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Fatos e fitas: alegrias e lágrimas

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Atualizado em 21 de janeiro de 2019 13:43

Os estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, desde sua fundação, deram à então tristonha cidade de São Paulo um vigor extraordinário. As peculiaridades da vida social, cultural e política que a marcaram no século XIX tiveram como gênese o Largo e seus acadêmicos.

Naquele período não foram poucas as manifestações, inclusive de estudantes, de desagrado e pouca estima pela São Paulo da época. O retrato que passavam da cidade era desprimoroso.

No entanto, transcorridas não muitas décadas a sua população deu mostras da generosidade e da grandeza da alma paulista, pois rendeu homenagens e reverenciou aqueles que no passado haviam sido seus detratores, e que se tornaram admirados poetas, literatos e homens públicos.

Alvares de Azevedo, que segundo a lenda teria nascido na própria Faculdade, se referia a São Paulo como "cidade dos mortos", pois tudo nela lhe parecia "velho e centenário" a ela lhe provocava "tédio e aborrecimento".

O futuro romancista Bernardo Guimarães mencionou que São Paulo, embora se apresentasse como um núcleo intelectual respeitável possuía características que lembravam a cidade tradicional da época de "Amador Bueno", o "paulista que não quis ser rei". Aclamado rei dos portugueses e espanhóis no século XVIII, na porta da Igreja de São Bento, abdicou da coroa antes de ser coroado.

Olavo Bilac, por sua vez, em uma carta a um amigo dizia não poder viver "numa terra onde só há frio, garoa, lama, republicanos, separatistas, camelos e tupinambás". Em seguida afirmou viver trancado em casa decorando o texto da "Corpo Juri". Terminou informando ter a cabeça "cheia de rimas e de latim. Uma calamidade".

Deve-se notar a falta de coerência do poeta. Veio a São Paulo do Rio de Janeiro onde trabalhara em jornal e cursara a Faculdade de Medicina. Abandonou o curso, e mudou-se para São Paulo, onde pretendia cursar Direito. Ao que parece saiu da Corte em razão de uma frustação amorosa.

Passou a trabalhar na imprensa paulista, mas não se matriculou na Faculdade de Direito. Assistia aulas esporadicamente, na condição de ouvinte. Deu continuidade em São Paulo à vida boemia que levava no Rio de Janeiro. Frequentava com assiduidade o Bar do Jaça, o Grande Hotel, o Restaurante Faria e a Sereia Paulista, locais de encontro dos boêmios da época, constituída especialmente por estudantes, poetas e jornalistas.

E a cidade, acidamente criticada por ele, como se viu, dele mesmo receberia, mais tarde, palavras de carinho e benquerença. Recordando os tempos em que aqui residiu, referiu-se a São Paulo como "esplêndida metrópole". Fez evocações sentimentais dessa época. "Naqueles dias de pouco sol e naquelas noites de muita garoa, já tínhamos dentro de nós esta atual cidade, esta esplêndida metrópole".

Os estudantes, dentre eles o próprio Bilac, como se disse estudante de ocasião, entoavam orgulhosos uma cantiga alusiva à vida alegre que levavam: "andamos rindo às estrelas, boêmios endiabrados; apedrejando janelas; dos burgueses sossegados".

A influência dos estudantes se fazia notar quando sobrevinham as férias. Com a academia sem atividades, muitos dos estudantes regressavam para as suas cidades e Províncias de origem. Nesse período, São Paulo mudava de fisionomia. Voltava a ser insossa, sem graça, quase sem vida.

Segundo a afirmação de alguém que acompanhava a vida paulistana daquela época, durante o ano "São Paulo era uma cidade onde dominava soberana e despoticamente o estudante, e só ele".

Esta opinião é compartilhada por Emílio Zaluar, escritor nascido em Portugal, mas radicado no Brasil, em seu livro Peregrinação pela Província de São Paulo.

Afirmou nesta preciosa obra que a cidade deveria ser analisada sempre sob dois pontos de vista. De um lado, a cidade em si, a capital da Província e de outro a Faculdade de Direito. "O burguês e o estudante a sombra e a luz, o estacionário e a ação" e após outras analógicas comparações, concluiu como derradeiro contraste, a rotina da população com as "audaciosas tentativas de progresso encarradas na população transitória e flutuante".

O estudante de Direito entrou na vida da cidade, quer formando um núcleo peculiar, quer exercendo uma influência decisiva para alterar a fisionomia de São Paulo e de sua sociedade a partir mesmo de 1828, ano do início das atividades da Faculdade.

Os estudantes não só deram vida "às sombrias ruas da vetusta cidade colonial" como passaram a compor uma classe intelectual unida e homogênea, sensível aos apelos liberais e nativistas que agitavam a sociedade da época. Época na qual a coroa do Imperador não estava bem fixada em sua cabeça, aliás, segundo se dizia, na "cabeça amalucada de D.Pedro I".

Na verdade, logo a partir de 1828, os estudantes de Direito passaram a predominar no pequeno burgo, impondo uma agitação e uma alegria até então inexistentes. Por outro lado, passaram a construir um ambiente de debates políticos e de formação intelectual e literária que deitou raízes na história de São Paulo, tornando-a nos anos vindouros o grande centro propulsor da cultura brasileira.

Assinale-se que nos primeiros vinte anos de vida da Faculdade de Direito já era expressivo o número de estudantes de outros Estados, como, aliás, ocorreu nas décadas posteriores, até a criação de outras escolas no país. Os estudantes vinham do Rio de Janeiro; de Minas; da Bahia; de Mato Grosso; do Maranhão e de outros Estados, então Províncias.

Em uma cidade, cuja vida social, intelectual e boêmia dependia dos estudantes, não poderiam faltar locais para as diversões menos ortodoxas. As casas das chamadas "mulheres de vida alegre", os lupanares, ou bordeis ou castelos, se já existentes, obviamente, aumentaram consideravelmente as suas "atividades" com a instalação da Faculdade de Direito.

Uma das responsáveis pelas "casas" mais conhecidas, era Rita Clementina de Oliveira, conhecida por "Ritinha Sorocabana". As chamadas "madalenas" ou "dalilas" ou "cortesãs" eram reverenciadas e protegidas pelos estudantes, que em não raras vezes se apaixonavam.

Muitas dessas mulheres quando os seus preferidos terminavam o curso e voltavam para os seus locais de origem, iam despedir-se na "árvore das lágrimas". Localizada no hoje bairro do Ipiranga, a árvore era o local do adeus, era a testemunha das tristezas, melancolias e lagrimas vertidas nas separações entre estudantes e suas amadas e entre os próprios acadêmicos ligados por sólida amizade constituída durante os cinco anos vividos no Largo de São Francisco.