Protocolo de Madri
O
protocolo de Madri interfere com a sistemática de análise e concessão de
Registros de marca. Para estudar o tema, a ABPI formou um grupo de trabalho,
cujas conclusões foram submetidas a todos os associados e aprovadas pela resolução
da ABPI nº 23. Durante o estudo da questão, os integrantes do grupo de
trabalho tiveram ensejo de ouvir renomado especialista em direito
constitucional, Dr. Célio Borja, sobre as diversas implicações do referido
tratado com o ordenamento jurídico do país, notadamente na esfera
constitucional. O texto que se segue traz o teor da consulta formulada e das
conclusões estabelecidas a respeito da matéria.
José
Antônio B. L. Faria Correa, presidente
Lélio
Denicoli Schmidt, diretor relator
CONSULTA
"
I - DA DESIGUALDADE DE TRATAMENTO
1.
Os pedidos de registro de marca apresentados por brasileiros sujeitam- se a um
exame de registrabilidade realizado pelo INPI - Instituto Nacional da
Propriedade Industrial. Este exame regula-se pelos artigos 158 a 160 da Lei de
Propriedade Industrial (nº 9.279/96), que prevêem a possibilidade de terceiros
apresentarem oposições ao pedido de registro.
Estas
normas fixam prazos para o depositante ou oponente apresentarem suas manifestações
e cumprirem eventuais exigências que venham a ser formuladas. Não há, porém,
nenhum prazo fixado para a autoridade administrativa concluir o exame do pedido
ou mesmo da oposição.
Como
a análise a ser feita pelo INPI não está sujeita a qualquer termo, a Lei
9.279/96 não contempla a possibilidade de concessão do registro por decurso de
prazo. Atualmente, o exame de registrabilidade levado a cabo pelo INPI tem
durado cerca de 36 (trinta e seis) meses.1
Os estrangeiros também estão sujeitos à mesma sistemática aplicável aos
nacionais, já que o procedimento é único.
2.
O Protocolo de Madri rompe, porém, com esta unicidade. Este tratado
internacional permite que os estrangeiros requeiram registros de marca, com
validade no Brasil, através de um procedimento diferenciado. O pedido de
registro formulado pelo estrangeiro não é mais apresentado diretamente no
INPI, mas sim no escritório de marcas de seu país de origem, que imediatamente
o envia à OMPI - Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
O
registro reputa-se concedido na data em que ele é requerido, desde que ingresse
na OMPI dentro de dois meses (caso contrário, ele reputa-se concedido na data
de sua chegada na OMPI) .A OMPI não faz qualquer exame no pedido, mas os países
designados têm um prazo de até 18 meses para recusar o registro com respeito
às suas jurisdições.
Ocorre,
porém, que. os artigos 4.1, 5.2 e 5.5 do Protocolo de Madri assinalam que o
exame do pedido de registro internacional, pelos órgãos locais, deve forçosamente
se dar num período que será de 12 (doze) ou 18 (dezoito) meses, conforme tenha
sido definido por cada país-membro. As oposições também devem ser decididas
num lapso de 7 (sete) meses.
O
descumprimento a tais prazos sujeita o INPI a uma espécie de preclusão pro
judicato: nenhum óbice poderá ser posteriormente levantado pela autarquia
brasileira e o registro internacional concedido pela OMPI terá sido
definitivamente convalidado na esfera administrativa, no Brasil (restando
apenas, a terceiros eventualmente prejudicados, recorrer ao Poder Judiciário).
Desta forma, cria-se em favor dos estrangeiros a possibilidade de concessão de
registro imediato, sem exame de mérito e, mais grave ainda, com uma convalidação
tácita pelo simples decurso de prazo. Os nacionais, ao contrário, não se
beneficiam desta sistemática, pois seus pedidos de registro continuam regulados
pelos artigos 158 a 160 da Lei 9.279/96.
3.
Ainda sobre o tema em epígrafe, cumpre aludir aos artigos 9, 9bis e 9ter do
Protocolo de Madri, combinados com o artigo 36 (i) do respectivo Regulamento,
que isentam os titulares de registros internacionais do pagamento de qualquer
taxa para a anotação da mudança de procurador.
Essas
normas levam a uma diversidade de tratamento, pois o brasileiro titular de
registro nacional está obrigado ao pagamento de taxas cobradas por tal anotação
(cf. artigo 228 da Lei 9.279/96).
4.
Ademais, haveria uma substancial redução no valor das taxas administrativas a
serem cobradas de depositantes estrangeiros para a obtenção do registro, em
comparação com os valores cobrados dos nacionais. E verdade que os depósitos
nacionais sofreriam exame de mérito, diversamente do que se daria com os
registros internacionais, mas a rigor ambos os registros teriam validade igual,
até por força do princípio do tratamento nacional previsto no artigo 2º da
Convenção da União de Paris.
II
- DA OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO
5.
Os nacionais possuem a faculdade, contemplada no artigo 217 da Lei 9.279/96 e no
artigo 2.3 da Convenção da União de Paris,2
de citar os estrangeiros, nos procedimentos administrativos e judiciais que Ihes
movem no Brasil, na pessoa do procurador domiciliado no Brasil que estes são
obrigados a manter.
Porém,
o Protocolo de Madri não prevê a indicação, pelo estrangeiro, de um
procurador domiciliado no Brasil. A luz dos artigos 2.2 e 3.4 do Protocolo de
Madri, o procedimento do registro internacional dar-se-á exclusivamente entre o
INPI e a OMPI organização Mundial da Propriedade Intelectual, sem interferência
de um representante local mantido pelo estrangeiro. Isto coloca em xeque o exercício
da faculdade prevista no parágrafo anterior.
III
- DA OFENSA AO IDIOMA NACIONAL
6.
Segundo o artigo 13 da Constituição Federal de 1988, o português é a língua
oficial do Brasil. Como tal, deve, pois, ser empregada em todos os atos
oficiais, notadamente nos documentos que tenham vigência no país. A nenhum
brasileiro pode ser exigido, pois, o emprego de idioma estrangeiro nas petições
e requerimentos dirigidos a órgãos públicos situados no Brasil.
Ocorre,
porém, que o artigo 3.5 do Protocolo de Madri e os artigos 6.1.b e 6.3.b do
respectivo regulamento dispõem que o inglês e francês são as únicas línguas
aceitas por tal tratado internacional. Conseqüentemente, estas são as únicas
línguas empregadas nos certificados de registro, nas publicações e em todo o
procedimento administrativo do registro internacional.
Isto
é agravado pelo fato da única publicação de atos e despachos prevista no
Protocolo de Madri ser feita em inglês ou francês pela OMPI. Desta forma, os
brasileiros estariam obrigados a acompanhar as publicações feitas pela OMPI em
tais idiomas.
IV.
DAS QUESTÕES
7.
Em decorrência destas considerações, indaga-se:
1)As
diferenças de procedimento existentes entre os artigos 158 a 160 da Lei
9.279/96 e os artigos 5.2 e 5.5 do Protocolo de Madri violam a igualdade de
tratamento entre brasileiros e estrangeiros contemplada no artigo 5, caput, da
Constituição Federal de 1988?
2) A isenção de taxa para a anotação de mudança de procurador (artigos 9, 9bis e 9ter do Protocolo de Madri combinados com o artigo 36 (i) do respectivo Regulamento), que favorece o estrangeiro titular de registro internacional, afronta o direito de igualdade previsto no artigo 5, caput, da Carta Magna, considerando-se que o brasileiro titular de registro nacional estaria sujeito ao pagamento de tal taxa nos moldes da Lei 9.279/96?
3)
Ofende a proteção constitucional à igualdade de tratamento o fato do registro
internacional poder ser obtido a uma taxa de US$ 55.00 (cinqüenta e cinco dólares),
ao invés do custo de US$ 250.00 (duzentos e cinqüenta dólares) cobrados dos
depositantes brasileiros?
