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Porandubas nº 631

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Atualizado às 08:11

Abro a coluna com a sagacidade mineira.

Quer ir à lua? Meu apoio

Um correligionário da raposa mineira José Maria Alkmin fica meio "lelé da cuca" e surge, sem eira nem beira, no gabinete do ministro, ainda no Rio de Janeiro. Vai pedir inusitada colaboração.

- Dr. Zé Maria, eu quero ir à lua e preciso da ajuda do senhor, diz o visitante.

- Isto não é problema, diz Alkmin, dando asas à imaginação do conterrâneo. Dou-lhe o apoio, de ministro e correligionário. Existe um pequeno e contornável problema, que é de definição, e só depende do amigo.

E Alkmin continua:

- Você sabe que há quatro luas: nova, crescente, minguante e cheia. Agora, compete a você escolher qual das luas o nobre amigo deseja visitar, pois o apoio está dado.

Diante de um atônito conterrâneo, o ministro levanta-se da poltrona, estende a mão para a despedida e afirma, olhando no fundo dos olhos do eleitor:

- Me procure, novamente, quando definir!

Mês do cachorro louco

Primeira semana de agosto, visto como problemático, também conhecido como "mês do cachorro louco". Getúlio suicidou-se, em 1954, Jânio renunciou em 1961, Juscelino morreu num acidente na via Dutra, em 1976, Collor pediu ao povo para sair às ruas com as cores da bandeira, Eduardo Campos morreu em acidente aéreo em Santos. Tudo em agosto. Também em agosto setores radicais tentaram impedir a posse de Jango. Agosto é um mês de receios. Com o término do recesso, teremos a votação do segundo turno da reforma da Previdência. O esforço é para aprová-la ainda esta semana, com votação de medida para sustar as oito sessões necessárias para que possa ser colocada em plenário. Depois teremos o início do debate sobre ela no Senado. Mas os congressistas voltam a Brasília desconfiados da figura do presidente.

Medindo distância

Nas últimas semanas, o destempero presidencial subiu ao pico da montanha. Os deputados e senadores começam a criar uma linha divisória entre eles e o capitão, que garantiu não mudar de índole, logo, o verbo ácido deve se expandir. Os congressistas tomarão alguma decisão drástica, como maior desidratação da reforma da Previdência? Não. Darão ainda apoio ao governo, porque veem a caneta do presidente cheia de tinta. E ele parece ser duro nas posições. Não cederá às ameaças. Mas algum recado será dado. Há nomes para serem indicados para o COAF e agências reguladoras. Há demandas de policiais na Previdência. Questões que os líderes do governo não conseguem resolver.

Maia e Alcolumbre

A chave do grande portão está com Rodrigo Maia. As coisas só passam pelo crivo da Câmara sob sua égide. A seguir, será a vez de Alcolumbre, no Senado, que deve ter demandas, inclusive na indicação de nomes para órgãos governamentais. Ele já sinalizou ao presidente na direção do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Bolsonaro estaria propenso a afagar o presidente do Senado. Na verdade, quem deve dar as coordenadas no tocante aos próximos passos é o ministro Paulo Guedes, o maestro da orquestra econômica. Ele e os dois presidentes do Legislativo estão acertando os passos. E se esforçam para que as pautas não sejam contaminadas pela expressão tosca e radical do presidente. Torcem para que ele se mantenha a verborragia na área dos costumes, não em matéria econômica.

A imagem do Brasil I

Nos últimos tempos, a imagem do Brasil no mundo desceu alguns andares do edifício da respeitabilidade. O gesto de escanteio de Bolsonaro ao chanceler francês, possivelmente por este ter se reunido com ONGs ambientalistas, repercutiu no mundo. E até ganhou um chiste do próprio ministro francês: "deve ter havido alguma emergência capilar. Eu não tenho esse problema".

