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O parcelamento do débito fiscal e a denúncia espontânea

Daniel Ribeiro Silva

Nos casos de denúncia espontânea, acompanhada do pagamento integral do tributo e dos juros de mora, são unânimes, tanto a doutrina como a jurisprudência, em entender que inexiste a incidência da multa de mora.

segunda-feira, 4 de abril de 2005

Atualizado em 1 de abril de 2005 14:58

O parcelamento do débito fiscal e a denúncia espontânea


Daniel Ribeiro Silva*

Nos casos de denúncia espontânea, acompanhada do pagamento integral do tributo e dos juros de mora, são unânimes, tanto a doutrina como a jurisprudência, em entender que inexiste a incidência da multa de mora. O mesmo não ocorre nos casos em que o contribuinte solicita o parcelamento do débito. Essa corrente contrária entende que a denúncia espontânea apenas resta configurada quando do pagamento integral do tributo devido.

Para os defensores dessa corrente, comunicar sem antes recolher não constitui causa excludente de responsabilidade, o mesmo ocorrendo com a simples confissão de dívida, acompanhada de singelo pedido de parcelamento que não se adeqüe aos ditames legais. Nesse caso, o fisco deverá efetuar o lançamento dos valores tributários com os acréscimos pertinentes (juros e multa de mora).

Segundo essa corrente, a responsabilidade apenas é excluída pela denúncia espontânea da infração quando acompanhada do pagamento integral do tributo devido e dos juros de mora ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração (CTN art. 138). A simples confissão de dívida, acompanhada do seu pedido de parcelamento, não configuram denúncia espontânea. Se não há pagamento ou depósito integrais, é caso de incidência da Súmula TFR nº 208, cujo enunciado reza que a simples confissão da dívida, acompanhada do seu pedido de parcelamento, não configuram denúncia espontânea.

A Súmula nº 208, do extinto Tribunal Federal de Recursos, frente às mais modernas decisões do Superior Tribunal de Justiça, encontra negada a sua vigência, vez que propugnam pela inexigibilidade de multa de mora com o pagamento da dívida, ou com seu parcelamento na forma da lei, desde que, é lógico, proveniente de denúncia espontânea.

Já demonstramos anteriormente o nosso posicionamento favorável à possibilidade de parcelamento do débito fiscal para configuração da denúncia espontânea. Podemos nos pautar em duas linhas interpretativas para fundamentar o nosso posicionamento.

A primeira linha de interpretação já foi anteriormente exposta no tópico referente aos pressupostos da denúncia espontânea. Refere-se à interpretação da expressão se for o caso contida no texto do art. 138 do CTN.

A interpretação do art. 138 do CTN prescreve que a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora ou do depósito da importância.

Ora, ao enunciar "se for o caso", o legislador complementar está prevendo expressamente a possibilidade de exclusão da responsabilidade, ainda que não haja, de imediato, o pagamento integral do crédito.

Tal dispositivo tem sido alvo de intensa atividade interpretativa, doutrinária e jurisprudencial, todas elas uníssonas em um ponto, qual seja, o da inaplicabilidade de qualquer forma ou nominação de multa, quando da efetivação da denúncia espontânea e pagamento do tributo devido - ou parcelamento deste, já que a expressão contida na lei - "se for o caso" - afasta a multa no caso de parcelamento.

O parcelamento, também chamado de moratória e previsto no art. 152 do CTN, é um favor fiscal suspensivo da exigibilidade da obrigação tributária concedido pelo sujeito ativo da mesma obrigação, com autorização legislativa para tanto.

É certo que o parcelamento representa início de pagamento e a norma complementar não exige que este seja imediato ou integral para que opere eficácia elisiva da responsabilidade própria da denúncia espontânea, conforme se depreende da inteligência do art. 138 do CTN.

Assim, sempre que o contribuinte, previamente a qualquer procedimento administrativo fiscal, denuncie espontaneamente seu débito e concomitantemente solicite a concessão de seu parcelamento, tem elidida, com tal atitude, a responsabilidade. Conseqüentemente, fica também afastada a incidência da multa, já que, a um, o parcelamento representa início de pagamento; a dois, a multa tem caráter meramente punitivo, pois, no cálculo elaborado pelo sujeito ativo para aferir o valor devido a ser parcelado, incidem, invariavelmente, juros compensatórios ou indenizatórios e atualização monetária do valor devido.

Neste diapasão, encontramos diversas decisões:

Tributário. COFINS. Denúncia espontânea. Parcelamento da Dívida. Multa. Art. 138 do CTN. Inexigibilidade. Na hipótese de denúncia espontânea, realizada formalmente com o devido recolhimento do tributo é inexigível a multa de mora incidente sobre o montante da dívida parcelada, por força do disposto no artigo 138 do CTN.Precedentes.Recurso provido, sem discrepância.(REsp n° 111.470/SC 1ª T do STJ, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, v.u., julgamento em 20.3.97, DJU 1 de 19.5.97, p. 20587).

