COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Meio de campo >
  4. Vai, Brasil!

Vai, Brasil!

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Atualizado às 08:20

Eduardo Galeano costumava fechar por motivo de futebol. O fechamento ocorria durante Copas do mundo. Nesses períodos, sua atenção era exclusiva ao jogo de bola. A declaração contrasta com o inexplicável dilema que envolve o futebol e a intelectualidade.

O autor uruguaio tratou disso em vários textos, com olhar insuspeito. Comentava sem paixão as posições de esquerda ou de direita, e fugia da tentação de emitir julgamentos. Portava-se, pois, como um narrador, não como juiz.

Sobre Borges - o intelectual que mais brilhantemente desprezou o futebol - dizia que sua aversão decorria do fato de ser uma paixão de massas, e ele destetava as paixões populares, que produziam aglomerações e multiplicações. A imagem é realmente pertinente. Mais do que isso: revela a força (ou a magia) do futebol, pois é disso mesmo do que se trata.

Borges entendia do que discorria e seu desprezo era racional, consciente; ao contrário da figura generalizada do intelectual de esquerda, construída por Galeano, que tende a negar os sentimentos de que não é capaz de compartilhar ou experimentar.

Daí, para a fácil imputação das mazelas sociais à devoção esportiva, não leva mais do que um passo: assim não justificaria a sua introdução nas fábricas para alienar a massa trabalhadora, seu uso por governos totalitários com o propósito de afirmar sentimentos nacionalistas, e, nos dias atuais, sobretudo no Brasil, a associação a movimentos políticos elitistas.

Esse embate é responsável por um modelo perdedor: perdem todos, perdemos todos. Em tempos de Copa do mundo, a seleção brasileira é o principal reflexo da perda.

Aliás, o Brasil talvez protagonize o mais inexplicável caso de auto-rejeição da história contemporânea: sim, o mundo admira o seu futebol - será que a admiração realmente perdura? - e não poupa esforços para, a um só tempo, imitá-lo e domá-lo - e, de algum modo, destruí-lo.

Esse processo está em cursos há anos, ou décadas, e se encontra em estágio avançado. Atinge não apenas o país, como a maioria dos países periféricos, que se tornaram exportadores de commodities.

No nosso caso, as tensões políticas dos últimos anos intensificaram o distanciamento. A apropriação da camisa da seleção, como forma de manifestação de opinião, reforçou aqueles velhos dogmas justificadores da aversão. A tese estaria, pois, confirmada. Com isso, a demonização é necessária.

O equívoco é brutal.

A inversão é incompreensível.

O futebol não é o problema. Como disse Galeano, "não é culpa do futebol que só no futebol essa 'garra' ofereça, ou tenha oferecido, resultados concretos, da mesma forma que não é culpa do futebol que tenha sido por causa do futebol que o Uruguai adquiriu certa relevância internacional".

O problema é a incompreensão: de que o futebol é, no Brasil, o mais poderoso instrumento de integração, e, ao mesmo tempo, de desenvolvimento social e econômico.

Por isso não consigo entender o desprezo de governantes e políticos ao tema; também não consigo compreender porque, pessoas supostamente intelectualizadas - ou elitistas -, sentem prazer em desprezar o futebol.

Talvez seja verdade que o Brasil não tenha levado para Rússia um time nacional, mas, sim, um aglomerado de jogadores sem identidade com a população, com as torcidas locais, e sem grandes preocupações políticas.

Também é verdade que são raros os jogadores que se associam a uma causa brasileira, mesmo que ela seja a melhoria das condições de trabalho da classe jogadora ou a arquitetura de planos de apoio a ex-jogadores. A falta de respaldo ao Bom Senso, movimento vanguardista que sugeriu uma agenda propositiva, ilustra essa narrativa.

Mas, o que vemos aí, são sintomas; as causas são mais profundas e não justificam a referência ao futebol com um gesto de desgosto, asco ou indignação.

Ao contrário, talvez comecemos a entender as raízes de nossos problemas quando passarmos a gritar, sem vergonha na cara, vai, Brasil!