A imagem do Brasil II

No horário que deveria receber o chanceler careca (sem problema capilar), Bolsonaro preferiu cortar o cabelo. No meio da tarde. Os dados do INPE e a demissão de seu diretor contribuíram para um bombardeio midiático mundial contra o Brasil. O "Brasil pode salvar ou destruir a Amazônia", escreveu a revista The Economist em reportagem de capa. Que completou: "o mundo deveria deixar claro que não tolerará seu vandalismo". É fato: o presidente que se vê e se ouve é o mesmo de ontem, como deputado Federal. Como ele diz, não mudou.

Alinhamento incondicional

O alinhamento incondicional - como parece - do Brasil aos EUA está sendo observado com muita acuidade pelos governos europeus, a partir do governo francês, que ameaça parar o processo em torno do acordo entre os países do Mercosul e a UE. A desfeita com o chanceler foi a gota d'água. Não se descarta a possibilidade de países europeus fecharem as portas ao mercado brasileiro de carnes e aves sob o argumento de que os rebanhos são criados em áreas devastadas do país. No contraponto, Trump promete incrementar o acordo comercial com o Brasil. Urge esperar para saber qual será a contrapartida. O Brasil, convém lembrar, poderia se beneficiar da restrição ao mercado chinês, com as sobretarifas que o presidente norte-americano está impondo a um grande número de produtos chineses. O cálculo tarifário chega a US$ 300 bilhões.

Governos nordestinos

O Nordeste tem mais de 50 milhões de habitantes e cerca de 40 milhões de eleitores. E é ainda a região com maiores índices de pobreza. É governada por seis mandatários de partidos de oposição: quatro do PT (Bahia, Ceará, Piauí e RN), dois do PSB (Paraíba e Pernambuco), enquanto o governador de AL, Renan Filho, mesmo sendo do MDB, se posta na posição do pai, Renan Calheiros, ou seja, com forte restrição ao presidente. Os governadores acabam de formar o "Consórcio Nordeste: o Brasil que cresce unido", forma de retrucar o presidente, que teria se referido a eles como "governadores paraíba". O fato é que o NE pode expandir o oposicionismo ao governo do capitão se a economia não melhorar o bolso da população. P.S. O presidente acusa a maioria dos governadores do NE de torcer pelo divisionismo.

O Judiciário na mira

A imagem do Poder Judiciário já esteve no alto da montanha, nos tempos em que o bordão era repetido em todos os quadrantes: "juiz só fala nos autos". Mas a Constituição de 88 abriu o universo da locução: o país ganhou expressões de praticamente todos os setores. E o juiz passou a falar dentro e fora dos autos. A partir da instância máxima, o Supremo Tribunal Federal. Ademais, essa expressão passou a ser rotineira na esteira da visibilidade ganha pelas Cortes com a TV Justiça. O país entrou em ebulição política.

O vácuo e a judicialização

O STF abriu espaço com forte inserção no campo da política, sob o argumento de que temas polêmicos lá chegavam em demandas feitas por partidos e outras instituições. No vácuo criado pela ausência de legislação infraconstitucional, o STF passou a preenchê-lo. Formou-se a ideia de "judicialização da política". Do pico da montanha, a imagem do Judiciário desceu muitos níveis, abrindo intensa polêmica.

Jogo combinado?

Nos últimos tempos, as manifestações dos agentes da operação do Direito - juízes, procuradores, promotores, advogados - se intensificaram. Não há um dia sequer que a imprensa não registre uma declaração de um operador do Direito. E as tensões se expandiram com a operação Lava Jato, particularmente a partir das interlocuções gravadas por hackers entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dellagnol. Manifestações que ganharam apoio ou repulsa por parte de autoridades das frentes institucionais. No fundo, a suspeição: teria ocorrido um jogo combinado entre juiz e procurador. A imagem do Judiciário recebeu respingos de lama.

Visão política

Ademais, recai sobre alguns membros da Corte maior a suspeição de que fazem parte de grupos simpatizantes a partidos ou suas lideranças. Portanto, certos julgamentos estariam marcados com o selo político. E essa suspeição também contribui para o rebaixamento da imagem das Cortes. O fato é que o Brasil político, que ganha densidade a partir de 88, puxa a imagem do Judiciário para baixo.

