COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Direito e Bioética >
  4. Extubação paliativa - Uma análise bioética

Extubação paliativa - Uma análise bioética

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Atualizado às 09:27

Texto de autoria de Josimário Silva e Andressa Lima

As unidades de terapia intensivas vivem um momento de grandes transformações no modelo assistencial, com a presença de pacientes potencialmente salváveis, sendo, paulatinamente, substituídos por pacientes com doenças em fases avançadas, com baixíssimo potencial de recuperação e que, na grande maioria dos casos, vão à óbito. Diante desse novo cenário, é preciso uma nova abordagem na assistência que vai exigir uma nova mentalidade ética e o conhecimento em cuidados paliativos para que os profissionais possam promover o maior benefício ao enfermo usando a proporcionalidade e a razoabilidade nos procedimentos, adequando à necessidade clínica e respeitando todos os aspectos que compõe o ser humano em sua dignidade, como autonomia da vontade, crenças e valores, dimensão espiritual e social.

No Capítulo I do Código de Ética médica1 (2018) que trata dos Princípios Fundamentais, no item VI, dispõe acerca do absoluto respeito pelo ser humano, devendo atuar sempre em seu benefício, mesmo depois da morte.

A lógica no modelo assistencial dito humanizado, ou melhor, eticizado, consiste em respeitar as necessidade do enfermo, seja clínica, seja não farmacológica ou, nas demais dimensões humanas, oferecendo o melhor tratamento, sempre com foco no doente e não na doença, quando a mesma já atingiu um grau de irreversibilidade e incurabilidade, cabendo à assistência em cuidados paliativos oferecer todo o suporte necessário para manter o controle absoluto de sintomas que trazem desconforto ao enfermo, promovendo a melhor assistência e trazendo a família para o protagonismo das tomadas de decisões que se refere aos cuidados dignos do enfermo.

O princípio da beneficência nos orienta a maximizar os benefícios e não permanecer insistindo em um procedimento que, culturalmente, e dentro de certos limites, é medicamente indicado, como, por exemplo, a intubação.

A lógica deve ser o doente e não o método, ou seja: se o método intubação foi mal indicado ou já não atinge o bem do doente, cabe a extubação paliativa. O risco da ignorância (desconhecimento) em cuidados paliativos induz a uma interpretação equivocada do procedimento. Ainda, no capítulo I do CEM2 (2018), dos Direitos Fundamentais, diz o item V: Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade .

O desconhecimento da ciência médica pelo profissional da medicina pode levar a ações consideradas de imperícia (não tinha a devida formação para tal e mesmo assim realizou à ação), de imprudência (tinha formação mas fez além de sua capacidade) e negligência (não agiu no dever de cautela), de tal forma que essas ações venham a promover um real dano ao paciente, ou seja, o nexo de causalidade entre a ação e o resultado.

A assistência em Cuidados Paliativos é reconhecida, mundialmente, e já faz parte de políticas públicas de vários países e é considerada pela OMS como uma questão de Direitos Humanos. Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente, de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição e faz parte de legislação supra legal e infra constitucional, portanto, como o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, os Cuidados Paliativos, apesar de não haver, ainda, no País, uma lei que o regulamente como política pública de saúde, deve ser implementado considerando as orientações da OMS para os Cuidados Paliativos.

Os Cuidados Paliativos não são ainda uma especialidade "médica" e sim uma área de atuação da medicina e que tem a essência de uma assistência multidisciplinar de forma a promover a melhor assistência ao paciente com uma doença que ameaça a vida, tanto na fase inicial da doença, quanto na fase final, enfatizando a importância de que quanto mais cedo é iniciada a assistência, mais benéfica é ao paciente3.

A assistência em Cuidados Paliativos parte de um imperativo categórico que diz que o paciente é fim em sim mesmo e, ainda, de acordo com o filósofo Kant, há coisas que tem preço e outras valor, no sentido de dignidade.

Portanto, a discussão deve visar sempre o agir eticamente, de maneira correta, condizente com a moral, e realizar a assistência em cuidados paliativos naquilo que é absoluto ao paciente: controlar seu sintomas e promover conforto.

Ou seja: se uma intubação não está causando o devido benefício ao paciente, qual seria a justificativa de mantê-la? A extubação paliativa causaria à morte do paciente ou seria à doença que já não responde aos tratamentos propostos? Não identificar o limite do razoável de uma ação médica não seria ferir frontalmente o princípio da não maleficência? Qual seria o verdadeiro sentido da medicina que não o de promover o melhor benefício ao doente?

William Osler (1849-1919) foi o maior clínico do século XX, tendo sido um dos fundadores da Faculdade e Hospital John Hopkins, em Baltimore, que serviram de modelo para a implantação da moderna medicina norte-americana. Além de docente e pesquisador, Osler destacou-se por sua preocupação com o lado humano da medicina e suas citações do aforismo foram atribuídas à sua própria autoria.

Há um frase, do autor supracitado, que diz "O papel do Médico é curar às vezes, aliviar muito frequentemente, e confortar sempre"4, traduzindo que a Medicina só cura o que é curável, e, no cenário atual, onde a curva epidemiológica das doenças crônicas começa a aumentar, o cuidar e controlar sintomas faz parte do modelo atual de assistência em saúde e, quando a morte é inevitável, é medicamente e eticamente inadequado agregar sofrimento, princípio da não maleficência.