4)
As disposições do artigo 217 da Lei 9.279/96 e do artigo 2.3 da Convenção de
Paris conferem aos brasileiros o direito de citar o estrangeiro na pessoa de um
procurador domiciliado no Brasil? Em caso afirmativo, quando este direito é
adquirido: a partir da vigência da Lei 9.279/96 ou somente após a propositura
do procedimento administrativo ou judicial no qual a citação seja necessária?
Constitui ofensa à proteção constitucional ao direito adquirido a adesão a
um tratado internacional cujo procedimento não contempla e afasta a nomeação
de tal procurador local pelo estrangeiro?
5)
O emprego unicamente do inglês e do francês nos procedimentos concernentes ao
registro internacional com validade no Brasil (artigo 3.5 do Protocolo de Madri
e artigos 6.1.b e 6.3.b do respectivo Regulamento), que os brasileiros
precisariam acompanhar para exercer o direito de oposição, constitui ofensa à
adoção do português como idioma pátrio, como previsto no artigo 13 da
Constituição Federal? "
PARECER
O
TRATADO E A LEI NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
1.
A possibilidade jurídica de incorporar-se à ordem interna brasileira disposição
de ato internacional que concede aos estrangeiros tratamento mais vantajoso do
que o dispensado aos nacionais, requerentes ou titulares do registro de marcas
foi examinada, no voto do ministro Philadelpho Azevedo, proferido no julgamento
da Apelação Cível nº 7.872 - RS, pelo Supremo Tribunal Federal3.
Depois
de se referir às opiniões de Justo de Moraes, Florêncio de Abreu, Gama
Cerqueira e Alfredo B. Lopes da Cruz, contrárias à validade de tais disposições,
o ministro Philadelpho Azevedo declarou que, "de acordo com a doutrina
norte-americana preferiria sustentar tese oposta".4 "A propósito
da questão de marcas estrangeiras", diz ele, "entenderia que o juiz
signatário de uma convenção deve obediência a seus preceitos, ainda que isso
redunde, salvo clara infração constitucional, em maior benefício para os
estrangeiros - aliás, na espécie este seria aparente, pois a ausência de
prazo de prescrição para a anulação de registro doloso de marca estrangeira,
quando a lei nacional limita a cinco anos o prazo de exercício desse direito, não
desnivelaria em realidade as situações, porque o brasileiro gozaria do mesmo
direito em outros países, ainda que o direito interno destes também
estabelecesse limites mais curtos. O que não é jamais admissível é a atitude
ofensiva dos tratados que dá lugar a censuras bem desagradáveis, como a que
aconteceu com o Brasil (Proprieté lndustrielle, 1935, pg. 186) por ter
cancelado marcas de especialidades farmacêuticas, vigentes por um registro
internacional, em Berna, sob fundamento de falta de licença da autoridade sanitária
exigida por lei interna posterior, em contravenção ao artigo 79 do pacto
internacional, a despeito embora de se poder apontar precedente análogo da
modelar Suíça, incidindo em idêntica censura (Droit d´auteur, 1934, pg. 68;
Stefan Ladas, The lnternational Protection of litterary property, N. York,
§
77). Se não convém manter o tratado, força é denunciá-lo; ele coloca os
estrangeiros em melhor situação, melhor é estender esta aos nacionais, como
fez a França, pela Lei de 4 de abril de 1911 , sobre propriedade industrial
(Prop. Ind:, 1931, pgs. 67, e 1935, pgs. 35). Ainda agora em despacho publicado
no Diário Oficial de 2 de setembro, o presidente da República acentuou o caráter
de reciprocidade, em que assentam tais ajustes".5
O
voto divergente e vencedor do ministro Laudo de Camargo não contém consideração
alguma sobre o tema das relações do direito internacional com o direito
interno, pois fundamenta-se na qualificação jurídica das imposições tributárias
que se pretendia cobrar das mercadorias importadas ao abrigo do tratado de comércio
que firmáramos com o Uruguai, por força do qual ficavam elas isentas, no
Brasil, de direitos aduaneiros. Cuidou a maioria dos ministros de interpretar
essa expressão para dar exata execução ao tratado, não para negar-lhe aplicação.
Não se pode, portanto, emprestar força de ratio decidendi, mas somente de
obiter dicta aos pontos relevantes do voto do relator, ministro Philadelpho
Azevedo, afinal vencido. Os pontos por ele suscitados são a supremacia da
Constituição, a ilegitimidade ética e jurídica da revogação unilateral dos
tratados, sua não derrogação tácita pelo advento de lei interna com ele
incompatível e a revogação ou derrogação da lei anterior pelo tratado que a
contradiga. Esses são os temas que, desde então, durante 60 anos quase,
pautaram a jurisprudência brasileira acerca do sistema das relações do
tratado com a lei.
2.
Embora aceitando a dualidade das ordens normativas internacional e interna, o
ministro Philadelpho Azevedo sustentou que o tratado, em princípio,
"altera as leis anteriores, afastando sua incidência, nos casos
especialmente regulados" e que, "na situação inversa, a lei
posterior nem sempre derroga a norma do tratado anterior".6 ´A
equiparação absoluta", explica, "entre a lei e o tratado conduziria
à resposta afirmativa, mas evidente o desacerto de solução tão simplista,
ante o caráter convencional do tratado, qualquer que seja a categoria atribuída
às regras de direito internacional". Invoca o artigo 10 da Convenção
sobre Tratados (6ª Conferência Interamericana de Havana, promulgada pelo
Decreto nº 18.956, de 22 de outubro de 1929) e o princípio codificado por Epitácio
Pessoa, segundo o qual, "nenhuma das partes se exoneraria assim
isoladamente (artigo 210) podendo apenas fazer denúncia, segundo o combinado ou
de acordo com a cláusula rebus sic stantibus, subentendida, aliás, na ausência
de prazo determinado".
Lembra
a lição de Clovis Bevilaqua (D. Int. Público, vol. 2, pgs. 31 e 32), no
sentido de que os tratados não são "alteráveis unilateralmente".7
"A
Convenção de Havana", aduz, "assentou que os tratados continuarão a
produzir seus efeitos, ainda quando se modifique a Constituição interna do
Estado, salvo caso de impossibilidade, em que serão eles adaptados às novas
condições (artigo 11) ".8 Lê-se no voto aqui reproduzido que
em acórdão unânime sobre extradição, de 7 de janeiro de 1914, o Supremo
Tribunal Federal perfilhou essa doutrina.
O
voto do ministro Philadelpho Azevedo parece inclinar-se favoravelmente à opinião
de Oscar Tenório e Hidelbrando Accyoly, no sentido de que, por ser de direito
especial, a norma do tratado não é revogada por disposição em contrário de
lei posterior,9 mas "só pode ser despojado [o tratado] de sua
força interna por lei posterior de caráter explicitamente revogatório, e
nunca implicitamente por mero conflito de textos". (grifos do original). E
acrescenta: "Essa é a fórmula, em média, de predominância universal, a
despeito da aparente orientação em contrário, que levaria os Tribunais a dar
ao tratado a mesma categoria da lei comum, quanto à interferência recíproca
dos seus preceitos por simples ação do tempo, sem respeito à essencial
gradatio"10
3.
Não tendo sido decididos, então, os obiter dicta suscitados pelo relator, na
Apelação Cível nº 7.872-RS, cujo acórdão foi lavrado em 11 de outubro de
1943, veio o Supremo Tribunal a firmar sua orientação nessas matérias, a
partir do julgamento, por sua Terceira Turma, do conflito de Jurisdição nº
4.663 -SP, em 17 de maio de 1965, relator o ministro Eloy da Rocha (RTJ 48/76).