A proibição

É fato. A Lei Orgânica da Magistratura diz que ao magistrado é vedado "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais", art. 36, III. Já a CF de 88 veda ao magistrado "dedicar-se à atividade político-partidária", art. 95, parágrafo único, inciso III". Ou seja, o julgador deve desvincular-se dessa atividade, porque pode atrapalhar sua função principal, além de diminuir seu conceito junto ao jurisdicionado.

Mas...E a cidadania?

Mas o velho Aristóteles ensinava que o cidadão tem o dever de exercer seu direito de servir à polis. Como cidadão, tem mais que direitos. Tem o dever de fazer o bem à sociedade em que vive. Portanto, nessa lição embute-se sua condição de se manifestar como cidadão sobre assuntos de relevância social. O cuidado é para evitar que se pronuncie sobre temas que estão a esperar por uma decisão sua.

O Legislativo

O Poder Legislativo, por sua vez, acresce alguns pontinhos em sua imagem. Os políticos estão no fundo de poço em matéria de imagem. Nos últimos tempos, porém, levados a decidir sobre temas de vital importância, alguns originados no Executivo, passaram a decidir de modo mais independente. Começam a resgatar as funções legislativas e a mudar a imagem de Poder que apenas convalida as matérias vindas do Palácio do Planalto. Rodrigo Maia tem sido condutor dessa nova jornada do Legislativo.

Classes médias

De Rakesh Kochhar, pesquisador sênior do Pew Research Center, em Washington: "Os países asiáticos, sobretudo a China, estão tirando rapidamente milhões de pessoas da pobreza extrema e, ao contrário do que ocorre no Ocidente, têm ampliado suas classes médias. Quais as perspectivas futuras desse processo? Consideramos a distribuição das pessoas em cinco grupos. Começamos no nível de pobreza e vamos para os grupos de baixa renda, renda média, renda média alta e renda alta. A renda média engloba pessoas que ganham entre US$ 10 a US$ 20 ao dia. Globalmente, o número de pessoas com essa faixa de rendimentos médios dobrou a partir de 2000. Grande parte desse crescimento veio apenas da China, responsável por mais da metade desse aumento".

No Brasil

Brasil é o segundo pior em mobilidade social em ranking de 30 países. Nos países que fazem parte da OCDE, mais de um em cada cinco lares de classe média gasta mais do que ganha, o que gera um risco altíssimo de endividamento excessivo. Esse nível varia de 10% em países como a Estônia e a Polônia a mais de 50% no Chile e na Grécia. No Brasil, o índice chega a 27 % dos lares de classe média. Quase 40% dos lares de classe média em 18 países europeus da OCDE estão financeiramente vulneráveis - índice que varia de 12% na Noruega a 70% na Grécia. E metade dos lares nesses países tem dificuldade em pagar suas despesas recorrentes.

Razões

O economista Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV, explica que há mais um fator-chave para esse endividamento, especialmente no Brasil. "Com mais dificuldade de acesso a renda, as pessoas acabam recorrendo ao mercado de crédito. E quando deixam de pagar, a inadimplência aumenta o endividamento. Muitos lares acabam comprometendo uma parcela significativa da renda para pagar juros." Isso acaba tendo um efeito de desaceleração do consumo e da economia, o que faz com que a renda cresça menos ainda e gera um círculo vicioso.

Pedra no meio da lagoa

As classes médias podem ser comparadas à pedra jogada no meio da lagoa, formando marolas que, em círculos concêntricos, correm até as margens. Classes médias raivosas e com perda de poder financeiro influenciam as margens. E lideram o índice de satisfação/insatisfação. Ameaça aos governantes. Se a economia melhorar, as classes médias formarão ondas de satisfação, que correrão para baixo e para cima da pirâmide.