Sem antecedente procedimento administrativo descabe a imposição da multa, mesmo pago o imposto após a denúncia espontânea (art. 138, CTN) Exigí-la, seria desconsiderar o voluntário saneamento da falta, malferindo o fim inspirador da denúncia espontânea e animando o contribuinte a permanecer na indesejada via da impossibilidade, comportamento prejudicial à arrecadação da receita tributária, principal objetivo da atividade fiscal. (RE. 9.421-PR)

Quem vai a juízo efetiva a mais espontânea e veemente das denúncias. Através da citação, o contribuinte está a dizer: "encontro-me em situação de aparente infração; não pagarei, contudo, o suposto débito, porque não o considero existente. Em tal situação, há denúncia, mas não se opera confissão.

O art. 138 não exige que a denúncia se faça acompanhar de confissão, nem de pagamento. Este, como diz o próprio texto, somente ocorrerá, "se for o caso".

A teor do art. 138, do CTN a denúncia espontânea afasta a responsabilidade pela sanção resultante do ilícito.

A multa moratória não traduz compensação pelo atraso no pagamento, ela tem como objetivo, punir o contribuinte desleal, que se esconde, para revelar-se apenas depois de flagrado em delito. Dou provimento ao recurso. (RE nº 121.459 - voto do Ministro Humberto Gomes de Barros)

No caso apreciado, a empresa denunciou a infração pela via judicial e depositou, em juízo, o valor que entende devido. Contra ela não tinha, ainda, sido iniciado qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

O fato do valor do depósito não ter sido fixado pela autoridade administrativa não descaracteriza, ao meu entendimento, a figura da denúncia espontânea. O núcleo da sua existência está a confissão do contribuinte de que é devedor e que está pagando. O depósito feito, após os trâmites legais da ação, será revertido em benefício do credor, bastando que concorde com o seu valor ou, em caso contrário, agite discussão para a sua fixação. Se a autoridade administrativa pode arbitrar o depósito da importância para posterior discussão, o mesmo direito deve ser assegurado ao contribuinte.

Em face do exposto, seguindo toda a linha de fundamentação desenvolvida no voto proferido pelo eminente Relator, dou, também, provimento ao recurso. É como voto. (RE nº 121.459/MG - voto do Ministro José Delgado)

TRIBUTÁRIO - DENÚNCIA ESPONTÂNEA - Parcelamento - Inexigibilidade da multa moratória

O pagamento não é condição para que se dispense a responsabilidade por infração tributária. O benefício outorgado pelo art. 138 do CTN incide, também, quando o contribuinte obtém o parcelamento do débito. Sem antecedente procedimento administrativo descabe a imposição de multa, mesmo pago o imposto, após a denúncia espontânea, sob a forma de parcelamento (STJ -- unân. da 1.a T., publ. em 6-4-98 -- REsp 138669-RS -- Min. Gomes de Barros -- Calçados Bebece Ltda. x INSS -- José Ricardo Ibias Schutz e Oscar José Tomasoni Monteiro de Barros).

Já a segunda linha interpretativa do dispositivo legal, dispõe que a expressão "se for o caso" refere-se tão somente ao alcance das infrações de índole formal. Desta forma, tratando-se de uma infração tributária material, isto é, decorrente do não-pagamento do tributo devido no prazo legalmente determinado, imprescindível que a denúncia espontânea seja acompanhada do respectivo pagamento do quantum devido e juros de mora, sob pena de sua não regular configuração.

Portanto, como já afirmado anteriormente, no que se refere ao pagamento em cota única da infração material autodenunciada, não discrepam doutrina e jurisprudência acerca da sua capacidade de elidir a responsabilidade pelo cometimento do ilícito.

Já relativamente ao parcelamento do débito fiscal, o preceito legal não contempla hipótese impeditiva de pagamento parcelado, não tendo condicionado o benefício instituído no art. 138 do CTN a uma forma específica de pagamento, pelo contrário, fala, apenas, em pagamento lato sensu, que pode ser concretizado em cota única, ou de forma parcelada. De fato, quando a lei quer, determina; quando não quer, guarda silêncio.

E na lição de Carlos Maximiliano (Maximiliano, 2001, p. 201):

Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-la a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas.

Em relação à aplicação da superada Súmula nº 208 do extinto TFR, já foi dito que se encontra inteiramente sepultada, como se depreende das decisões atuais do Superior Tribunal de Justiça.

De fato, o parcelamento representa início de pagamento e a norma indutora de conduta não exige que este se dê de forma integral para que se opere a eficácia elisiva e os benefícios a que tem direito o contribuinte que se autodenúncia espontaneamente.

E neste sentido lecionam Misabel Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho (Coelho e Derzi, 1997, p. 157):

Sim, os benefícios conferidos ao contribuinte que, antes do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização referente à infração, denuncia espontaneamente a existência do débito e o paga, são extensíveis ao caso de parcelamento de dívida fiscal. Isso porque, de início, o parcelamento é favor fiscal concedido livremente pelo legislador, não sendo razoável que venha agravar a situação daqueles a quem deveria beneficiar. Ao depois, porque o cumprimento do parcelamento representa o início do pagamento, e a lei não exige que este seja imediato ou integral para a eficácia da denúncia espontânea.

