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O novo Código e as garantias

Márcia José Andrade

Muito se fala sobre as alterações no novo Código Civil. É preciso reconhecer, entretanto, que a maioria delas consistiu na incorporação à codificação, das decisões, jurisprudências e orientações doutrinárias, e até mesmo disposições de leis isoladas.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2003

Atualizado em 1 de abril de 2003 11:49

 

O novo Código e as garantias

Márcia José Andrade*

Muito se fala sobre as alterações no novo Código Civil. É preciso reconhecer, entretanto, que a maioria delas consistiu na incorporação à codificação, das decisões, jurisprudências e orientações doutrinárias, e até mesmo disposições de leis isoladas. As modificações foram reflexos das mudanças do comportamento social e do desenvolvimento econômico e tecnológico.

Com relação às garantias, não foi diferente. Apenas algumas das alterações significaram de fato inovação.

Tanto no antigo quanto no novo Código, no negócio jurídico, gênero do qual a garantia é espécie, é preciso que estejam presentes os requisitos positivos de validade e ausentes os negativos. Sabemos que a capacidade das partes, a licitude do objeto e a forma prescrita ou não proibida em lei, são requisitos positivos comuns a ambas as normas. Neste sentido a novidade ficou por conta de ter a nova lei acrescentado ao objeto a condição de dever ser "possível, determinado ou determinável".

O objeto deve ser possível jurídica e fisicamente. Deve também ser determinado ou suscetível de determinação, pelas suas características essenciais, espécie, gênero e quantidade. O requisito se aplica à coisa nas obrigações de dar (compra, venda, locação, por exemplo) e ao serviço ou prestação na obrigação de fazer (assistência técnica reparatória, por exemplo). Nos requisitos negativos, as novidades são mais substanciais. Foram acrescentados dois novos conceitos: "estado de perigo" e "lesão" .

O primeiro torna nulo qualquer negócio jurídico no qual uma parte tenha assumido obrigação diante do temor de grave dano moral ou material à própria pessoa ou alguém de sua família. O segundo é o que anula o ato pela desigualdade de uma das contratantes, levando-o a assumir obrigação desproporcional à da outra parte. Para que haja esse vício é preciso que a parte prejudicada esteja em situação de premente necessidade ou possa se qualificar como "inexperiente".

O Código Civil não trouxe novidades às espécies de garantias, mas aumentou o rol de bens sobre os quais elas recaem. No novo Código, como no anterior, estão presentes as garantias reais representadas pela hipoteca, penhor e anticrese.

A hipoteca é um direito real conferido pelo devedor ao credor e recai sobre bens imóveis. Este conceito foi mantido pelo novo Código, sendo introduzida a possibilidade de as aeronaves serem objeto de tal garantia.

O Código Civil de 1916 estabelecia algumas restrições quanto à garantia real oferecida pelo condômino. Era possível dar em hipoteca apenas o bem que fosse divisível, não sendo permitida a hipoteca do bem indivisível. O novo Código ouviu a jurisprudência e passou a permitir, que o condômino dê em garantia a sua parte ideal. É importante salientar que a constituição da hipoteca depende de dois requisitos essenciais: (1) a possibilidade de se especificar o bem dado em garantia e a dívida que ele está garantindo; e, (2) a publicidade do ato que é obtida com o registro do instrumento no cartório de Registro de Imóveis. Portanto, sendo possível a especificação da parte ideal, é possível dá-la em garantia.

Outra modificação diz respeito à prioridade no pagamento de dívidas que, em virtude de leis específicas, devam ser pagas antes de outros créditos . Aqui o legislador trouxe para dentro do Código Civil normas já adotadas em virtude de leis especiais como a trabalhista, tributária, previdenciária e ambiental.

Outras alterações no instituto da hipoteca dizem respeito aos mecanismos e hipóteses de sua constituição, substituição e reforço, e à execução dessa garantia. Dentre elas destaca-se o dispositivo que estabelece a nulidade da cláusula contratual que proíbe a alienação de imóvel hipotecado. Portanto, o Código passa a permitir ao devedor a alienação, desde que transfira ao adquirente o ônus que grava o bem. Neste caso há a possibilidade de se convencionar que a alienação do bem sem o consentimento do credor ensejará o vencimento da totalidade do crédito hipotecado.

Outra garantia real é o penhor, um direito real de garantia que recai normalmente sobre coisas móveis, as quais devem ser entregues ao credor por ocasião do contrato. A especificação do bem é um requisito específico dessa garantia. Outro é o da publicidade. Esta pode se dar com a entrega do bem ou com o registro do contrato em cartório.

O credor pignoratício permanecerá, regra geral, na posse da coisa empenhada, na condição de depositário, e como tal responderá perante o devedor. O credor poderá reter a coisa empenhada até se ressarcir das despesas feitas com a manutenção do bem e dos prejuízos que tenha tido por força de seus defeitos.

Havendo risco de deterioração da coisa empenhada o credor poderá promover a vendas antecipada dos frutos, podendo, entretanto, o devedor, substituir a coisa deteriorada ou oferecer outra garantia. Está regra foi acrescentada pelo novo Código.

O Código antigo já relacionava os mecanismos de extinção do penhor, adotados pelo novo Código, que passou a condicionar os seus efeitos à averbação do cancelamento no registro do penhor mediante a prova da extinção.

Outras alterações no instituto do penhor: (1) A possibilidade de o devedor requerer a alienação de uma das coisas empenhadas para o pagamento integral da dívida; (2) a supressão da palavra "mercadoria" na relação de bens passíveis de penhor, ensejando o entendimento de que não é mais possível a instituição de penhor mercantil sobre estoques; (3) a possibilidade de alienar bem empenhado somente com o consentimento do credor; (4) a necessidade de efetuar o penhor de direito e títulos de crédito, através de instrumento público ou particular ou por endosso, devendo, neste último caso, proceder-se à transferência do título; (5) possibilidade de dar em penhor veículos empregados em qualquer espécie de transporte ou condução, ampliando assim o rol das garantias reais, e oferecendo uma opção à alienação fiduciária e à venda com reserva de domínio.

E, por fim, as alterações introduzidas no instituto da anticrese, que é um direito real de garantia através do qual é transferida ao credor a posse de um imóvel para que ele o explore e pague-se com os frutos da exploração.

A anticrese tem pequena utilização e esperava-se até mesmo que, com o advento do novo código, ela desaparecesse. Mas não foi o que aconteceu. O novo Código manteve-a e acrescentou outros conceitos como: (1) Possibilidade de o credor arrendar o imóvel para ser explorado por terceiros; (2) Possibilidade de o devedor transformar a anticrese em arrendamento, quando ele não concordar com a prestação de contas que o credor é obrigado a fazer-lhe; (3) Possibilidade do adquirente do bem gravado em anticrese, fazer remição da dívida antes do seu vencimento e imitir-se na posse do imóvel.

Embora não tenha inovado muito o direito material, o novo Código trouxe melhorias importantes para as garantias, que permitirão certamente uma utilização mais racional e mais ampla pelos agentes econômicos. Outras inovações e melhorias serão necessárias. A aplicação dos novos dispositivos aos fatos da moderna economia globalizada certamente levará os operadores do direito a identificá-las, esperando-se que a partir daí os legisladores possam fazer a sua parte.

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*advogada, sócia-presidente da Diretoria Executiva do escritório Manhães Moreira Advogados Associados

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