Decidiu-se, ali, pela competência jurisdicional dos Estados federados para
conhecer as causas fundadas em disposição da Convenção de Genebra sobre
Letra de Câmbio e Nota Promissória, uma vez que, "aprovado o tratado
federal, ou convenção, qualquer cidadão brasileiro pode invocá-lo perante o
Supremo Tribunal, em recurso extraordinário". (...) O "seu
texto", prossegue o voto do relator, é "lei como as demais"
(...) e completa: "Parece que o direito entrado pela via da recepção do
tratado está no mesmo plano de igualdade que o internamente elaborado, não
sendo superior a este". Essa decisão foi reafirmada no Recurso Extraordinário
nº 71.154 - PR, na qual o Supremo Tribunal Federal adotou o precedente acima
referido e explicitou-o, assentando que as normas da Convenção de Genebra
sobre o cheque, aprovada pelo Congresso Nacional, e regularmente promulgada,
"têm aplicação imediata,. inclusive naquilo em que modificarem a legislação
interna". (RTJ 58/70).
Enfim,
no acórdão lavrado no RE nº 80.004 -SE (RTJ 83/809), o Supremo Tribunal
Federal adotou, em favor do direito interno, a regra lex posterior priori
derogat, admitindo, assim, que a norma legislativa posterior derroga a disposição
do tratado com ela incompatível. "Embora a Convenção de Genebra que
previu uma lei uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias tenha
aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do
país, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do
Decreto-lei 427/1969", que modificava a regra da convenção atinente às
causas de invalidade dos títulos cambiais.
Portanto,
no Brasil, uma vez incorporado ao direito interno, o tratado tem a mesma tutela
jurisdicional das leis ordinárias; e a sua vigência, tal como a da lei,
sujeita-se igualmente ao princípio lex posterior priori derogat.
4.
Parece-me que essa disciplina dos tratados e convenções decorre imediatamente
da própria Constituição Federal, que prevê, expressamente, o controle difuso
de constitucionalidade, assim de leis, como de tratados (artigo 101, III, b) ,
cujo processo de incorporação é, nela, estabelecido (artigo 49, l; 87, VIII).
O Supremo Tribunal Federal tem iterativamente proclamado o princípio da
supremacia da Constituição, mais recentemente, na ação direta de
inconstitucionalidade nº 1.480-3-DF (DJ 18/5/2001, Ementário nº 2.031-2), na
qual afirma que "é na Constituição da República e não na controvérsia
doutrinária que antagonizam monistas e dualistas - que se deve buscar solução
normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema
do direito positivo brasileiro". Outros precedentes dessa mesma Corte, como
lembrado no voto do ministro Celso de Mello, relator do Recurso Extraordinário
nº 109.173 -SP (RTJ 121/270), já haviam proclamado a supremacia da Constituição,
no âmbito interno, sobre os atos internacionais, que são passíveis, até
mesmo, do controle concentrado de constitucionalidade, não do tratado em si
mesmo, mas dos atos políticos do Congresso Nacional (decreto legislativo) e do
presidente da República (decreto), que o incorporam ao direito interno do
Brasil (RTJ 84/724, relator ministro Djací Falcão). Dessa maneira, admitiu o
Supremo Tribunal a aplicabilidade da regra lex superior inferiori derogat aos
tratados incorporados à ordem jurídica do Brasil, que lhe contrariem a
Constituição.
No
julgamento do Recurso Extraordinário nº 109 .173-SP, acima referido, o
Tribunal reafirmou a doutrina que havia assentado em outros numerosos
precedentes, relativamente à paridade hierárquica do tratado e das leis ordinárias,
pois, os primeiros "uma vez regularmente incorporados" (...)
"situam-se no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade,
de eficácia e de autoridade". Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal
vinculou, expressamente, os tratados ao controle concetrado, pelo Supremo
Tribunal, e difuso, pelos juízes e tribunais do país; e decidiu que as suas
disposições submetem-se às regras de vigência das normas jurídicas - lex
posterior priori derogat e lex superior inferiori derogat e ao critério da
especialidade, ao qual, pouco antes, se referira a mesma Corte, no julgamento do
Recurso Extraordinário nº 253.071-9-Goiás (DJ 29/6/2001, Ementário 2037-6,
relator, o ministro Moreira Alves) ao assentar que "o Pacto de São José
da Costa Rica, além de não poder contrapor-se à permissão do artigo 5º,
LXVII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional
geral, as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário
infiel". (grifei)
Do
exposto decorre que, se o Protocolo de Madrid for incorporado ao direito interno
do Brasil, as suas disposições, para terem curso, deverão ser compatíveis
com a Constituição, pois, se não o forem, poderão ser declaradas de nenhum
efeito, em ação direta de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal
Federal. Resulta, igualmente, que os seus preceitos, se forem constitucionais,
derrogarão os do direito interno anteriores com ele incompatíveis.
5.
A corrente jurisprudencial dualista, que se veio formando na vigência das
nossas sucessivas Constituições republicanas, ajusta-se à Constituição de
1988, que adota como fundamentos do Estado a soberania e a cidadania (artigo 1º,
I e II). Por soberania entende-se a independência externa e a supremacia
interna; e a cidadania equivale ao reconhecimento e à garantia dos direitos
civis e políticos, que são oponíveis às pretensões do poder público e dos
entes políticos, nacionais, estrangeiros ou supranacionais. ´A
soberania", escreveu Clovis
Bevilaqua a propósito do artigo 17 da antiga Lei de Introdução ao Código Civil, " é o conjunto dos poderes, que constituem a nação politicamente organizada.
Decompõe-se na autoridade de legislar, governar, julgar, policiar e exercer a tutela jurídica (imperium, jurisdictio). Dentro do território de outra nação, nenhum Estado pode legislar nem praticar atos da competência exclusiva do poder público local". E, quanto à eficácia do direito estrangeiro "para dentro de nossas fronteiras", diz ele que, "não se executam no Brasil, as leis, os atos, as sentenças, nem as disposições ou convenções particulares, ofensivas da soberania nacional, da ordem pública e dos bons costumes."11
É
o tratado inexeqüível se incompatível materialmente com a Constituição; e,
ainda, se ofende a soberania e a ordem pública .brasileiras ou se atenta contra
direitos públicos subjetivos, civis e políticos, e contra suas garantias
constitucionais.
No
plano normativo, a soberania traduz-se na supremacia da Constituição;
consequentemente, nenhuma norma é valida, se com ela incompatível, qualquer
que seja sua fonte de produção. Essa é a expressa orientação da jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, relativamente aos atos internacionais, reafirmada
recentemente:
Subordinação
normativa dos tratados internacionais à Constituição da República "No
sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão
hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República.
Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais,
que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal
ou materialmente, o texto da Carta Política.
O
exercício do trealy-making power, pelo Estado Brasileiro - não obstante o polêmico
artigo 46 de Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso
de tramitação no Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância
das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional." (ADIN nº
1.480-3-DF, medida liminar, Min. Celso de Mello, DJ 18/5/2001 , Ementário nº
1031-2)
Da
supremacia da Constituição decorre a intangibilidade dos direitos individuais
que ela declara e tutela; não é lícito, portanto, pactuar em ato
internacional obrigações que os neguem ou reduzam e Ihes comprometam as
garantias expressas ou implícitas no sistema jurídico do país. A igualdade é,
entre esses direitos, de importância fundamental.
A
IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO
6.
A Constituição garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país
a igualdade perante a lei e a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º, caput).