Utilizando o argumento da beneficência, a extubação paliativa não apressa à morte do paciente, mas se a morte vier a ocorrer é devido à condição do estágio da doença. E nem sempre o desfecho é a morte do paciente, que não é objetivo, sendo este o de proporcionar ao paciente o controle dos sintomas e proteger de intervenções que não promovem benefício ao doente. No capítulo V, art. 41, do CEM (2018), Relação com pacientes e familiares, diz: É vedado ao médico: Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único: Nos casos de doenças incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal5 .

A extubação paliativa é um procedimento médico que pode ser usado como opção, em casos muito específicos, realizado por profissional habilitado, de maneira consensual, transparente e fundamentado em parâmetros clínicos para garantir controle de sintomas, permitindo a evolução natural da doença (ortotanásia) e não para provocar a morte do paciente (Eutanásia). Nenhuma conduta em cuidados paliativos é realizada impositivamente, sem a devida anuência do paciente e/ou representante legais, daí se prezar tanto em cuidados paliativos do processo de comunicação efetiva e empática.

Na encíclica Evangelium Vitae, de 1995, o papa João Paulo II, opõe-se ao "excesso terapêutico", afirmando que a renúncia a "meios extraordinários ou desproporcionados" para prolongar a vida não equivale ao suicídio ou à eutanásia. Para ele, essa renúncia exprimiria "a aceitação da condição humana defronte à morte"6.

Os Cuidados Paliativos vêm se tornando cada vez mais uma necessidade humana diante dos elevados números de pacientes que necessitam desse cuidado. Com a emancipação do paciente, novos instrumentos permeiam a relação clínica, como diretiva antecipada de vontade, trazida na Resolução CFM 1995/20127.

A Diretiva antecipada de vontade não é um testamento sucessório, não se trata de questões patrimoniais, mas de uma manifestação de vontade prévia, pensada e elaborada por uma pessoa, competente, para que prevaleça, no momento em que o paciente já não tenha mais capacidade de tomar uma decisão. Ressalta-se, sempre, o dever do médico em ser honesto, probo e estar em consonância com os ditames de art legis, das boas práticas médicas, de proteção do doente, sem paternalismo, mas com empatia e alteridade.

Em um cenário que há desconhecimento ou conflito de ordem moral, surge a importância dos comitês de bioética clínica como um espaço que pode auxiliar em aclarar o caso para que o profissional possa tomar uma decisão prudente.

Para Coelho e Yankaskas (2017)8, com relação à retirada da ventilação mecânica, "os intensivistas podem enfrentar uma variedade de situações nas quais os pacientes não deveriam ser submetidos a suporte ventilatório artificial, em razão de uma falta de comunicação prévia referente aos objetivos do tratamento, como casos nos quais o paciente foi intubado em razão de insuficiência respiratória aguda e, então, transferido para a UTI".

Por fim, vale trazer a visão da professora Luciana Dadalto sobre o tema, mencionando sempre que o prolongamento artificial da vida somente é desejável quando há chances de reversibilidade do quadro do paciente, diferente do que ocorre com a extubação paliativa que é a retirada do ventilador mecânico quando este foi indicado erroneamente9.

Além disso, já há estudos internacionais que mostram que curva de evolução de um paciente submetido à extubação paliativa se assemelha à curva da evolução natural da doença, sendo, ainda, a causa de morte a mesma que iria já levar o paciente a morrer naturalmente.

Do ponto de vista bioético, a extubação paliativa, uma vez sendo, criteriosamente, avaliada, identificada como necessária, benéfica ao doente e sendo concedida de maneira consensual entre os protagonistas do caso concreto, é plenamente aceitável e prudente. Não podemos, em função de valores pessoais, pensar na sacralidade da vida como um dogma ao ponto de evitar a morte a qualquer custo, ratificando o conceito da medicalização da morte inevitável.

Os princípios são prima fácie, cabendo ao intérprete (o sujeito moral - o profissional) ter conhecimento para saber interpretar e aplicar, sob o risco de positivar a bioética. O raciocínio bioético não é apodítico, ou um simples fato, e nem a medicina é uma ciência exata, daí os Cuidados Paliativos serem uma área de atuação que usa os princípios como norteadores de suas ações e sempre buscando agir de forma prudente.

O mais importante não é o método como bom ou ruim, mas a condição clínica em que o paciente se encontra para que possamos definir qual é a melhor assistência que pode ser oferecida para que ela tenha uma assistência digna, observando os princípios da bioética como condutores.

*Josimário Silva é pós-doutor em Bioética. Professor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco. Coordenador Nacional da Rede Bioética Brasil.

**Andressa Lima é especialista em Direito Público. Advogada atuante no Direito Médico e da Saúde. Pesquisadora em Bioética.

__________

1 Código de Ética Médica 2018. Acessado em 11 de maio de 2020 às 12:06h.

2 Código de Ética Médica 2018. Acessado em 11 de maio de 2020 às 12:09h.

3 Silva, J. Bioética. Um olhar bioético de quem cuida do final de vida. Editora Nova Presença. Olinda(PE)2017.

4 Clique aqui. Acessão em 13 de maio de 2020 às 10:48h

5 Código de Ética Médica 2018. Acessado em 11 de maio de 2020 às 13:44h

6 Clique aqui. Acessado em 11 de maio de 2020 às 13:33h.

7 CFM. Acessado em 11 de maio de 2020 às 13:49h

8 Coelho, C. B. T.; Yankaskas, J.R. Novos conceitos em cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(2):222-230.

9 DADALTO, Luciana. Testamento Vital. 5ª ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2020, p. 41