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Eleições nos EUA e no Brasil

"É a economia, estúpido", disse alguém para explicar a vitória eleitoral de certo candidato em eleições americanas. O argumento, que parece irrespondível, foi tranquilamente desmentido pela vitória de Barack Obama nas últimas eleições.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Atualizado em 20 de setembro de 2010 11:31


Eleições nos EUA e no Brasil

Gilberto de Mello Kujawski*

"É a economia, estúpido", disse alguém para explicar a vitória eleitoral de certo candidato em eleições americanas. O argumento, que parece irrespondível, foi tranquilamente desmentido pela vitória de Barack Obama nas últimas eleições. A economia não foi o fator determinante da maioria alcançada por aquele candidato democrata negro e desconhecido, que desmentiu a crença barata de que a economia explica tudo na política.

Se fosse assim, ganharia a eleição o candidato de Bush, ligado aos petroleiros, aos banqueiros e grandes empresários. O primeiro fator decisivo do apoio obtido por Obama, ao que tudo indica, foi a questão racial encarada no seu mais alto nível, não como simples discriminação mesquinha. Segundo Shelby Steele, pesquisadora da Instituição Hoover, da Universidade Stanford, a essência do apelo de Obama é a ideia do "idealismo racial", a ideia de que a raça é algo que os EUA podem transcender. "Ele se movimenta em vários mundos", diz sua meia-irmã Maya. Obama é filho de um homem negro do Quênia e de uma mulher branca do Kansas. De família muçulmana, converteu-se já adulto ao protestantismo da Igreja Batista.

"Tenho irmãos, irmãs, sobrinhos, sobrinhas, primos e tios de todas as raças e matizes espalhados por três continentes", diz Obama, confirmando a observação da meia-irmã segundo a qual o presidente negro circula em vários mundos.

Boa parte da juventude estudantil americana somou-se ao eleitorado de Obama, estudantes da classe média e alta influenciados pelo rap e pela música negra. Foi esta ideia-força de que seria imperioso transcender o preconceito de raça, ou seja, o avanço decidido daquele "idealismo racial", identificado pela pesquisadora da Universidade de Stanford, que veio mobilizar e ampliar o eleitorado de Obama, um eleitorado militante, apaixonado pela causa, cheio de entusiasmo e combatividade.

Além do fator racial, outra circunstância que favoreceu o crescimento do candidato democrata foi a angústia coletiva das guerras do Iraque e do Afeganistão, com as forças militares americanas indefesas ante a ofensiva dos terroristas ocasionando milhares de baixas, e os caixões dos mortos desembarcando sem parar nos aeroportos do país de origem. A desastrada invasão do Iraque por Bush foi uma chaga na consciência e no orgulho da grande potência, somada ainda à ameaça crescente do Irã e ao peso da questão israelense.

As pressões da questão racial e da responsabilidade internacional da potência hegemônica conjugaram-se para favorecer a vitória do senador Barack Obama, exibindo todos os sinais contrários próprios aos presidentes preferidos pela chamada América profunda de outros tempos: um governante democrata e não republicano, negro e não branco, ligado ao meio estudantil, artístico e universitário, e menos aos donos do capital e dos grandes negócios.

Diferente do que está ocorrendo na campanha presidencial brasileira de 2010, vazia, sem vibração nem participação dos eleitores, a vitória de Obama foi precedida de uma campanha das mais renhidas e disputadas, tensa e fértil em lances dramáticos, nas quais a população participou maciçamente, com toda a garra e vontade. Por que razão foi tão diferente no Brasil de Lula, Dilma, Serra e Marina? Seria porque a candidata do governo conta com o apoio compacto da "máquina" e de Lula em pessoa, transfundindo seu prestígio à candidata desconhecida, inexperiente, sem dotes de comunicação?

Por amor à brevidade, seria bom reconhecer desde já que foi por isso mesmo. Dilma empresta sua força e sua luz do presidente Lula, que a propeliu ao primeiro lugar nas pesquisas, em perigo de ganhar no primeiro turno. Este fenômeno da transfusão Lula-Dilma fez com que a eleição já estivesse decidida desde o início do mês de agosto. Isso significa que a campanha perdeu sua razão de ser. Para que campanha, se as cartas já estão marcadas e já se sabe que a vitória está sorrindo para a candidata petista? É o que permite entender o esmorecimento da disputa eleitoral no Brasil de 2010, a falta de entusiasmo, garra e participação. É que a eleição já está decidida no subconsciente coletivo.

A campanha eleitoral só se acende com vigor em cenários de indecisão entre dois ou vários candidatos, todos mais ou menos iguais em força e em oportunidade. Foi assim na campanha para a eleição de Obama, uma batalha campal em vários lances, renovada a cada dia, exigindo o maior esforço dos competidores. O que faz falta aqui no Brasil estabeleceu-se nos USA: um campo magnético de alta tensão entre os partidos e os partidários, afetando o dia-a-dia do país inteiro, a imprensa e até a opinião pública internacional que acabou, também ela, aplaudindo a eleição de Obama.

Nada de parecido no Brasil do PT, do PSDB e do PMDB. Já se disse que assim como era certa a vitória de FHC em função do Plano Real, outro tanto se dá, agora, com a força de Lula emprestada a Dilma. Lula é o Plano Real de Dilma, como formulou alguém. Nada mais a acrescentar. Desta vez valeu, no Brasil de Lula, aquele dito rude e grosseiro: "Foi a economia, idiota!"

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*Ex-Promotor de Justiça. Filósofo e ensaísta





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