A
doutrina clássica entendia que o dever da igualdade dirigia-se ao legislador,
mas hoje afirma-se "que são destinatários do princípio da igualdade (não
em sentido meramente passivo, mas também de verdadeiros sujeitos ou
protagonistas): a) os órgãos criadores do direito, e, portanto, o próprio
legislador e a sua lei; b) os órgãos de aplicação e fiscalização do
direito, ou seja, a Administração e os Tribunais; c) os titulares dos direitos
fundamentais (em regra os cidadãos) ".12 (grifos do original)
Esse
dever alcança os órgãos do Estado, ainda quando no exercício das
prerrogativas políticas que Ihes conferem uma ampla margem de discrição,
porque, sendo um direito público subjetivo, a igualdade é oponível às
pretensões do Estado e às ações dos governantes. Nem mesmo a representação
do Brasil perante Estados estrangeiros e organismos internacionais ou
intergovernamentais libera-se da necessária observância desse princípio jurídico
e norma constitucional. A igualdade é, na verdade, segundo Biscaretti di
Ruffia, um princípio geral da ordem jurídica positiva do Estado, pois
perpassa-Ihe o ser e a ação.13
Por essa razão, o poder do presidente da República de concluir tratados e convenções é informado do dever geral de assegurar, mais do que respeitar passivamente, os direitos individuais e sociais assegurados pela ordem interna brasileira e garantidos pela Constituição, que é suprema até mesmo em face dos atos internacionais. Pois é ela que toma como fundamentos do Estado, a soberania e a cidadania (artigo 1º) .Não é lícito o presidente da República contrair, em ato internacional, obrigações incompatíveis com a Constituição, porque, ao firmá-Ios, o Brasil implicitamente admite que, para torná-las exeqüíveis no seu território, modificará sua ordem interna. E se não o faz, o país é passível de responsabilização nos competentes foros político ou jurisdicional.
De
outra parte, os atos internacionais não devem causar a involução do sistema
jurídico brasileiro, reduzindo ou suprimindo direitos ou alterando para pior
situações fáticas e jurídicas em cujo gozo se encontrem os brasileiros e
estrangeiros residentes.
Embora
não tenha encontrado nos precedentes judiciais repulsa a ato internacional por
incompatibilidade, não com a Constituição, mas com o sistema jurídico,
verifico que as Comissões de Constituição e Justiça e de Relações
Exteriores, da Câmara dos Deputados, foram de parecer que a Convenção 90, da
OIT, não deveria ser aprovada porque, "sem ferir, todavia, qualquer texto
constitucional, que nenhum há que proíba o trabalho noturno de menores de 18
anos e maiores de 16 anos, colide, como demonstrado, com o texto da Consolidação
das Leis do Trabalho (artigo 404) Somos um país sem o cruciante problema da mão-de-obra,
que aflige outras nações. Não vejo, assim, como aprovar o Brasil essa Convenção,
já que não haveria motivo para adotá-Ia entre nós, por constituir um
retrocesso na evolução de nossa legislação trabalhista". (DCN de
5/9/1964, Seção I, pg. 7.358 e 7.358). Embora seja, esse, argumento de conveniência,
adotado pelo órgão político da soberania nacional, o parecer pela rejeição
do tratado guarda uma estreita relação e tem por fundamento o dever da
autoridade pública de pugnar pela manutenção de sistemas ou normas jurídicas
mais favoráveis aos brasileiros. Nem mesmo a relevante e sábia diretriz de política
externa, que impele o Brasil à participação em todos os foros internacionais
e ao acatamento das normas aceitas geralmente pela comunidade das nações,
antepõe se ao dever imposto, pela índole do regime democrático, de prover o
bem comum dos brasileiros.
Direito
Interno Internacionalmente Indispensável
7.
A doutrina dualista moderada, que tem informado as instituições jurídicas e a
conduta internacional do Brasil, e tem sido desenvolvida pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, não isenta de responsabilidade o Estado que não
promove ou retarda a complementação e a modificação de seu direito interno,
indispensáveis ou necessárias ao exato adimplemento das obrigações
contratadas externamente, ou que, aligeiradamente, as assume em contravenção
daquilo que é imodificável na sua própria ordem constitucional.
Com
efeito, Triepel registrou a existência de um direito interno internacionalmente
indispensável: "Como todos os direitos e deveres subjetivos, em
particular, não podem derivar se não do direito objetivo e, além disso, os
tratados modernos sobre o estabelecimento, sobre o exercício de profissões,
sobre a propriedade industrial, etc., têm por fim assegurar mais e mais aos
nacionais dos Estados, que estejam em relação de reciprocidade, verdadeiros
direitos públicos e privados, a promessa de conceder tais direitos já contém
ordinariamente o compromisso de estabelecer ou de manter o direito objetivo que
Ihes dará nascimento". ("Comme en particulier tous les droits et
devoirs subjectifs ne peuvent dériver que du droit objectif, comme en outre les
traités modernes sur I´ établissement, sur I´exercice des professions, sur
Ia propriété industrielle, etc., ont pour but d´assurer de plus en plus au
nationaux réciproques des états de véritables droits publics et privés, Ia
promesse d´accorder de tels droits contient régulierement déjà I´engagement
d´ établir ou de maintenir le droit objectif qui leur donnera
naissance.")14
8.
Indaga a consulente se violam a igualdade de nacionais e estrangeiros: a) as
diferenças dos procedimentos da Lei nº 9.279, de 1996 (artigos 158 a 160) e do
Protocolo de Madrid (artigo 5.2 e 5.5); b) a gratuidade ou isenção da anotação
da mudança de procurador, no registro internacional (artigo 36, i, do
Regulamento do Protocolo de Madrid), uma vez que, no Brasil, o mesmo ato gera a
obrigação de pagamento de taxa; c) a diferença das taxas cobradas pelo
registro internacional e pelo nacional (U5$ 55 e U5$ 250); d) a inexistência no
Protocolo de Madrid de disposição que obrigue a pessoa domiciliada no exterior
a manter, no país do registro de base, procurador com poderes de representação
administrativa e judicial e autorização para receber citação, diversamente
do que prescrevem a Convenção da União de Paris (artigo 2.3) e a Lei nº
9.279, de 1996 (artigo 217); e e) a proibição de exigir-se qualquer outra
forma de publicidade dos atos do registro internacional a serem aqui executados,
sendo suficiente sua veiculação na gazeta oficial da OMPI (artigo 3.5,
Protocolo de Madrid). Pergunta-se, enfim, f) se a publicação dos atos oficiais
do registro internacional, em francês ou inglês, produz efeitos jurídicos no
Brasil.
Considerações
preliminares
9.
Antes de examinar as questões suscitadas pela consulente é necessário
advertir que no sistema dualista de relacionamento do direito interno com o
direito internacional, as instituições e ordens normativas de um e outro são
independentes. Segundo Triepel, elas não concorrem, até mesmo porque, em princípio,
não regulam as mesmas relações, nem têm os mesmos sujeitos.15
Como ato internacional institucional que é, algumas disposições do Protocolo
de Madrid operam paralelamente à ordem interna; de sorte que, somente a partir
da incorporação das disposições que regulam relações jurídicas entre
depositantes e titulares de marcas dos registros nacional e internacional,
poder-se-á dizer que os trata desigualmente. Ilustrando exatamente essa situação,
Walz distingue o que chama direito internacional originário, Volkerrecht im
urspriinglichen Sinn, do direito internacional derivado, Staatliches Volkerrecht
im abgeleiteten Sinn.16 Nas palavras desse autor, trata-se de prática
jurídica dos Estados, que consiste em tirar "em grande parte do direito
internacional os direitos a conceder e os deveres a impor aos indivíduos, tanto
quanto a isso se preste o texto desse direito" ("II a déja été
prouvé que Ia pratique juridique dans les différents États tire en grande
partie du droit international les droits à accorder et les devoirs à imposer
aux individus, en tant que le texte de ce droit s´y prête").17 Uma
vez incorporada, a disposição de direito internacional convencional assume a
posição hierárquica e o vigor próprio das leis com as quais deve ser compatível.
Isenção do ato de inscrição de mandatário
10.
