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Salve o tricolor paulista

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Atualizado às 08:02

O São Paulo Futebol Clube (SPFC), maior campeão de competições internacionais do país, enfim, quebrou longo jejum e conquistou o Campeonato Paulista de 2021. O título, que no passado recente seria relativamente menosprezado, foi recepcionado, nas palavras de diretores e jogadores, como uma "copa do mundo".

Não é momento para menosprezo. Ao contrário. Deve-se celebrar a conquista.

Vale lembrar que Corinthians, em 1977, e Palmeiras, em 1993, também reencontraram a glória, após 23 e 17 anos, respectivamente, com o mesmo título que, hoje, é são-paulino.

Talvez se afirme que, naquelas épocas, era um feito importante. Com certeza mais do que atualmente. Mas alguma importância ainda tem.

Daí o plano da atual diretoria de, mesmo sabendo de que se trata de um êxito efêmero, realizar uma aposta de curtíssimo prazo. E nisso foi bem-sucedida. Alcançou a meta.

Para alcançá-la, fez movimentos acertados: contratou um realmente muito promissor comando técnico (Hernán Crespo exala, olhando de fora, confiança, sobriedade, conhecimento e erudição) e novos jogadores que se encaixaram ao elenco montado por Raí (nele incluídos o fundamental Daniel Alves e o sempre enérgico e decisivo Luciano), em especial o formidável zagueiro e capitão, Miranda.

O resultado foi merecido, pois.

E agora?

Essa é a pergunta que se deve fazer porque, como bem sabe a Diretoria, presidida por Julio Casares - que ganhou algum tempo para reprogramação dos próximos passos -, a situação ainda é dificílima.

Eis o ponto: pouco mudará, financeira ou estruturalmente, por conta do título estadual - além do nível de felicidade ou de aliviamento da torcida e dos próprios jogadores, que afastaram o peso de insatisfações acumuladas após quase dez anos de jejum de taças.

Mais do que isso: a estrutura associativa ainda é um impeditivo para que o SPFC se financie adequadamente; e o sistema político uma prisão que há muito cobra seu preço - e reduz a sua importância.

Não se trata de afirmação aleatória. O relatório da EY evidencia que, em vários referenciais, o clube já se planta em um nível intermediário no cenário nacional.

Listam-se alguns exemplos. Entre 23 clubes analisados, o SPFC obteve apenas (i) a sexta maior receita geral (R$ 365 milhões), (ii) a sexta maior receita recorrente (R$ 213 milhões), (iii) a quinta maior receita proveniente de direitos de transmissão e premiação (R$ 127 milhões), (iv) a quinta maior receita oriunda de transferência de jogadores (R$ 151 milhões), (v) a décima maior receita produzida no matchday (R$ 18 milhões) e a (vi) a sexta maior receita comercial (R$ 34 milhões).

As referências medianas não param por aí: no acumulado de 5 anos (2016/2020), a receita geral também ficou em quinto lugar (R$ 2.047 bilhões), atrás de Flamengo, Palmeiras, Corinthians e Grêmio.

E as negativas são igualmente preocupantes: o SPFC ostenta o nono maior endividamento líquido (R$ 575 milhões) e obteve o quarto pior resultado do exercício (prejuízo de R$ 130 milhões).

Sob outro ângulo, como fará para competir, nos planos nacional e sul-americano,  com Flamengo, que obteve, em 5 anos, receita de R$ 3.321 bilhões (R$ 1.274 bilhão a mais), ou mesmo com o Palmeiras, que acumulou R$ 2.836 (R$ 789 milhões a mais)?

Ou para competir contra times europeus, que, num passado já não tão recente, se dobraram diante do próprio SPFC (nada mais, nada menos do que Barcelona e Real Madrid, em 1992, Milan, em 1993, e Liverpool, em 2005)?

Essa comparação, apesar de menos técnica, também serve, de algum modo, para ilustrar o retrocesso: sobretudo nos 1990, times brasileiros, em especial o SPFC, podiam, apesar de menos abastados financeiramente, enfrentar e superar os principais times do planeta. O hiato não era tão expressivo.

Dentre os motivos que criaram a desigualdade, o principal foi o reconhecimento da natureza empresarial da atividade futebolística e a consequente adoção de regimes jurídicos aptos à criação de oportunidades para financiamento da empresa do futebol. Não se trata, pois, de coincidência o fato de apenas dois dentre todos os maiores times da atualidade - Real Madrid e Barcelona, ambos em crise, aliás - manterem a natureza associativa.  

A insistência no modelo engendrado no século retrasado, que acomodou interesses puramente amadores e recreativos, apesar de legítimo do ponto de vista jurídico, tornou-se imprestável para o enfrentamento da realidade local e global.

A sua manutenção, nos tempos atuais, sobretudo pelos clubes que, com menor ou maior intensidade, poderiam acessar vias modernas de financiamento e de organização administrativa e societária, assemelha-se à utilização da Estrada Velha de Santos como via de acesso ao litoral paulista, em detrimento da moderna pista descendente da Rodovia dos Imigrantes. 

E para que o São Paulo volte a ser grande, deve almejar mais, muito mais do que a própria limitação da estrada física: haverá de saltar num avião e alçar voos ambiciosos.

Novamente: a Diretoria tricolor fixou um objetivo de curtíssimo prazo e o alcançou. Por isso, os efeitos do título terão a mesma validade: prazo curto.

Mas pode ter oferecido a oportunidade de iniciação da necessária reforma que recolocará o time na vanguarda (como, aliás, sempre esteve, até que seus dirigentes se embriagaram, como o personagem de Oscar Wilde, Dorian Gray, com a ilusão da própria soberania): a passagem ao modelo societário como meio de organização e controle da empresa do futebol.

Julio Casares - que é, sem dúvida, um profissional inteligente e preparado - sabe disso. Resta saber se terá vontade de fazer o que deve (e sabe que deve) fazer.

E, assim, salvar - estruturalmente - o Tricolor Paulista.