentação, a administração da gerência da implantação e do funcionamento da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (REDESIM). O CGSIM é presidido pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República e conta com membros da SEMPE, de outros Ministérios, além de representantes de entidades como o INSS, a ANPREJ (Associação Nacional de Presidentes de Juntas Comerciais), o CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária) e a ABRASF (Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais).

7 ROCHA, Gustavo, ob. cit.

8 Nesse sentido, MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 13ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 427: "O exercício do poder regulamentar do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da Separação de Poderes (CF, arts. 2.°; 60, § 4.°, III), pois, salvo em situações de relevância e urgência (medidas provisórias), o Presidente da República não pode estabelecer normas gerais criadoras de direitos ou obrigações, por ser função do Poder Legislativo. Assim, o regulamento não poderá alterar disposição legal, nem tampouco criar obrigações diversas das previstas em disposição legislativa. Essa vedação não significa que o regulamento deva reproduzir literalmente o texto da lei, pois seria de flagrante inutilidade. O poder regulamentar somente será exercido quando alguns aspectos da aplicabilidade da lei são conferidos ao Poder Executivo, que deverá evidenciar e explicitar todas as previsões legais, decidindo a melhor forma de executá-la e, eventualmente, inclusive, suprindo suas lacunas de ordem prática ou técnica".

9 Em que pese a divergência doutrinária que cerca o tema, Luis Roberto Barroso defende que, nesse caso, haveria uma ilegalidade, e não uma inconstitucionalidade: "Atos administrativos normativos - como decretos regulamentares, instruções normativas, resoluções, atos declaratórios - não podem validamente inovar na ordem jurídica, estando subordinados à lei. Desse modo, não se estabelece confronto direto entre eles e a Constituição. Havendo contrariedade, ocorrerá uma de duas hipóteses: (i) ou o ato administrativo está em desconformidade com a lei que lhe cabia regulamentar, o que caracterizaria ilegalidade e não inconstitucionalidade; (ii) ou é a própria lei que está em desconformidade com a Constituição, situação em que ela é que deverá ser objeto de impugnação". (BARROSO, Luis Roberto, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012).

10 STF - Pleno - Adin 1.435-8/DF - medida liminar - Rel. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 6 ago. 1999, p. 5, apud. MORAES, Alexandre de, ob. cit., p. 427.

11 O próprio relator, Deputado Vicente Cândido, expondo a posição da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, do Congresso Nacional, em relação ao projeto de lei nº 865, de 2011 (que levou à lei ora em comento), deixou clara a existência do aludido problema, dizendo: "2.14.3 (...) Como solucionar, então, a questão? Primeira possível solução, a Câmara dos Deputados, por meio de decisão de sua Presidência, de ofício ou por decisão desta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania a ele encaminhada e submetida, modificaria a autuação da proposição, transformando-a no tipo correto, o que resultaria em qualificar o quórum de aprovação do Projeto, assim transformado, na votação final plenária. Segunda possível solução, a Câmara dos Deputados aprovaria a matéria, na forma normativa autuada, com o quórum qualificado de lei complementar na votação pelo Plenário da Casa. Terceira possível solução, esta CCJC concluiria que a matéria é constitucionalmente procedente. A fim de buscar uma saída que compatibilize, satisfatoriamente, as razões de ordem teórica e de ordem prática que envolvem a matéria, procuraremos esgotar as possibilidades para encontrar o caminho para a terceira daquelas soluções possíveis".

12 O anexo I do decreto 8.001/2013, nesse sentido, determinou expressamente que as atribuições até então conferidas ao DNRC passariam a ser exercidas pelo DREI (art. 8º).

13 "Quer isto significar que aquelas funções, no plano mercantil, de supervisão das Juntas Comerciais relativamente ao registro de atos que vão desde o microempreendedor individual até as sociedades anônimas de grande porte, grupos societários, consórcios, incluindo o julgamento dos recursos contra as decisões do Plenário das Juntas, passarão a ser desempenhadas por órgão de um ministério direcionado, como não esconde sua própria designação, aos problemas que afetam imediatamente as micros e pequenas empresas". Sharp Junior, Ronald A., A problemática extinção do DNRC, disponível in.