Respondo, primeiro, ao quesito (b) da consulta. A isenção nele aludida não me
parece atentatória do tratamento isonômico prescrito no artigo 5º"
caput, da Constituição Federal, porque o ato isento – inscrição de um
mandatário - somente produz efeito no registro internacional. Aos registros
nacionais, ou registros de base, aplica-se a norma do artigo 2.3, da Convenção
de Paris, que ressalva a prerrogativa do direito interno de dispor a respeito.
No protocolo de Madri, a inscrição de mandatário é facultativa; na Lei nº
9.279, de 1996, obrigatória; naquele, o mandatário não está obrigado a ter
domicílio no território do Estado-parte onde irá atuar; na lei, o domicílio
no Brasil é obrigatório. A nomeação de representante credenciado corre em
paralelo, lá e cá.
A
designação de procurador, até por ser facultativa, não é ato necessário à
obtenção do registro internacional e, por isso, não agrava, nem minora, a
diferença de custo, objeto do terceiro que- sito (c) da consulta.
(a)
Diversidade dos procedimentos e (c) dos valores das taxas
11.
São significativamente díspares as taxas que incidem no processo de depósito
e registro de marcas, na OMPI e no INPI: 55 e 250 dólares, respectivamente.
Deve-se considerar, porém, que ao valor da taxa cobrada pelo registro nacional
dever-se-ia somar a importância aludida no artigo 8.1 do Protocolo: " de
fixer a son gré et de percevoir à son profit une taxe qu´il réclamera au déposant
ou au titulaire de l´enregistrement international à l´occasion du depôt de
Ia demande internationale ou à l´occasion du renouvellement de l´enregistrement
international". Enquanto o Protocolo de Madrid não é incorporado à ordem
interna brasileira não é possível imputar ao registro internacional
tratamento desigual das marcas do registro nacional e dos seus titulares, porque
entre eles não há qualquer relação jurídica. Mas se a incorporação se
consuma, estabelece-se entre os dois registros uma relação de concorrência na
qual se patenteia a situação fática desvantajosa das marcas do registro
nacional e de seus usuários. Esse novo serviço, oferecido pela OMPI, sequer é
indispensável à cooperação internacional, pois a Convenção de Paris já
assegura a obtenção em Estado estrangeiro de proteção à marca, como já vem
ocorrendo no Brasil.
De
outra parte, se se considera a freqüência dos pedidos de registro na repartição
de marcas da União Européia (Escritório de Harmonização do Mercado
Interior), com sede em Alicante, Espanha, verificar-se-á que no período
(1996-2001 ) foram depositados somente 507 marcas de titulares brasileiros, não
obstante seja o mercado europeu o maior parceiro comercial do Brasil. É,
portanto, de relativa importância para os agentes econômicos brasileiros o
serviço que o registro internacional da OMPI lhes poderia prestar, embora seja
ele atraente para os estrangeiros, em razão do baixo custo, da inexistência de
exame prévio, da simplificação dos procedimentos e dos, prazos peremptórios
e mais curtos do que os vigentes no Brasil. E relevante para o Direito a relação
de desigualdade que se estabeleceria entre nacionais e estrangeiros, uma vez que
para a obtenção da igual proteção de suas marcas no território do país
seriam feitas a uns exigências muito mais onerosas do que a outros.
Penso,
ainda, ser inviável o expediente, alvitrado no voto do ministro Philadelpho
Azevedo, de igualar as taxas do INPI às da OMPI, que poderia atender a
necessidade jurídica de tratamento isonômico de nacionais e estrangeiros, mas
criaria um fato radicalmente injurídico, pois tornaria dependente, ou
subordinado, um serviço público brasileiro a outro, supranacional.
Desrespeitaria, além disso, a regra do serviço pelo custo, obrigatória nos
entes administrativos financeiramente autônomos, porque tal equalização
desconsideraria as próprias finalidades da tarifa: amortizar e remunerar o
capital e formar provisão para a melhoria e expansão do serviço.
Tal
como hoje se apresenta, a diferença das taxas dos dois registros põe os
brasileiros e estrangeiros residentes no país em posição de desvantagem, em
face dos depositantes e titulares de marcas do registro internacional.
Desigualdade concreta de conteúdo econômico, desvantajosa para todos os que
exercem, no Brasil, atividades relacionadas à obtenção e proteção do
registro de marcas.
Não
obrigatoriedade de manter procurador no Brasil
12.
A regra 3, do Regulamento, faculta, não obriga, o depositante ou titular a
constituir representante perante a Secretaria Internacional. Deve, contudo, o
mandatário:
"1
b) a possuir sua morada
i) no referente a um pedido internacional relevando exclusivamente do Acordo, no território de uma parte contratante;
ii)
no referente a um pedido internacional relevando exclusivamente do Protocolo, no
território de uma parte contratante do Protocolo;
O
mandatário não é obrigado a ter domicílio no território do Estado que
aceita o pedido de extensão da proteção da marca, mas no território de uma
parte contratante, ou seja, de qualquer parte contratante. Assim, por exemplo, o
titular da marca do registro internacional, domiciliado em país asiático,
poderia ter como procurador no Brasil escritório de advogados sediado nos
Estados Unidos.
Esse
mandatário é único (Reg., regra 3, c: "o depositante ou o titular apenas
pode possuir um mandatário"), autorizado, portanto, a representar o
mandante perante todos e quaisquer Estados que hajam concedido extensão do
registro internacional ao seu
território.
Essa
regra não se ajusta comodamente ao artigo 2 (3) da Convenção de Paris
("The provisions of the laws of each of the countries of the Union relating
to judicial and administrative procedure and to juris- diction, and to the
designation of an address for service or the appoint- ment of an agent, which
may be required by the laws on industrial property are expressly
reserved.") Pois bem: na ordem
interna brasileira prevê-se que a pessoa domiciliada no exterior constituirá e
manterá "procurador devidamente qualificado e domiciliado no país, com
poderes para representá-Ia administrativa e judicialmente, inclusive para
receber citações." (Lei nº 9.279, de 1996, artigo 217)
Membro
da União de Paris, o Brasil tem reconhecida, na esfera internacional, por força
da Convenção que a instituiu, a prerrogativa de exigir de qualquer depositante
ou titular de registro de marcas o cumprimento desse dever jurídico, que
interessa, sem dúvida, aos profissionais brasileiros habilitados (agentes da
propriedade industrial e advogados principalmente), mas, também, à sua ordem pública,
pois desembaraça os processos, os procedimentos e os atos que interessam ou
envolvem os domiciliados no exterior, do penoso e demorado dever de rogar a
justiças e autoridades estrangeiras o cumprimento de citações e notificações
indispensáveis à regularização dos processos judiciais e administrativos que
aqui tem curso.
Deve-se
observar, ainda, que, no Brasil, a representação judicial é privativa de
profissional inscrito na Ordem dos Advogados (Lei nº 8.906, de 4/7/1994, artigo
3º). Em quase todos os Estados soberanos, o exercício da advocacia pressupõe
o registro em corporações semelhantes ou nas suas próprias Cortes de Justiça.
Pondere-se,
enfim, que, na hipótese da adesão do Brasil ao Protocolo de Madrid, o
Regulamento, por ser ato administrativo de mera execução, não se incorporaria
ao direito interno brasileiro e, portanto, não derrogaria o artigo 217 da Lei
da Propriedade Industrial, que permaneceria, em qualquer hipótese, válido e
eficaz. Até mesmo porque o artigo 9bis, ii, do Protocolo, é com ele compatível.
Publicação
no Brasil dos atos do registro internacional
13.
A consulta questiona, por último, a possibilidade de produzirem efeitos no
Brasil os atos emanados de autoridade estrangeira ou internacional, veiculados
em jornal oficial, editado no exterior e em outra língua que não o português.
Dois
são os pontos passíveis de controvérsia: a publicação apenas no exterior e
o emprego de língua estrangeira.
