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Fatos e fitas : Academia de Direito e de Letras

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Atualizado às 08:31

As crônicas da época já registravam o comportamento dos estudantes e a vida que passaram a levar em São Paulo, com influência marcante no próprio modo de ser da pacata sociedade do pequeno burgo. O comportamento, o modo de ser, os hábitos trazidos pelos acadêmicos acompanharam todas as gerações de franciscanos, até as mais recentes. Souberam elas honrar o legado construído desde os primórdios da Faculdade e que passou a constituir as gloriosas tradições acadêmicas: a boêmia, a irreverência, a permanente alegria de viver, a dedicação à poesia e à música, as disputas ideológicas, a adoção das causas libertárias, a solidariedade, enfim o culto ao belo e ao humanismo.

Eram os acadêmicos informais, indisciplinados, buliçosos, segundo um cronista da época, travessos, acriançados, autores de peraltices e de aventuras nunca antes presenciadas pela pacata população de São Paulo.

Esses epítetos não incomodavam os estudantes, que tinham a consciência clara do tipo de vida que levavam e que desejavam mesmo levar, pois seu modo de ser brotava da própria essência de cada qual, da essência mesmo do acadêmico de Direito. Fagundes Varela pôs em verso o sentir do estudante:

"Pode bem ser que livros não abrisse
Que não votasse amor à sábia casta
Mas tinha o nome inscrito entre os alunos
Da escola de São Paulo, e é o quanto basta".

Um visitante da época, observador atento e arguto, fez uma análise comparativa entre os "dois povos" que habitavam São Paulo. "A capital da província e a Faculdade de Direito, o burguês e o estudante, a sombra e a luz, o estacionarismo (sic) e a ação, a desconfiança de uns e a expansão muitas vezes libertina de outros".

Esse mesmo visitante, Augusto Emílio Zaluar, referiu-se aos acadêmicos como uma "colmeia mais ruidosa, infatigável em sua ação", que estava repleta de vida e de vontade, uma vontade que "produz o desvario e alimenta o gênio". A colmeia era habitada pelas "abelhas douradas que fabricam ao sol da juventude os primeiros favos da sabedoria e da ciência".

Outros cursos nos meados do século XIX começaram a ser instalados na cidade. O Curso Anexo, como preparatório ao ingresso na Faculdade; o Gabinete Topográfico, que funcionou no Palácio do Governo, para a formação de engenheiros a serem preparados para a construção de estradas. A sua duração, no entanto, foi efêmera.

Uma outra instituição de ensino criada em São Paulo, após a instalação dos cursos jurídicos, foi a Escola Normal de São Paulo, para a formação de professores. Surgiram, ainda seminários e várias escolas particulares, dentre as quais o Colégio Fonseca; o Colégio Emulação; o Colégio Ipiranga; o Culto à Ciência; o Ateneu Paulistano e outros.

No entanto, mesmo posteriormente, com o funcionamento de outras Faculdades, especialmente Engenharia e Medicina, os estudantes de Direito continuaram a reinar absolutos em uma cidade que os havia incorporado em seu patrimônio social, cultural e político.

São Paulo carecia de bibliotecas e de livrarias. O maior acervo estava na Faculdade de Direito, constituído majoritariamente por obras de teologia, menos de Direito e poucas de literatura. A falta de livros atingia as escolas primárias e secundárias. Segundo registro dos anos trinta e quarenta do século XIX, tal deficiência era suprida por cartões que reproduziam trechos das sagradas escrituras.

A criação das primeiras tipografias possibilitou o início da imprensa na cidade. Jornais como "O Farol Paulistano"; "O Constitucional"; "O Correio Paulistano", assim como outras pequenas publicações sempre contaram com a colaboração de acadêmicos.

Já por volta da década de 1860, eram inúmeras as publicações literárias e políticas redigidas por estudantes de Direito: Esboços Literários; Memórias do Culto à Ciência; Revista Dramática; Murmúrios Juvenis do Amor à Ciência; O Lírio; A Legenda; O Caleidoscópio; O Acadêmico, entre outras. Algumas dessas publicações eram manuscritas e outras eram impressas nas tipografias já existentes na cidade.

Interessante notar que para suprir a falta de livros de ensino as tipografias foram de grande utilidade. Além da impressão de jornais e publicações variadas, elas foram responsáveis pela impressão de alguns manuais, especialmente de história. Assim, em uma tipografia existente na hoje extinta rua de São Gonçalo, foi impresso o livro "Resumo de História Universal". Júlio Frank idealizador da Bucha teria sido o responsável por tal publicação.

As livrarias igualmente eram escassas. Uma das maiores e mais bem surtidas era a Garraux. Tornou-se um centro de confluência de professores e de estudantes. Além da atração básica que eram os livros, os seus frequentadores estavam sempre prontos ao intercambio de ideias, às discussões políticas e à troca de experiências literárias.

Nessa época, meados do século 19, começaram a ser editados clássicos da literatura universal, assim como obras de autores nacionais, inclusive muitas escritas por acadêmicos ou antigos acadêmicos do Largo de São Francisco.

Entre os que se dedicaram às letras, ainda como estudantes nos primeiros dez ou vinte anos da Faculdade, tiveram destaque Antonio Joaquim Ribas, Firmino Rodrigues da Silva, Francisco Bernardino Ribeiro e Francisco Otaviano. Posteriormente, a Faculdade veio a produzir nomes que se consagrariam na poesia e na prosa: José de Alencar; João Cardoso de Menezes; Almeida Rosa; Bernardo Guimarães; Alvares de Azevedo; Fagundes Varela e Castro Alves; Vicente de Carvalho e tantos outros.

Contribuíram para o avanço das letras naqueles tempos as sociedades literárias e científicas então criadas. A primeira delas foi a Sociedade Filomática, fundada em 1833, pelo acadêmico Bernardino Ribeiro e pelos professores Carlos Carneiro de Campos, José Joaquim Torres e Tomaz Cerqueira.

A Filomática foi seguida pelo Ateneu Paulistano, pela Associação Amor à Ciência, pela Arcádia Paulistana, pela Culto à Ciência, pelo Recreio Instrutivo, dentre outras agremiações. Há quem considere tais associações como embriões do Centro Acadêmico 11 de agosto.

A literatura, em prosa e verso, a beleza da palavra falada e a música sempre estiveram presentes na história da Faculdade. O culto à estética e ao belo nunca se apartaram do culto ao direito e a Academia, do seu início até os nossos dias, abrigou juristas e poetas, advogados e musicistas, juízes e literatos.

Eram prestigiados tanto os estudiosos, quanto aqueles que se destacavam nas artes. Dizem que esses eram até protegidos em homenagem aos seus dotes. Segundo um autor, Castro Alves, por vezes, foi aprovado pela beleza de seus versos, pois alguns de seus exames eram de duvidoso mérito.