De fato, o parcelamento é um benefício concedido de forma livre pelo legislador, não sendo concebível que o venha a prejudicar a situação daqueles a quem deveria beneficiar. Não podemos admitir que um benefício fiscal acarrete prejuízo ao contribuinte, qual seja, o de impedir a denúncia espontânea.

Nos ensinamentos de Alexandre Macedo Tavares (Tavares, 2002, p.98):

Ora, se a legislação autoriza seja o pagamento realizado de forma diferida e, se a rigor do art. 138 do Código Tributário Nacional assiste o direito subjetivo à exclusão das respectivas penalidades, sempre que o contribuinte espontaneamente se dirigir à Fazenda Pública objetivando declarar o cometimento da infração e o voluntário abandono de seu propósito delitivo, não é crível que o mesmo venha a ser onerado com a perda desse benefício se, valendo-se de uma prerrogativa legalmente prevista, postule o pagamento parcelado.

Assim, o art. 138 do CTN, como regra jurídica indutora de conduta, deverá ser sempre orientada pelo estímulo ao cumprimento espontâneo das obrigações fiscais, não podendo fazer valer qualquer interpretação que restrinja sua finalidade.

Tendo sido alcançada a finalidade visada pelo legislador, não há porque afrontar o espírito da lei, ferindo direito público subjetivo do contribuinte.

E continua Alexandre Macedo Tavares em sua lição (Tavares, 2002, p. 99):

Assim, sempre que o contribuinte denunciar espontaneamente seu débito ao Fisco e se dispuser a efetivar o pagamento nas condições legalmente autorizadas, ou seja, parceladamente, elidida estará qualquer pretensão punitiva por parte da autoridade administrativa, sepultando-se, por conseguinte, qualquer pretensa cobrança de valores a título de multa moratória. A uma, porque o parcelamento representa início de pagamento. A duas, porque o art. 138 do CTN valeu-se genericamente do termo "pagamento", acobertando quaisquer de suas modalidades (à vista ou parcelado). E, a três, porque a multa moratória tem caráter nimiamente punitivo, já que no cálculo elaborado pelo sujeito ativo para aferir o valor do quantum a ser parcelado incidem, invariavelmente, os juros moratórios (de cunho indenizatório) e a atualização do valor devido.

Faz-se necessário trazer à tona discussão atinente à Lei Complementar nº 104/2001, que acrescentou o caput e § 1º ao novo art. 155-A, do CTN, trazendo a seguinte redação:

Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.

§ 1º - Salvo disposições em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas.

Para alguns, este dispositivo sepultou a possibilidade de se parcelar o débito na denúncia espontânea. Pensamos diferente.

De acordo com as prescrições normativas da Lei Complementar nº 95/98, sempre que o legislador pretender modificar lei pretérita, deverá reproduzir integralmente, substituir no próprio texto e/ou acrescer dispositivo novo, ou dispor de cláusula expressa de revogação.

Portanto, a Lei Complementar nº 104/01 não trouxe em seu conteúdo qualquer cláusula expressa de revogação, nem tampouco substituiu ou fez acréscimo de dispositivo no art. 138 do CTN, temos que chegar a conclusão de que não houve qualquer inovação no que diz respeito à possibilidade de se pagar parceladamente um débito autodenunciado.

Ademais, ao nosso ver, não existe antinomia entre os dois artigos ora estudados, mas sim, duas normas de conteúdo distintos. O art. 155-A, § 1º, CTN, tem caráter genérico, e estabelece a incidência de juros e de multa quando do parcelamento face ao não-cumprimento de obrigação tributária. Já o art. 138, CTN, tem caráter específico e premia o voluntário saneamento do ato faltoso.

Desta forma, o art. 155-A, § 1º, CTN, não possui força revogatória ao alcance do art. 138 do CTN, de modo a inviabilizar o parcelamento de débito fiscal confessado espontaneamente. O silêncio do art. 138, ao nosso ver, consagra a possibilidade de parcelamento. Se fosse vontade do legislador restringir o alcance do instituto, assim o faria expressamente. Logo, inconcebível que as autoridades administrativas e/ou Judiciárias, por via exclusivamente interpretativa, restrinja o alcance da denúncia espontânea.

Em síntese, tem-se que a aplicabilidade do art. 155-A, § 1º, do CTN é limitada, somente alcançando hipóteses que não a particularmente disciplinada pelo art. 138 do CTN.

Assim, por todas as razões expostas, no nosso entendimento, é um direito do contribuinte que se autodenuncia e requer o parcelamento do débito fiscal, satisfeitos todos os pressupostos do art. 138 do CTN, gozar dos benefícios por este estabelecidos.
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*Advogado do escritório Machado Neto, Bolognesi, Azevedo e Falcão, Consultores e Advogados









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