Para
produzir efeitos no Brasil, o tratado, a lei e os atos regulamentares devem ser
aqui publicados, Oscar Tenório afirma que "como os tratados e convenções
diplomáticas não são simples atos administrativos e de execução, sendo,
realmente, leis, a regra da vacatio Ihes é aplicável, como Ihes é aplicável
toda a matéria de publicação",18 Adiante completa: "Os
regulamentos intra legem, com feição complementar das leis, e os regulamentos
prreter legem, feitos com o propósito de suprirem lacunas legais, têm caráter
normativo, A obrigatoriedade determina-se pela publicação oficial",19´Quanto
ao veículo, esse ilustre e saudoso autor é taxativo: "Do conhecimento do
regulamento por meio do Diário Oficial resulta a sua exequibilidade",20
Fiore ressalta a necessidade de publicação dos tratados, ou seja, das disposições
dos atos convencionais internacionais, que tendo a força obrigatória das leis,
concernem aos direitos dos particulares: "Perô, siccome i trattati, per
quello che concernono i diritti dei privati, hanno Ia stessa forza obbligatoria
delle leggi, cosi bisogna ammettere anche a riguardo di essi, che Ia loro
obbligato- rietà deve ritenersi subordinata alIa loro pubblicazione",
("Mas como os tratados, no que concerne ao direito dos particulares, têm a
mesma força obrigatória das leis, assim é necessário admitir também com
vistas a eles, que a sua obrigatoriedade deve ter-se como subordinada à sua
publicação"),21
Quanto
aos atos administrativos concretos, os singulares, os que têm destinatário
certo e determinado, a lei que regula o processo administrativo (Lei nº 9,784,
de 20/1/1999, artigo 2º, § único, inciso V e artigo 3º, inciso II) exige a
comunicação ou a publicidade, em cumprimento ao que preceitua o artigo 37,
caput, da Constituição, Bem antes, Serpa Lopes já ensinava que "os
decretos de interesse individual ou local, as instruções e avisos para a boa
execução da lei e quaisquer atos da privativa atribuição do Poder Executivo
são exeqüíveis desde que deles tenham conhecimento os interessados e as
autoridades competentes por meio do Diário Oficial, ou forma autêntica"22
Dispondo
em sentido oposto, basta para o artigo 3.4, do Protocolo, a publicação dos
atos do registro internacional, na gazeta da Secretaria Internacional da OMPI,
para que produzam efeitos no Brasil ("Les marques enregistrées dans le
registre international seront publiées dans une gazette périodique editée par
le Bureau International, sur Ia base des indications contenues dans Ia demande
internationale") e no inciso 5 ("En vue de Ia publicité à donner aux
marques enregistrées dans le registre international, chaque Office recevra du
Bureau International un nombre d´exemplaires à prix réduits de ladite Gazette
dans les conditions fixées par I´ Assamblée visée à I´article 10"
(...) "Cette publícité sera considerée comme suffisante aux fins de
toutes les parties contractantes, et aucune autre ne pourra être exigée du
titulaire de I´enregistrement international").
A propósito da suficiência da inserção das leis italianas apenas na Coleção dos Atos do Governo, sem noticiá-Ia no Jornal Oficial do Reino da Itália, como exigido por lei de 1854, Fiore opinou no sentido da necessidade da inserção e da notícia, tendo em vista que "a publicação da lei já promulgada visa, certamente, a tornar efetiva a sua forma jurídica, quer dizer, tem o sentido de atribuir à mesma a virtude de gerar os direitos e os deveres jurídicos que decorrem dos preceitos sancionados e publicados". ("La pubblicazione dei Ia legge già promulgata mira bensi a rendere effettiva Ia sua forma giuridica, nel senso cioe di attribuire alia medesima Ia virtu di ingenerare i diritti e i doveri giuridici che conseguono dai precetti sanzionati e promulgati.")23
Tratava-se,
ali e então, de atos de um mesmo e único Estado. Com maior razão, há de se
dar notícia de atos de um organismo intergovernamental, concernentes aos
direitos individuais de brasileiros e estrangeiros aqui domiciliados, em veículo
de comunicação que circule no Brasil e seja acessível aos interessados.
Emprego
da língua estrangeira
14.
A liberdade de expressão inclui a de empregar ou usar correntemente qualquer língua
estrangeiras não proíbe que se reserve à língua portuguesa o texto dos atos
de caráter público ou privado que devam produzir efeitos jurídicos no Brasil.
A falta de norma geral, leis especiais assim dispõem, como, ex.gr., o artigo
15, alínea d, da Lei de Introdução ao Código Civil, os artigos 156 e 157 do
Código de Processo Civil, e o artigo 140 do Código Civil.
Obrigatoriedade da língua portuguesa
O
artigo 13 da Constituição não tem esse mesmo sentido. Na verdade, ao declarar
que o idioma oficial do Brasil é a língua portuguesa, ele pôs termo a antiga
disputa, que lavrou na Constituinte de 1946 e entre os filólogos, a respeito do
idioma do Brasil, inclinando-se uns pela denominação língua brasileira e
outros pela língua portuguesa. No artigo 13 da Constituição vigente não se
proíbe o uso ou o emprego de qualquer outra língua, nem se regulam os efeitos
que os atos jurídicos forâneos podem validamente produzir no Brasil, mas dá-se
nome à língua que falamos.
A
presunção de conhecimento do conteúdo das leis e dos atos oficiais somente se
firma se vazados no idioma oficial do país, que é a sua língua franca. O que
impõe essa reserva a favor do português é o princípio da verdade. Pois até
mesmo a presunção juris et de jure é insustentável se escancaradamente falsa
ou impossível.
Por
essa mesma razão, é obrigatória a versão para o vernáculo da sentença
estrangeira (LICC, artigo 15, d), dos atos, termos e documentos do processo
judicial escritos em outra língua. (C PC, artigos 156 e 157).
Quanto
aos demais atos jurídicos, o Código Civil (artigo 134, §§ 3º e 4º) manda
que as escrituras públicas sejam redigidas na língua nacional e que se nela não
se souber exprimir algum dos comparecentes, o tradutor público deverá
intervir, ou outra pessoa habilitada. E que as obrigações escritas em língua
estrangeira serão vertidas em português para terem efeitos legais no país
(artigo 140).
Já
os artigos 6.1.b, que obriga o uso do francês ou do inglês nos pedidos
internacionais, e 6.3.b, ambos do Protocolo de Madrid, que reserva o registro
internacional e a publicação de seus atos às línguas francesa e inglesa, não
conflitam com o direito interno brasileiro, enquanto regras de conduta
administrativa de uma organização intergovernamental. A obrigatoriedade do
emprego dessas duas línguas, nos pedidos de registro internacional, não ofende
a soberania e a ordem pública brasileiras, porque é atinente a atos da competência
privativa de uma entidade intergovernamental, que não se destinam a produzir
efeitos no Brasil. contudo, a proibição de exigir outra publicação dos atos
do registro internacional,24 viola o princípio da reciprocidade e
embaraça o exercício do direito de oposição; ofende a ordem pública do país
e lesa a regra do direito comum, que nega efeitos no território brasileiro aos
atos concluídos no exterior, aqui não republicados ou comunicados em versão
portuguesa.
Soberania
e ordem pública
15.
Além dos pontos sobre os quais a consulta versa, outros há que me parecem
relevantes para a aferição da compatibilidade do protocolo de Madrid com a
ordem interna brasileira.
A
esse propósito, parece-me necessário lembrar que o direito de marca é atribuído,
reconhecido e protegido pela ordem interna dos Estados, nos limites de seus
respectivos territórios. Graças à Convenção de Paris (artigo 2.1), uma
marca estrangeira pode obter o mesmo tratamento e proteção que o direito
interno reserva às marcas do registro nacional. Atente-se, ainda, para o fato
de a Convenção de Paris integrar o TRIPs, que não a derroga, conforme a
ressalva do seu artigo 2º ("Nada nas partes I a IV deste acordo derrogará
as obrigações existentes que os membros possam ter entre si, em virtude da
Convenção de Paris, da Convenção de Berna, da Convenção de Roma e do
Tratado sobre a Propriedade Intelectual de Circuitos Integrados").
