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A Portaria ME 260/2020 e o Voto de Qualidade no CARF - A Literalidade Oportunista

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Atualizado às 14:05

Confesso aos leitores que pretendia mudar de assunto, mas, novamente, o poder legiferante estatal me impediu. Sendo assim, tratamos aqui de norma administrativa relacionada ao já conhecido art. 19-E da Lei 10.522/02, incluído pela Lei 13.988/20, nos seguintes termos:

"Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte" (grifei).

Como expus anteriormente, a mudança legislativa não era imprevisível, tendo em vista o recrudescimento das instâncias administrativas. A novidade, agora, é a tentativa, pela via hermenêutica, de reduzir seu alcance. Adianto que a breve portaria, inacreditavelmente, prevê regras absolutamente incongruentes e, data venia, vergonhosas.

De saída, em previsão assustadora, a portaria afirma que a eventual vantagem do voto de qualidade favorável ao contribuinte não se aplica ao responsável (art. 3º, I, "b"). A premissa seria a figura exclusiva do "contribuinte" ao final do art. 19-E. Nesse ponto, o apego à literalidade foi tão passional que não se observou a evidente incongruência com a parte inicial do artigo, ao tratar da "exigência do crédito tributário".

Gostaria de entender como poderia uma decisão administrativa reconhecer um crédito tributário como inexistente, ou melhor, extinto na forma do art. 156, IX do CTN, e ser, ainda, passível de cobrança do eventual responsável tributário. O preceito estampado no art. 3º, § 1º da referida portaria tenta superar a incongruência, mas, novamente, só mostra a explícita tentativa de limitar o alcance legislativo e deixar campo aberto para a criatividade interpretativa na manutenção do crédito.

Ademais, a tentativa da portaria em limitar a benesse legislativa somente ao "crédito tributário", pelo que se tem notícia, parece delimitar a aplicação da nova regra do voto de qualidade a somente a exigência do tributo, deixando de lado autuações relacionadas a consectários legais (juros e multa), além de obrigações acessórias.

O referido entendimento é igualmente precário, pois, como qualquer estudante de direito tem conhecimento, o crédito tributário abarca todas as obrigações de dar (ou, como imperfeitamente chamadas, de "pagar"), o que inclui juros moratórios e eventuais penalidades pela ausência de recolhimento ou mesmo inadimplemento de obrigações acessórias. Ao final, tudo terá como propósito final alguma forma de crédito tributário. Não faz sentido afirmar, por exemplo, que penas de índole não-tributária, como a de perdimento, não sejam alcançadas, uma vez reconhecida a competência do CARF em tais matérias. Um simplório raciocínio a fortiori resolve nosso problema.

Enfim, ainda que consigamos encontrar situações hipotéticas nas quais o bizarro discriminem desejado pela portaria seja possível - e alguns colegas com quem conversei já se esforçaram para apresentar alguns - é evidente a tentativa de limitar o alcance legislativo, na já tradicional quebra de braço entre o legislador ordinário, o qual tem produzido normas fiscais mais benevolentes em diversos setores, e o Poder Executivo, que busca, pela via "interpretativa", limitar ou mesmo impedir a obtenção das vantagens.

Como já escrevi muitas vezes, críticas sobre eventuais benesses legislativas, especialmente quando possam, eventualmente, produzir privilégios e iniquidades, podem e devem ser questionadas pelas pessoas legitimadas e no fórum competente - o Poder Judiciário. Com o tamanho apego à literalidade legislativa no presente tema, não deixa de ser curioso como poderá o próprio fisco federal adotar clássicas máximas de desconsideração de planejamentos fiscais, como a prevalência da "essência sobre a forma". Ser literal somente quando interessa, pode ser a nova máxima.