Por
sua vez, a Convenção de Paris (artigo 2.3), que é o ato internacional
normativo do direito de marca, ressalva expressamente "as disposições das
leis de cada um dos países da União [de Paris] relativas ao processo judicial
e administrativo e à jurisdição". O respeito ao princípio da exclusiva
competência da ordem interna para regular e tutelar o direito de marca é,
portanto, norma geral de direito internacional convencional, que não é
derrogada por disposição de tratado, convenção ou ato de índole especial,
administrativa, como o Protocolo de Madrid, que tem a finalidade de instituir,
organizar ou reorganizar um serviço internacional. Mesmo esse último ato
internacional parece ressalvar o direito de cada um dos Estados-partes de
exercer jurisdição plena sobre as marcas de seu registro, ao dispor no artigo
3bis: "La protecrion résultant de I´enregistrement internarional ne s´etendra
a une parrie contractante qu´ à Ia requête de Ia personne qui depose Ia
demande internarionale ou qui est ritulaire de I´enregistrement internarional. Toutefois,
une telle requête ne peut être faite à l´égard d´une partie con- tractante
dont l´office est l´office d´origine".
Por
força desse princípio, o registro internacional, que o Protocolo de Madrid
organiza, não deveria dispor, nem criar, nem modificar, nem extinguir direito
à marca ou à exclusividade do seu uso no território de um Estado-parte.
Desatento
a essas disposições do direito internacional convencional e à do seu artigo
3bis, o Protocolo de Madrid viola-as em dois casos: no da preclusão do direito
de recusa (artigo 5.5) e no da prevalência da opinião da Secretaria
Internacional da OMPI, relativamente à classificação de produtos e serviços
(artigo .2).
Se
a preclusão do direito de recusa do Estado importa a perda total ou parcial da
propriedade ou da exclusividade do uso da marca depositada ou registrada em um
país da União de Madrid, ofende-se, sem apoio no direito internacional, a sua
soberania e viola-se a sua ordem pública.
A
redação da cláusula que comina a preclusão leva ao entendimento de que,
tendo o Estado perdido o prazo para formalizar sua recusa, a marca objeto do
pedido de extensão passa, sem mais, a gozar no seu território dos mesmos
direitos que o registro nacional lhe asseguraria se nele tivesse sido
originalmente depositada e registrada.
Mas,
não obstante a omissão ou a intempestividade da recusa, a impossibilidade jurídica
pode persistir, seja, no caso do Brasil, pela anterioridade de marca idêntica
ou semelhante, seja pela incidência das proibições estatuídas no artigo 124
da Lei nº 9.279, de 1996.
Se
preexiste direito à marca idêntica ou semelhante à forânea ou se esta é
irregistrável, ela não pode, num caso, receber a proteção que é exclusiva
daquela que a precede, nem no outro, violar disposições vedatórias que são
da índole do sistema brasileiro da propriedade industrial e que, certamente,
também se encontram no direito comparado.
Já a prevalência da opinião da OMPI sobre a classificação de produtos e serviços, com força terminativa, contravém a garantia do devido processo (Const., artigo 5º, LIV) e do acesso ao Poder Judiciário, em caso de ameaça ou lesão a direito (artigo. 5º,XXXV)
Insuscetível
de modificação por ato internacional normativo ou contratual é a
exclusividade do exercício da jurisdição no Brasil por suas autoridades
(Const., artigo 1º,I) e o direito dos cidadãos e dos residentes à jurisdição
prestada pelo Estado brasileiro (Const., artigo 5º, XXXV).Essa disposição é
cláusula pétrea da Constituição Federal e em virtude dela o único ato de
poder capaz de extinguir, terminante ou irrecorrivelmente, uma pretensão
fundada em direito subjetivo individual é a sentença transitada em julgado; e
que o acesso ao Judiciário não pode ser impedido, nem obstaculizado.
16.
As injuridicidades aqui apontadas teriam que ser repelidas, na Justiça
brasileira, pelos titulares dos direitos por elas violados. Ao invés de
prevenir e resolver os conflitos entre titulares de marcas nacionais e forâneas,
tais disposições do Protocolo de Madrid os exacerbam, porque não existindo,
no registro internacional, exame de anterioridade, os casos de colidência que
surgirão aumentarão os números das reclamações administrativas e judiciais,
que, repita-se, só podem ser dirimidas no Brasil.
Essa
circunstância seria extremamente lesiva aos titulares das marcas nacionais,
assim injustamente afetadas, que não teriam remédio judicial prontamente
eficaz no país, em razão da jurisprudência que se vai consolidando,
impeditiva da antecipação da tutela, por entender indispensável, nas ações
em que se discute o uso ou a usurpação de marca, a perquirição do direito no
qual elas se fundam; e, de outra parte, o pedido de indenização que motivaria
tais demandas, é, no Brasil, de demorada consecução, em decorrência da
necessidade de comprovar o dano.
À
margem das questões de Direito suscitadas nos quesitos que serão respondidos
adiante, convém sublinhar as razões de oportunidade e conveniência que
desaconselham, presentemente, a adesão ao Protocolo de Madrid:
a)
a posição de desvantagem do registro nacional e das marcas nele depositadas ou
registradas, em face do registro internacional, devido a custos, procedimentos e
prazos;
b)
a vulnerabilidade dos titulares das marcas do registro nacional, em face da
concessão do registro internacional sem o exame de prioridades e anterioridades
e da preclusão pro judicato do direito de recusa;
c)
a menor eficácia, no Brasil, dos meios judiciais de defesa e de composição do
dano;
d)
o reduzido interesse dos titulares brasileiros pelo registro internacional de
suas marcas.
17.
Respondo aos quesitos da consulta.
As
diferenças de procedimento existentes entre os artigos 158 a 160 da Lei
9.279/96 e os artigos 5.2 e 5.5 do Protocolo de Madrid violam a igualdade de
tratamento entre brasileiros e estrangeiros contemplada no artigo 5, caput, da
Constituição Federal de 1988?
Enquanto
manifestações da recíproca independência do direito internacional e do
direito interno e da sua paralela autonomia, não me parece que tais diferenças
de simples procedimentos e de prazos para sua conclusão violem a igualdade de
tratamento do artigo 5º, caput, da Constituição. Contudo, incorporado o
Protocolo de Madrid, algumas de suas disposições prejudicam direitos
subjetivos de brasileiros e estrangeiros residentes, entre eles, o de igualdade,
ofendem a soberania e a ordem pública brasileiras, como a preclusão do prazo
para recusar extensão do registro internacional e a irrecorribilidade da decisão
da OMPI quanto à classificação de produtos e serviços.
A
isenção de taxa para a anotação de mudança de procurador (artigos 9, 9bis e
9ter do Protocolo de Madrid combinados com o artigo 36 (i) do respectivo
Regulamento), que favorece o estrangeiro titular de registro internacional,
afronta o direito de igualdade previsto no artigo 5, caput, da Carta Magna,
considerando-se que o brasileiro titular de registro nacional estaria sujeito ao
pagamento de tal taxa nos moldes da Lei 9.279/96?
Penso
que não viola o direito de igualdade de brasileiros e estrangeiros a isenção
do artigo 36, i, do Regulamento do Protocolo de Madrid.
O
ato isento é da exclusiva competência da Secretaria Internacional da OMPI e não
interfere na ordem interna dos Estados-partes.
Ofende
a proteção constitucional à igualdade de tratamento o fato do registro
internacional poder ser obtido a uma taxa de US$ 55.00 (cinqüenta e cinco dólares),
ao invés do custo de US$ 250.00 (duzentos e cinqüenta dólares) cobrados dos
depositantes brasileiros?
Para
responder a esse quesito, tenho por sinônimas ou equivalentes as palavras taxas
e custos, que no léxico e na linguagem técnica têm sentido diverso.
Se
o Brasil aderir ao Protocolo de Madrid, estabelecer-se-á uma relação de
desigualdade pecuniária concreta, entre o custo dos registros nacional e
internacional.
A
adesão ao tratado transforma o direito internacional originário em direito
internacional derivado, segundo a classificação adotada por walr25
para explicar como, na doutrina dualista, a ordem interna pode ser afetada pela
internacional. A partir daí, o registro internacional e o nacional concorrem,
porque os atos de um deles repercutem nos do outro. Pode-se, então, predicar a
desigualdade ínsita na relação jurídica de concorrência, pela maior
onerosidade do registro nacional em face do internacional. E ela coloca o
depositante nacional de marca em posição de desvantagem em relação ao do seu
concorrente.
Sendo
tal desigualdade incompatível com a Constituição, ficaria o INPI obrigado a
graduar suas taxas pelas da OMPI, o que criaria uma relação de dependência,
se não de subordinação, de um órgão do governo brasileiro a outro
supranacional.
As
disposições do artigo 217 da Lei 9.279/96 e do artigo 2.3 da Convenção de
Paris conferem aos brasileiros o direito de citar o estrangeiro na pessoa de um
procurador domiciliado no Brasil? Em caso afirmativo, quando este direito é
adquirido: a partir da vigência da Lei 9.279/96 ou somente após a propositura
do procedimento administrativo ou judicial no qual a citação seja necessária?
Constitui ofensa à proteção constitucional ao direito adquirido a adesão a
um tratado internacional cujo procedimento não contempla e afasta a nomeação
de tal procurador local pelo estrangeiro?
A
norma do artigo 217 da Lei da Propriedade Industrial é de direito objetivo,
pois estatui um dever da pessoa domiciliada no exterior. Essa norma mandatória
visa a liberar o serviço público de registro e administração de marcas da
necessidade de recorrer aos órgãos jurisdicionais e administrativos
estrangeiros para levar a termo os processos de sua competência.
Embora
contenha norma administrativa, é inegável que o artigo 217 visa também a
atender a comodidade dos interessados em atos e processos do registro brasileiro
de marcas, os quais têm legítimo interesse no seu cumprimento. No Protocolo de
Madrid, não há regra derrogatória desse dispositivo, que é objeto de
ressalva expressa do artigo 2.3 da. Convenção de Paris,. vigente no Brasil. Não
me parece, portanto, que os depositantes e titulares de marcas do registro
brasileiro tenham direito adquirido, mas, sim, interesse legítimo na manutenção
da regra, que é ressalvada pela Convenção de Paris.
O emprego unicamente do inglês e do .francês nos procedimentos concernentes ao registro internacional com validade no Brasil (artigo 3.5 do Protocolo de Madrid e artigos 6.1.b e 6.3.b do respectivo regulamento), que os brasileiros precisariam acompanhar para exercer o direito de oposição, constitui ofensa à adoção do português como idioma pátrio, como previsto no artigo 13 da Constituição Federal?
Embora o artigo 13 da Constituição cuide apenas de dirimir antiga controvérsia relativa ao nome do idioma oficial do Brasil, diversos dispositivos da Lei de Introdução ao Código Civil, do direito comum e do processual civil negam efeito a atos jurídicos e do processo, bem como a normas jurídicas e documentos vazados em idioma estrangeiro. Para que produzam os efeitos a que visam devem eles ser vertidos em português.
O
mesmo princípio da verdade que comanda essa exigência, abomina a idéia de que
um ato publicado no exterior, em língua estrangeira, possa gerar a presunção
iuris tantum, de conhecimento dos interessados, ou iuris et de iure, de
conhecimento universal das leis (LICC, artigo 3º). Para isso, é absolutamente
indispensável a publicação na língua portuguesa, em veículo impresso que
circule no Brasil.
É
o meu parecer,
Rio
de Janeiro, 9 de junho de 2002,
Célio Borja - Advogado, professor aposentado de Direito Constitucional da UERJ, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, ex-presidente da Câmara dos Deputados, ex-ministro da justiça.
______________
1. Dados fornecidos pela Diretora de Marcas do INPI, Dra. Maria Elizabeth Broxado, em palestra proferida na ABPI (Cf. Boletim da ABP, nº 20, agosto de 2001 ).
2
- Tratado internacional vigente no Brasil por força dos Decretos n"
75.572/75 e 635/92.
3.
Arquivo Judiciário vol. LXIX.1944,pg.13.
4.
Id., pg. 19.
5.
Id., pg. 22.
6.
Arquivo Judiciário, cit., pg. 20.
7.
Ibd.
8.
Ibd.
9.
Id., pg. 21
10.
Id., pg. 23
11.
Clovis Bevilaqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, Liv.
Francisco Alves, 1916, vol. I, pg. 149.
12.
Martim de Albuquerque, Da Igualdade - Introdução à jurisprudência, Liv.
Almedina, Coimbra, 1993, pg. 75
13.
Paolo Biscaretti di Ruffia, Diritto Costituzionale (Le Stato Democratico
Moderno) , vol. I, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Napoli, 1949, pgs. 107
-108: "E fra gli altrî principî, analogarnente diffusi negli ordinarnenti
costituzionali contemporanei, possono ricordarsi: il príncipio dell´
uguag!ianza di tutti i cittadini fra loro" (...).
AS
DISPOSIÇÕES DO PROTOCOLO DE MADRID EM FACE DA CONSTITUIÇÃO E DO DIREITO
INTERNO DO BRASIL.
14.
Triepel, Les Rapports entre le Droit Interne et le Droit International in Récueil
des Cours, Académie de Droit International, Lib. Hachette, Paris, 1925, tome 1
de La Collection, pg.112.
15. Triepel, Les Rapports entre le Droit Interne et Le Droit International, cit., pg. 83: "Ce droit internacional public et le droit interne sont non seulement des parties, des branches du droit distinctes, mais aussi des systemes juridiques distincts" (...) "Puisque le droit interne et le droit international ne régissent pas les mêmes rapports, il est impossible qu´ il y ait jamais une concurrence entre les sources des deux systemes juridiques."
16. Walz, Les Rapports du Droit International et du Droit Interne in Récueil des Cours, Académie de Droit International, 1937, III, tome 61 de La Colléction, Libraire du Récueil Sirey, pg. 425- 429.
17. Idem, pg. 425.
18. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Comentada por Oscar Tenório. Livraria Jacinto Editora, Rio de Janeiro, 1944, pg. 22.
19. Lei de Introdução, cit., pg. 24.
20. Ibd.
21. Pasquale Fiore. Delle Disposizioni Generoli Sulla Pubblicazione, Applicazione Ed Inlerpretazione Delle Leggi, vol. primo, seconda edizione. Napoli-Torino, 1915, pgs. 124 -125.
22. Miguel Maria de Serpa Lopes, Comentário Teórico e Prático da Lei de Introdução ao Código Civil, vol. I, 1943, Liv. Jacintho Editora, Rio de Janeiro, pg. 46.
23. Pasquale Fiore, De//e Disposizioni Generali Su//a Pubblicazione, cit., pg. 118.
24. Protocolo de Madrid, artigo 3.5: "Cette publicité sera considerée comme suffisante aux fins de toutes les parties contractantes, et aucune autre ne pourra être exigée du titulaire de l´enregistrement international".
25. Walz. Les Rapports du Droit Internacional et du Droit Interne in Récueil des Cours, Académie de Droit International, 1937, III, tome 61 de La Colléction, Libraire du Récueil Sirey, pg. 425- 429.